A Primeira Guerra Mundial é um confronto muito menos explorado no entretenimento do que a Segunda Guerra, mas não menos impactante, já que cerca de 10 milhões de pessoas morreram de 1914 a 1918, período em que duraram os embates na Europa. Entre os horrores iniciados ali estão a guerra química, bombardeios e o uso de tanques de guerra, entre outros "avanços" tecnológicos. Valiant Hearts: The Great War, novo game da Ubisoft, explora esse momento dramático e o faz com respeito poucas vezes observado em um game para grande público.

O título, criado com a engine UbiArt Framework, desenvolvido para que equipes pequenas possam trabalhar em projetos criativos com amplas possibilidades artísticas, foi produzido com grande esmero histórico. Mesmo que não tenha estilo realista e a trama tenha momentos bastante cartunescos, os fatos que marcaram o início do século XX estão todos ali, equilibrando muito bem a violência esperada de um jogo de guerra, a diversão e o - por que não? - aprendizado.

A jogabilidade consiste em uma adaptação do estilo "point and click", misturando quebra-cabeças com cenas de perseguição, alguma furtividade e ação. É tudo bastante simples, mas efetivo em sua pretensão. É interessante como os produtores conseguiram retratar esse conturbado período histórico dividindo-o em "fronts" e aproveitando a perspectiva estilo plataforma horizontal para, sutilmente, tratar elementos que tornaram a Primeira Guerra não apenas uma das mais sangrentas da história da humanidade, mas também uma das mais curiosas.

Uma determinada sequência, com um dos protagonistas avançando por túneis, revela oponentes alemães a poucos metros de distância, cavando em seu próprio túnel. Essa imagem, aliada às informações históricas opcionais que o game fornece o tempo todo (vale a pena ler todas, já que são curtas, elucidativas e bastante ilustrativas do que será jogado a seguir), garantem uma sensação de imersão inesperada para um título tão pouco preocupado com o realismo gráfico que tantos outros jogos se propõe.

Não que Valiant Hearts: The Great War seja irreal. Aproveitando-se do estilo de traços claros e limpos, diretamente alusivo às escolas franco-belgas de histórias em quadrinhos, o game é extremamente competente em seu retrato fiel de eventos e sentimentos. Por trás dos movimentos desajeitados e ilustrações fofas, esconde-se essa intenção dura de contar uma das histórias de guerra mais tristes que um game já narrou. Nela, o patriarca de uma família francesa vê seu genro, um rapaz alemão, ser deportado para lutar ao lado de sua pátria. Não tarda para que ele mesmo seja recrutado para o exército francês, deixando sua filha e neto para sobreviver na fazenda da família. Paralelamente a isso, um dos poucos norte-americanos a participar dos primeiros dias da guerra ingressa no conflito devido a motivos pessoais - assim como uma jovem enfermeira cujo pai cientista foi capturado por um barão germânico. Todos frequentemente acompanhados de um cachorro, que ajuda a solucionar os problemas.

Cada sequência aproveita personagens de maneira diferente. Ao todo podem ser controladas quatro pessoas, cada uma com algum tipo de jogabilidade distinta das demais e em fases que aproveitam isso. Itens escondidos (são mais de 100) ajudam a criar o panorama completo da Primeira Guerra Mundial, já que trazem elementos do cotidiano da época e da guerra em si.

Uma trilha sonora triste, narrações em off e a sonoplastia cheia de grunhidos que se assemelham aos idiomas que emulam completam o pacote. O resultado é um game que, ainda que seja um tanto repetitivo (especialmente nos primeiros dois capítulos) e pouco desafiador, consegue permanecer com o jogador pelo respeito com que trata o tema, as soluções criativas empregadas e, especialmente, pelo desenvolvimento de personagens cativantes e sua história, muito bem costurada com o drama de um dos piores momentos da humanidade. E há o belo e irônico final, daqueles de deixar qualquer jogador no sofá lendo os créditos até o fim, pensando.

Nota do crítico