Filmes

Entrevista

Killer Joe | Omelete entrevista William Friedkin

O cineasta de 77 anos comenta seu controverso longa, sua carreira, cinema brasileiro e a chatice de Hollywood

11.03.2013, às 03H04.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H41

Durante a divulgação de Killer Joe - Matador de Aluguel, o Omelete teve a chance de conversar por telefone com o cineasta William Friedkin.O mestre de 77 anos, diretor de O Exorcista, Operação França e Parceiros da Noite, comenta seu longa mais recente e fala da carreira, de cinema brasileiro e da "morte" dos grandes estúdios de Hollywood.

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Olá, Mr. Friedkin.

Wiliam Friedkin: Oi, Marcelo, tudo bem? Como está o Omelete?

O Omelete está ótimo, obrigado por perguntar.

Você fica no Rio de Janeiro?

Ficamos em São Paulo. O senhor já esteve no Brasil?

É um dos poucos países da América Latina que eu nunca visitei. Quase tive algumas oportunidades de ir ao Brasil. Anos atrás a IMAX queria que eu filmasse o Carnaval no Rio, mas não deu tempo de preparar tudo. Espero visitar o Brasil um dia, mas só se eu puder ficar uns dias e aproveitar. Até hoje escuto constantemente a música de [Tom] Jobim, outro dia Gilberto Gil veio tocar em Los Angeles... Adoro o Brasil.

Killer Joe é a segunda peça de Tracy Letts que o senhor adapta ao cinema, depois de Possuídos. A forma como ele enxerga os EUA te atrai?

Não. Tanto para Letts quanto para mim, o filme não representa nada ou ninguém que não sejam os personagens na tela. Seja a América Latina ou qualquer lugar, os países têm muitas facetas, certamente [o filme] não é algo típico dos EUA. Há certas características desses personagens em Killer Joe que muitas pessoas [no mundo] têm. Há muitas pessoas no nosso país que são obcecadas e avarentas, que têm sua própria lei e não respeitam os direitos dos outros, mas isso não significa que seja algo típico dos EUA.

O senhor precisou procurar muitos atores e atrizes antes de fechar o elenco? Porque hoje não é fácil fazer um filme pesado como Killer Joe.

Não é fácil, mas nunca foi, nem mesmo nos anos 1970, quando as coisas era mais liberais por aqui. Porque é um filme na contramão. Em termos de cinema americano, as pessoas cada vez mais buscam a zona de conforto, filmes que não causam problemas, o entretenimento puro. Eu nunca fui capaz de ficar só nisso. Entendo que é isso que as pessoas procuram em tempos difíceis, elas vão ao cinema para escapar, e não para lembrar de coisas como essas que estão em Killer Joe. Ainda assim, o material é excelente. Ele tem uma certa dose de verdade, e muitos filmes feitos aqui não têm verdade alguma, são pura fantasia.

E o senhor falou com muitos atores antes de chegar a Gina Gershon e Matthew McConaughey?

Não. Eu havia falado só com um outro ator antes, Kurt Russell. Ele estava muito interessado - eu acho que ele teria ficado ótimo - mas ele vive com Goldie Hawn e ela ameaçou deixá-lo se ele fizesse o filme [risos]. O próximo que procuramos foi Matthew, e ele odiou quando leu pela primeira vez. Atirou o roteiro no outro lado da sala, disse que precisava tomar uma ducha. Então um amigo dele disse: "Olha, é melhor você ler mais uma vez". Porque é fascinante, é uma história ambientada na parte do país de onde Matthew veio, ele conheceria esses personagens. Daí nos reencontramos, ele leu de novo e entendeu. Quando conversamos pela segunda vez já tínhamos a mesma ideia de como tratar o material. No caso de Gina, eu havia falado com uma outra atriz antes, uma grande atriz dos EUA, mas ela estava preocupada com a questão da nudez. E não havia nada que eu pudesse fazer para ajudá-la.

É mais fácil fazer um filme independente hoje do que nos anos 70?

Claro que sim. Há muito mais produtores independentes, e públicos ao redor do mundo que se interessam por esses filmes, porque a produção hollywoodiana é chata demais. Vocês têm um diretor que faz filmes desafiadores, Fernando Meirelles, que eu acompanho. E sempre houve ótima literatura vinda do Brasil e da América Latina que desafia a expectativa do leitor, e é isso que Tracy Letts faz em Killer Joe. Houve um tempo nos EUA, uns 50 anos atrás, em que tínhamos ótimos cineastas independentes, como John Cassavetes, e poucas companhias se dispunham a bancar os filmes dele. Ele precisou hipotecar a casa para pagar um filme. Hoje você tem vários produtores independentes que podem ajudar.

Sei que o senhor não se interessa muito pelo cinema feito hoje. Não sente às vezes que pode estar perdendo alguma coisa?

Não.

Não mesmo?

Você acha que estou perdendo alguma coisa?

Às vezes surge algo fora do comum. Gosto muito dos filmes de James Gray, por exemplo.

Eu também gosto! Ele é um grande amigo meu. Não é que eu não vejo nenhum filme, eu geralmente não assisto a esses filmes de super-herói e videogame. Vejo muita coisa de cinema estrangeiro, que chega cada vez menos aos EUA, por alguma razão. Embora a gente tenha uma indústria de cinema aqui, não conhecemos os grandes realizadores franceses ou italianos da maneira que conhecíamos antes. Quando eu comecei [a filmar], nós víamos todos os filmes de Antonioni, Fellini, François Truffaut, Alan Resnais... Não consigo te dizer quais os grandes filmes brasileiros hoje em dia, por exemplo, porque eles chegam cada vez menos aos EUA.

Um ótimo filme brasileiro que estava passando em Los Angeles e Nova York é O Som ao Redor, Neighboring Sounds, não sei se o senhor assistiu.

Não vi. Quem é o diretor?

Este é o primeiro longa de ficção dele. É um crítico de cinema, chamado Kléber.

Glauber?

Não, é um cineasta novo, inclusive vem de uma região próxima à de Glauber Rocha.

Eu vou procurar então. Tem um filme que eu vejo até hoje, que me causou uma impressão forte, o francês Orfeu Negro, financiado quase porta a porta. Orfeu Negro é um ótimo filme, apresentou a Bossa Nova nos EUA. É uma fantasia, mas bem fundamentada na realidade, foi rodada nas favelas... Tem um Blu-ray lindo que acabou de sair pela Criterion.

O senhor gosta de ensaiar pouco e fazer poucas tomadas, e seus filmes têm muitos momentos de catarse. Essas coisas estão relacionadas?

Muitos anos atrás, quando comecei a filmar, eu fazia muito ensaio e muitos takes. E percebi com os anos que isso era desperdício de tempo. Para o tipo de filme que eu faço, estou mais interessado em espontaneidade. Não tenho interesse em perfeição, quero que as pessoas pareçam reais. O trabalho mais importante de um diretor no set é fornecer uma atmosfera para que os atores possam se sentir relaxados e confortáveis, sentir que têm o direito de criar sem serem julgados. Se você acerta na escalação do elenco e os atores chegam preparados, você não precisa fazer muito mais do que isso. Quando eu comecei, fazia uns 20 takes, e lá pelo 18 já estava torcendo por um milagre, e o milagre nunca vem. Nada substitui a preparação. Se você escala um elenco errado, nem 200 tomadas vão ajudar.

O senhor disse uma vez que não procura conhecer o passado dos seus personagens, porque "o que não está escrito no roteiro não é necessariamente verdade".

Exato. Não faço a menor ideia - em nenhum dos meus filmes - de que aconteceu antes de o filme começar, ou depois de terminar. É tudo especulação, e sei que o público gosta de especular, mas não há respostas corretas. Por exemplo, no final de Killer Joe, ela vai puxar o gatilho ou não? Eu não faço a menor ideia, e acho muito importante deixar o público pensar sobre isso.

Sei que o senhor está escrevendo o seu livro de memórias.

Sim, deve sair em abril ou maio. [Atualizado: no Twitter, Friedkin diz que o livro se chama The Friedkin Connection e será publicado nos EUA em 19 de abril]

O senhor acha que agora é a hora certa?

Não, mas os editores acham [risos]. Foram eles que me convenceram, eu não queria nem saber disso. Trabalhei no livro por três anos. É muito difícil para mim avaliar minha própria carreira. Mas cinco editoras me procuraram, dizendo que haveria um público para esse livro, e uma delas me convenceu. Disse algumas coisas que me fizeram pensar que poderia dar certo, e encarei como um desafio. Ainda estou finalizando, falo de Killer Joe no último capítulo.

E pega sua vida inteira ou só a carreira no cinema?

Pega a vida inteira, desde garoto em Chicago.

O senhor fez 16 filmes em 45 anos. É um bom número ou poderia ter sido mais?

A questão é que eu tentei fazer mais filmes, mas por uma razão ou outra eles não aconteceram. O roteiro não ficava bom, ou eu perdia o interesse - o que seja. E desde 1996 eu dirigi óperas no mundo todo, em Munique, Turim, Tel-Aviv, Los Angeles, Florença... E isso toma tempo de preparação, e sempre que eu partia para uma ópera não dava para fazer um filme.

A sua geração é conhecida por ter feito faculdade de cinema, na UCLA e em Nova York, mas o senhor é autodidata. Isso te fez se sentir à parte ou isolado?

Eu não me senti isolado. Era uma geração de faculdade, eu estava à parte mas muitos deles eram meus amigos. Pouco depois de eu começar a filmar, passei a dar aulas em lugares como o American Film Institute ou a UCLA. Eu sempre palestro em faculdades e seminários no mundo todo, mas não acho que os jovens hoje precisem passar por uma faculdade de cinema. Eles podem fazer hoje o que eu não pude, que é comprar uma câmera, sair filmando e montar tudo sozinhos. É possível aprender a fazer filmes só de assisti-los - e foi como eu fiz. Eu via filmes demais há 40 anos, filmes europeus, eles foram meu tutorial.

O senhor se vê trabalhando de novo em grandes estúdios?

Não. Eu não me interesso pelo que eles fazem, e acho que eles estão morrendo aos poucos.

E TV? O senhor já fez televisão no começo de sua carreira, e hoje nomes como Martin Scorsese produzem sua próprias minisséries.

Sim, isso é possível. Estou trabalhando em uma coisa assim. Mas como sempre, eu preciso realmente querer, e não fazer só pelo dinheiro. Muita gente me procura para adaptar Viver e Morrer em Los Angeles como uma série de TV, e até agora não vi um enfoque certo, eu não saberia como adaptar. Nos EUA há muita coisa realmente boa na televisão, e estou em negociações para fazer algo.

Depois de muitos anos, a indecisão judicial sobre o seu O Comboio do Medo está sendo resolvida, com os lados definindo quem tem direito a o quê.

A Paramount e a Universal [que dividiram a produção do filme em 1977] não sabem muito bem como lidar com esse negócio dos DVDs. Eles só pensam na novidade e não no legado dos filmes. Meu desejo não era estender a questão nos tribunais, é permitir que o filme seja visto por quem quiser. Já há distribuidoras interessadas.

Talvez um Blu-ray da Coleção Criterion?

É uma possibilidade, e há outras empresas interessadas. Qualquer coisa pode acontecer.

O senhor sente que é um daqueles filmes subestimados que podem ganhar uma nova chance na revisão?

Bem, eu seria a última pessoa a saber, Senhor Hessel [risos]. Eu gosto do filme e meu desejo é que ele seja visto.

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