Dragon Age II começa com o anão Varric, companheiro de aventuras de Hawke (que pode ser homem ou mulher), protagonista da história, sendo pressionado a contar "a verdadeira história do herói de Kirkwall". Ele começa, então, sua longa recapitulação da lenda - desde o tempo em que Hawke era um mero refugiado na gigantesca cidade.

Parecia uma ótima ideia a dos realizadores de Dragon Age II contar a história do game através de flashbacks jogáveis. Quando conversei com o produtor do game, em julho de 2010, era isso que mais parecia empolgá-lo, afinal.

Dragon Age II

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A questão fundamental para esse problema é o próprio estilo de jogo de Dragon Age II. Trata-de, afinal, de um RPG convencional, no sentido da criação de uma história em escala épica de fantasia medieval, em que a jornada do herói é a jornada do jogador. Pra que tal aventura seja efetivamente apreciada, deve-se criar uma relação de proximidade com o personagem central. O jogador deve tornar-se o personagem, sofrer suas agruras e temer pelos seus amigos e família, pelo seu universo. Mas Dragon Age II funciona como um RPG de controle de grupo. Como se relacionar com Hawke se a qualquer momento posso deixar o controle dele em direção a um dos outros integrantes de seu bando? Fica difícil estabelecer uma relação de proximidade, de se afundar na história - de SER Hawke, quando não se é o tal herói, mas uma entidade controladora.

Obviamente, é possível restringir-se a Hawke, evitar os tais saltos, mas o nível de controle exigido nesse caso é ainda maior. Para ser bem sucedido assim, você deve alterar a lista de reações da inteligência artificial dos companheiros de grupo, o que pode levar dezenas de minutos, mais uma vez afastando-o da experiência central, que - no meu ponto de vista, como fã dos RPGs "de raiz" - deveria ser emocional, não lógica. Além disso, os constantes crescimentos de níveis dos personagens periféricos também exigem intervenções ("coloco esse ponto obtido pelo anão na força ou destreza?"), que também trabalham no sentido de afastar-nos da história.

Não haveria nada de errado em usar esse sistema ancestral dos RPGs e presente em tantos outros games no jogo, mas se Dragon Age II busca uma experiênca inovadora em termos de narrativa, usando flashbacks e estrutura não-linear, seu objetivo primário, tal opção o aleija desde o primeiro minuto de jogo. Não adianta discursar que você está contando a lenda de um herói quando, na verdade, o foco do game é a administração de múltiplos personagens.

Igualmente decepcionante é a ambientação. Mesmo que o design do título tenha sido bastante aprimorado (ainda que muitos fãs prefiram o original), não deixa de ser estranho na ambientação fantástica de Dragon Age II a restrição geográfica do jogo. O gênero da fantasia desde sempre foi empregado na exploração e defesa de um mundo - não de uma cidade apenas (não é por acaso que todos os livros do gênero tenham em sua primeira página um mapa). Hawke e seus companheiros começam a aventura presos em Kirkwall e ao jogador é dada a missão de tirá-los dali, de cuidar da família para que ela suba em direção às partes mais nobres da cidade e, ao final, possa livrar-se desse lugar opressivo. Mas isso nunca acontece - e aqui adianto um detalhe da trama dos mais irritantes: você passará horas e horas juntando dinheiro para embarcar em uma expedição em direção à "Estrada Profunda" que promete riquezas incalculáveis. Mas ao retornar dessa aventura, se encontrará de novo na mesma Kirkwall da qual desejou sair desde o momento em que ali colocou os pés. Há algo errado com a história se ela orienta o jogador o tempo todo em uma direção e depois não dá a ele a opção de fazer o que quiser - que, no meu caso, era sair dali.

Em termos de jogabilidade, o game foi sensivelmente alterado em relação ao primeiro. A começar pela câmera, que abandonou o estilo do primeiro para ficar mais próxima de games clássicos de ação, algo que a maior parte dos fãs do primeiro repudiaram, já que parece uma mudança para tornar o título mais amigável aos consoles. Os controles também ficaram diferentes, deixando para trás os comandos como "atacar" e "defender" enquanto se seleciona oponentes, mas efetivamente desferindo golpes. Não é necessariamente uma melhoria, já que eles ficaram parecidos com MMORPGs recentes. A solução, de qualquer maneira, é mais abrangente dentro do potencial de público. Se você aprecia os games em que se joga como um grupo e não como um indivíduo, a opção de congelar a ação para controlar as ações de cada personagem, como em um jogo de estratégia, deve render-lhe alguma satisfação.

Já as conversas e decisões que mudam o personagem - que agora tem voz - e a percepção que o mundo tem dele, ganharam uma nova "roda de diálogo". Todas as opções de frases agora são acompanhadas por ícones que revelam o tom da resposta (agressivo, submisso ou calmo, por exemplo). É o mesmo estilo da série Mass Effect, que funciona muito bem para quem aprecia o falatório em seus RPGs.

Em última instância, para o meu entendimento do que o game poderia ter sido, Dragon Age II é decepcionante. E tudo remonta à primeira hora de jogo, em que aprendi que 1) eu reviveria a lenda de um campeão e 2) Kirkwall não era um lugar desejado. Pois bem, a lenda foi extremamente enfadonha... que tipo de obra de ficção obriga aquele que a está lendo, jogando ou assistindo a reviver cada um dos trabalhos sem-graça que o herói teve que assumir? Não havia a opção de flashbacks e flashforwards, afinal? E quando foi que a indesejada Kirkwall tornou-se o mundo que precisava ser salvo? São problemas difíceis de ser relevados quando sua expectativa pelo jogo é justamente a promessa de uma nova forma de contar histórias nessa midia surpreendente que é o videogame.

Nota do crítico