Watch Dogs não é revolucionário. A nova franquia da Ubisoft é um conjunto de mecânicas bem sucedidas em outros títulos de mundo aberto. As promessas de quebras de paradigmas e originalidade são resumidas por um sistema de hack feito para enaltecer o combate, a furtividade e as corridas. Ainda que tenha um componente online de valor, o game não foge à regra do mercado em sua concepção. Esse é um jogo feito de forma calculada, sem correr riscos e maquiado por uma suposta inovação.

Essa cortina de criatividade, no entanto, se atém à venda. Pois, apesar da publicidade ostensiva, Watch Dogs não soa presunçoso. O jogo, na verdade, não tem problema em fazer referências à concorrentes ou ferramentas usadas em outros títulos - do sistema de missões à la Grand Theft Auto ao multiplayer de Dark Souls. A Ubisoft não esquece dos próprios feitos e também reúne sistemas consagrados em Assassin's Creed e Splinter Cell - o combate e o stealth, respectivamente. Dessa forma, o game se torna fácil e agradável de jogar, com uma curva de aprendizado equilibrada e tutoriais didáticos.

Maratona Watch Dogs no Omelete

O hack, que ao lado dos contratos online são o diferencial do título, é exemplo desta simplicidade. Não é preciso apertar mais que um botão para invadir qualquer sistema disponível, seja ele o fornecimento de energia de Chicago ou o celular de um transeunte. Após algumas missões, porém, o hack se mostra apenas uma forma de ludibriar o inimigo, porque o objetivo final é quase sempre resolvido por meio de uma fuga ou de uma briga - ambas mecânicas executadas com primor. O impacto desses floreios é imediato. Ver a cidade apagar é sensacional. Depois da segunda, terceira execução, porém, é notória a falta de profundidade desse aspecto da jogabilidade.

O hack 'real' de Watch Dogs é sua melhor parte. Na área de "contratos online" é possível acessar a campanha de outros jogadores sem aviso prévio. Nessas horas é preciso roubar informações, perseguir e vigiar sujeitos desconhecidos sem sequer mudar de tela. A sensação de insegurança é sentida de maneira mais forte quando se é invadido - o desespero de ver seus dados sendo roubados e não conseguir achar o ladrão é agoniante. Há também o modo competitivo, que é acionado por meio do celular de Aiden, o protagonista. A forma orgânica com que a Ubisoft construiu essa mistura de single e multiplayer é a prévia do que deve ser apresentado em seus próximos títulos. The Division (ou mesmo um novo Watch Dogs) deve levar isso a um novo patamar.

A interatividade que os contratos online trazem, aliás, ajudam o jogo a respirar, pois em Watch Dogs, Chicago não 'vive'. Existe um bom número de NPC's (personagens não-jogáveis), uma boa variedade de perfis para serem invadidos, mas uma cidade não é formada apenas por seus cidadãos. Diferente de Los Santos, de GTA V, o cenário carrega um tom monocromático, diferenciado apenas por suas residências e formas de construção. Os gráficos medianos (PS3) não ajudam, pois é comum ver quedas de frame rate ou carros, árvores e prédios surgindo em um horizonte não tão distante. Não há também uma movimentação característica nos distritos, figuras icônicas ou um visual marcante. A Ubisoft aposta nas informações incluídas nos gagdets e esquece a identidade de seus personagens.

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Esse deslize não ocorre com Aiden Pearce. Sempre no centro da história, o hacker é construído com cuidado pelo roteiro, que não hesita em usar flashbacks para situar o jogador. E ao passo que seu lado familiar é formado com a pieguice característica dos blockbusters atuais, seu aspecto criminoso é menos corriqueiro, logo, mais interessante. Tanto o passado quanto o futuro de Pearce são atestados da intenção da Ubi em tornar Watch Dogs uma franquia. Levando em conta o enredo aqui desenvolvido, existirão bons casos para contar sem que uma sequência pareça forçada ou caça-níquel - é uma sensação semelhante a de jogar o primeiro Assassin's Creed. O universo da DedSec e dos hackers é algo bem estabelecido e que pode ser explorado no futuro.

As missões secundárias e as atividades paralelas são outros fatores que não ajudam na identidade de Watch Dogs. Assim como Chicago, elas carecem de variação e simpatia - jogar poker, escoltar gangues, roubar carros e entregar pacotes são comuns demais para serem considerados segmentos 'alternativos' a narrativa principal. Assim, o entretenimento encontrado no game difere pouco do achado em títulos como Sleeping Dogs e Saints Row, por exemplo. Ele está distante, sim, de títulos de vanguarda como GTA V e Elder Scrolls V: Skyrim.

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No fundo, Watch Dogs é uma representação da realidade atual da indústria de games. Um título construído sob marketing agressivo e calcado na reciclagem de mecânicas de sucesso, pouco preocupado com o inédito. Ao jogar é fácil entender os adiamentos, os vídeos mostrados sob medida e os escassos comentários acerca da narrativa. Aqui não está o futuro dos jogos de mundo aberto, mas uma amostra com pouco carisma do que eles fizeram até hoje.

A versão testada foi a de PlayStation 3.

Nota do crítico