O estande da Ubisoft na Brasil Game Show 2015 têm três andares. No solo, ficam os lançamentos deste ano: há estações de Assassin’s Creed Syndicate, Rainbow Six: Siege e, claro um palco de Just Dance 3. Em um mezanino, a equipe da casa conduz um streaming direto da feira, entrevistando youtubers, jornalistas e demais personalidades do meio. No último andar, solitário, Bertrand Chaverot, presidente da empresa no Brasil, observa todo o movimento.

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Foi neste espaço reservado que o executivo recebeu o Omelete para conversar, sem meias palavras, sobre praticamente tudo: do estado da indústria de games em meio à crise econômica brasileira ao sucesso da casa com youtubers, além de várias estratégias de venda pouco convencionais para um estúdio de games, mas que têm dado certo para a Ubi no Brasil. Confira:

Recentemente, a Ubisoft organizou um evento para a imprensa no qual você falou bastante sobre a crise econômica. Gostaria de começar a entrevista perguntando como ela está afetando o mercado de games no Brasil.

É importante termos uma visão lúcida e realista da situação. Estamos num momento terrível. Mais do que econômica, é uma catástrofe política e social. Ao mesmo tempo, o Brasil é um país muito grande. Temos uma classe média que se acostumou a ter um carro zero Hyundai, a comprar uma televisão de 42 polegadas Samsung, a ir no restaurante, a abrir uma poupança no Bradesco… todas essas conquistas não vão voltar atrás.

(O Brasil) é um mercado estratégico para nós. Não temos dúvidas sobre o país no médio prazo, mas no curto, é necessário ter mudanças radicais. Não se pode ter um ex-presidente, um presidente da Câmara dos Deputados, todo mundo envolvido em investigações de corrupção incríveis. O povo não vai aguentar muito tempo. As empresas não vão aguentar. Não é sustentável. Em meio a isso, temos que continuar fazer um bom trabalho de marketing, um bom trabalho com a comunidade, lançar jogos bons em português, dublados, preparar um Natal que vai ser mais ou menos, e já pensar em 2016, que deve ser bom.

Como você prevê 2016 para a Ubisoft nesse cenário?

2016 vai começar muito forte. Já para o Natal, temos o Assassin’s Creed: Syndicate e o Rainbow Six: Siege, que é nossa grande aposta por se focar na categoria de e-sports. Já no início de 2016, temos o Far Cry: Primal, anunciado essa semana. Foi uma surpresa. Estamos há mais de dois anos desenvolvendo este jogo e conseguimos manter um sigilo. Acho que isso foi o mais difícil. A reação foi espetacular: todo mundo adorou a ideia de voltar à pré-história, na época do neolítico. Não vai ter dinossauro, mas temos mamutes, tigres, monstros que você nunca viu. Em março, temos o The Division, que está em desenvolvimento há quatro anos. Há muita esperança nesse jogo, é um shooter RPG massivo de mundo aberto. 2016 vai começar a todo vapor para nós.

Este ano vimos um aumento gradual no preço dos jogos. De R$ 199, passou-se para R$ 229, depois R$ 249, e agora temos lançamentos a R$ 300. Como você vê esse aumento de preço? A Ubisoft vai manter os valores que tem agora?

Então, o que se precisa entender bem é que todas as publishers têm o mesmo problema: custos em dólares. Participamos dos custos para as first-parties: Sony Nintendo e Microsoft. Então, é normal (o aumento do dólar) ter um impacto. A Ubisoft sempre foi super focada em manter preços baixos, os mais justos possíveis. Sabemos que nossos jogadores têm uma mesada que não é ilimitada. Temos que entender que são jovens, adolescentes.

Decidimos não ter preços acima de R$ 249, apesar da queda do real de 40%. Também decidimos manter as pré-vendas de edições digitais a R$ 199. Então, para quem quer economizar, dá para comprar um pouco antes, aproveitando um preço bom, ou esperar promoções. De jeito nenhum vamos aumentar além de R$ 249, que é um preço alto, mas é justo. É um valor mais em conta do que nos Estados Unidos, ou na Europa. O problema é que temos uma moeda fraca, e que vai continuar fraca.

No começo da entrevista, você falou sobre trabalhar com a comunidade. A Ubisoft têm interagido bastante com a comunidade desde o começo da ascensão dos youtubers. Como você vê essa integração de trazer a cultura dos youtubers para perto do estúdio?

Vejo como uma ferramenta de marketing e de relacionamento com a comunidade que tem muito potencial. Ela pode ser muito legal quando bem feita, e muito perigosa quando mal feita. Desde o começo, decidimos focar muito na comunidade para não errar, porque se você falha, pode ser uma arma fatal. Fizemos uma parceria com vários youtubers numa dimensão de longo prazo. Acho que os fãs gostam de ver uma relação que não seja somente comercial, mas de parceria entre marcas e youtubers com afinidades reais.

Se você contrata uma pessoa para lançar um produto, e outra para seu próximo produto, não agrega muito valor. Mas, quando há uma relação de longo prazo com alguns youtubers com os quais há muita troca de informação, de criação e inovação em termos de interação com a marca, a comunidade adora. Ela vê que você está com jovens que entendem como trabalhar com o YouTube, o Twitch, agora o Azubu… Então, para nós isso é um pilar central da nossa estratégia.

Há algum jogo que você costuma usar como um caso no qual a proximidade dos youtubers ajudou a aumentar as vendas?

Acho que quase todos os jogos. Se você pegar o Just Dance, que já é um jogo com bom crescimento, quando começamos a fazer parceria com os Irmãos Piologo, a Malena, o Rato Borrachudo, o Felipe Neto, que desafiou o Damiani, encontrou a Kéfera… tudo isso gerou um retorno fantástico. O Just Dance é um bom caso de relacionamento com youtubers, porque você vê que eles realmente gostam do jogo. Não é só pra vender, não só uma apresentaçao comercial. Eles são profissionais, mas fazem isso com produtos que gostam, que têm em casa.

O Far Cry também foi muito forte porque o jogo foi feito para ser compartilhado, para ter momentos de humor, de surpresa. E os youtubers brasileiros são muito criativos, fizeram um monte vídeos super engraçados, não só no lançamento, mas seis meses depois, nove meses, um ano depois. Acho que Just Dance e Far Cry foram os jogos que mais se aproveitaram dessa relação.

A estratégia de venda da Ubisoft no Brasil sempre foi além dos jogos: vocês vendem camisas, livros, e agora um perfume do Assassin’s Creed. De onde surgiu essa ideia?

Você sabe que eu sou francês, né? (risos). É uma brincadeira. Diria que é uma brincadeira de luxo, porque estávamos procurando uma ideia para uma coisa especial que queremos por aqui. O Brasil é o país onde mais se vendem livros de Assassin’s Creed. Chegamos a 1,5 milhão de unidades vendidas. No mundo todo, foram comercializadas 3 milhões, então metade veio daqui.

Encontrei o presidente da Firmenich, que é uma empresa suíça líder mundial de criação de fragrâncias para todas as grandes marcas europeias e americanas. Ele nos falou que o Brasil é o primeiro país do mundo em venda de perfumes para mulheres, mas o mercado para homens ainda tinha potencial, pois pouca gente usava, há uma cultura de que só o desodorante basta, mais simples, mas que com certeza tinha espaço para crescer. Nós conversamos, e depois de uma caipirinha, uma segunda caipirinha, falei para ele que estou sempre atrás de ideias engraçadas. Perguntei para ele sem pensar que seria possível, se ele poderia criar algo para Ubisoft, de alta qualidade, respeitando os valores da marca e do universo da marca. Ele topou, e durante seis meses trabalhamos juntos, com dois narizes para criar uma fragrância de alta qualidade. Foi um encontro de oportunidades.

Lançamos o perfume nesta segunda-feira, em edição super limitada, mas se você quiser provar, queremos colocar um adesivo na caixa dos jogos, com o cheiro do perfume. É uma brincadeira, mas acho que é legal mostrar para os brasileiros que nem tudo da Ubisoft vêm dos Estados Unidos, que há produtos exclusivos daqui. Entendo que muitos jovens não gostam de perfume, mas para quem usa ou quer começar a usar, é um produto de qualidade para um grupo que pode pensar que faz mais sentido ter um perfume Assassin’s Creed do que um perfume do Justin Bieber, ou do Antonio Banderas.