O francês Peter Molyneux, chefe do Lionhead Studios, é um homem de hipérboles. Seus grandes feitos (Populous, Theme Park, Black & White) somente são eclipsados por seus grandes não-feitos - o designer ganhou fama nos últimos anos por sempre descrever os seus futuros jogos com entusiasmo exacerbado, acabando por prometer e divulgar características que nem sempre se encontram ou correspondem ao que está na versão final dos jogos. Foi assim com o primeiro Fable, lançado em 2004 para a primeira geração do Xbox.

Quatro anos depois, a sequência do relativamente decepcionante RPG chega ao Xbox 360, com a responsabilidade de mostrar que Molyneux e a Lionhead são capazes de aprender com os próprios erros. Sobre isso, não há dúvida: missão cumprida, com louvor.

Fable II

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Fable II pode ser descrito de várias formas. É um RPG de ação cheio de mecânicas interessantes. É uma mistura de GTA com Zelda. É um simulador de sociedade. É um experimento bem-sucedido de game design. É uma linda história de um herói e seu cachorro buscando justiça ou vingança após trágicos eventos. É um jogo que pode te deixar com um nó na garganta ou mesmo lágrimas nos olhos, sem soar forçado.

Em resumo, é a clássica história d'O Escolhido que precisa salvar o mundo. Você viaja pelas lindas cidades, campos floridos e cavernas escuras completando missões - umas que servem para avança a história principal e outras criadas apenas para ganhar mais experiência e "pontos de fama". Enquanto isso, seu personagem cresce, envelhece, torna-se alto ou magro, bonito ou feio, gordo ou musculoso, temido ou amado, de acordo com as suas ações. Tudo o que você fizer ou deixar de fazer mostra quem você é e vai ser determinante na sua jornada, desde ajudar ou não alguém em necessidade até a escolha entre poções ou comida para recuperar energia.

Desde Black & White (que colocava o jogador no papel de um deus que deveria guiar um povo usando maldade ou benevolência), Molyneux tem se mostrado quase obcecado com a questão dos dilemas morais. E este conceito nunca foi tão bem explorado em um jogo quanto em Fable II. O cinema há muito já passou da fase maniqueísta, em que era possível saber se um personagem era "do bem" ou "do mal" logo no primeiro momento. Fable II representa a chegada dos games a essa maturidade. Seu livre-arbítrio é exercitado desde o início do jogo. O primeiro objetivo é conseguir cinco moedas de ouro para comprar um item importante, e então você passa a fazer missões para outros personagens. Um guarda que perdeu seus cartazes de "Procurado" lhe contrata para procurá-los, mas logo um dos bandidos se oferece para pagar o mesmo preço pelos cartazes. Para quem você entrega, sabendo que a recompensa é a mesma?

Muitos dos dilemas morais do jogo são bem mais ambíguos e sutis do que este, podendo tocar realmente os sentimentos do jogador. Mas talvez o maior fator emocional do jogo - além de um fato que acontece logo no início - é o seu cachorro. Além de ajudar nas lutas (terminando o serviço contra inimigos que você consegue derrubar) e de servir como radar para itens escondidos sob a terra e alerta de tesouros que você pode deixar passar, o totó é o seu companheiro em tempo integral. Mais do que sua possível esposa ou filhos, que precisam ficar em casa, protegidos, o cão é o único ser vivo dentro do game com o qual você cria uma ligação emocional, de companheirismo e ajuda mútua. O que não quer dizer que esse elo não poderia ser ainda maior se houvesse mais formas de interação além de elogiar, dar bronca ou jogar uma bolinha para ele buscar (quando quiser). Ver o cachorro mancando após levar um golpe é muitas vezes motivo suficiente para ignorar ou fugir dos inimigos com o objetivo de curar o amigão.

E por falar em lutas, elas tinham tudo para dar errado por serem simples demais, mas o sistema de um botão para cada tipo de ataque funciona muito bem, e resulta em batalhas bem variadas e prazerosas. É simples assim: as virtudes de um herói são Strength (Força), Skill (Perícia) e Will (Vontade), e cada uma delas é representada por um botão no controle. O X concentra todos os ataques que usem força física, enquanto o Y executa os ataques à distância com armas de projéteis e o B carrega e solta as magias. Variações no timing e ritmo do apertar dos botões alteram os tipos de golpes, e ângulos de câmera dramáticos contribuem na criação de lutas cinematográficas. A única crítica quanto ao sistema adotado é a parte de magias, que dificulta muito a vida de quem se decidir por trocar as magias durante as batalhas. Como resultado disso, você provavelmente vai acabar escolhendo uma ou duas magias e usá-las durante todo o jogo.

O sistema de experiência também merece uma menção honrosa. De maneira similar a jogos como God of War e vários que vieram depois dele, os inimigos deixam esferas coloridas depois de mortos, e essas esferas são usadas pelo herói para aumentar suas habilidades. Ao todo, são três tipos de habilidades, que você só consegue evoluir se matar inimigos usando-as. Porém, há quatro tipos de esferas. As verdes atuam como "experiência curinga". Utilizando-a você vai conseguir evoluir "aquela" habilidade em que sua destreza não era suficiente para derrotar o oponente.

Outro detalhe impressionante do jogo é a simulação social. Todas as pessoas do reino de Albion, da moça da barraquinha de peixes até o maior dos piratas, têm uma opinião sobre você. Esta opinião, claro, é fruto da fama conquistada através dos seus atos, mas também pode ser alterada de pessoa a pessoa, usando a "Roda das Expressões". Com essa simples interface ativada pelo botão RB, é possível executar as mais variadas expressões - divertidas, raivosas, sociais, românticas, etc. - , que afetarão a opinião das pessoas imediatamente próximas, fazendo com que você seja visto como um cara engraçado, sério, atraente ou nojento, entre outras coisas. Essa opinião afeta não apenas as falas emitidas pelas pessoas, mas também, em menor escala, opinião geral a seu respeito naquela região. E isso, por sua vez, altera o preço que você pode pagar pelos itens das lojas (quem te ama ou te odeia vai fazer preços sob medida para você). Tudo é interligado e funciona como uma gigantesca e perfeita engrenagem.

Gigantesco também é um adjetivo adequado ao tamanho do mundo que você terá a explorar. Fable II tem um dos mundos mais vastos e bem construídos entre os que eu já tive o prazer de pôr os meus pés virtuais. Freqüentemente você tem a sensação de estar andando por cenários modelados a partir de locais verdadeiros, tamanha a autenticidade e naturalidade do relevo e da arquitetura. Isso contribui - e muito! - para a tão almejada "imersão" do jogador. E, de tão grande, você certamente vai terminar o game tendo a sensação de que não passou por nem metade dos lugares possíveis. Essa sensação pode ou não ser verdadeira, visto que não há um mapa geral do mundo, como na maioria dos games. Faz muita falta, é verdade, mas acredito que tenha sido uma decisão acertada. Além do mais, uma trilha dourada sempre está presente, guiando dinamicamente o jogador até o local do próximo objetivo ou missão (que pode ser alterada em um menu), fazendo com que você só se perca se quiser.

Não é exagero dizer que Fable II é hoje um dos melhores jogos de aventura para o Xbox 360 e traz em sua história alguns momentos absolutamente memoráveis (o dilema moral ao fim do jogo que o diga). Não importa se você vai ser um herói egoísta e caótico ou um paladino do bem e defensor dos necessitados, a jornada vai ser muito interessante.

Fabio Bracht é editor do blog Continue.com.br