Séries e TV

Crítica

Looking - 1ª Temporada | Crítica

HBO volta a investir em recortes cotidianos de 20 minutos e faz um sensível reflexo da insatisfação humana

20.03.2014, às 14H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H41

Não é como se nunca tivesse sido feito antes, mas qualquer flerte que a teledramaturgia tenha com o gênero crônico, deve tudo à Sex and the City. Por isso, inevitavelmente, basta aparecer outro produto baseado em recorte urbano para que as comparações aconteçam. No caso de Looking, minimalista criação de Michael Lannan, a comparação mais recorrente, entretanto, é com outra colega da HBO, a esquizofrênica Girls. As duas tem 20 minutos de duração, se apoiam na rotina de uma grande cidade e dedicam-se a acompanhar a vida de tipos específicos de cidadãos metropolitanos. Porém, comparar Looking com Girls acaba sendo redutivo. Distante até mesmo da fórmula de Sex and the City, a série é um ponto de vista único sobre uma parte da engrenagem civil que tem sido explorada de formas bastante discutíveis: a que compete aos gays.

Looking se concentra em três personagens. A costura narrativa é feita por Patrick (Jonathan Groff), um designer de videogames que tem tudo aquilo necessário a um protagonista de sucesso e apelo: ele tem o panorama, o otimismo e - é claro - a frustração. Patrick é o olhar crônico que avalia a rotina enquanto a vive, sendo intensamente afetado por absolutamente tudo. Ele tem dois melhores amigos: Agustin (Frankie J. Alvarez) trabalha como assistente de uma artista e tem um namoro de muito tempo que começa a sofrer alguns baques quando a monogamia e a convivência a dois passam a ser discutidas; e Dom (Murray Barttlet), o mais velho dos três. Ele sofre com a pressão de ter chegado à meia-idade sem ter alcançado os objetivos pessoais e profissionais que idealizou para a própria vida. Pode parecer que a série não é clara sobre o que a norteia, mas os anseios, as buscas, desses três personagens provocarão as tensões discretas mas suficientes para manter o interesse do espectador nessa interessante temporada de estreia.

Orgulho e Preconceito

Apesar do minimalismo de sua dramaturgia, não digo que Looking não tem uma. De fato, tudo parte de um momento de ruptura para os três personagens principais. Patrick quer conseguir superar o fato de ter um ex-namorado que vai se casar, tentando encontrar as forças para lidar com isso na reafirmação de uma outra relação. Ansioso e até um pouco pernóstico às vezes, ele tem uma personalidade insegura e impressionável, além de ser do tipo que se intimida pelo sucesso alheio e acaba se atropelando na hora de demonstrar suas emoções. É extremamente necessário que ele seja assim, já que apenas as pessoas muito sensíveis têm capacidade de olhar panoramicamente para o mundo e se importar.

Muito inteligentemente, o roteiro coloca no caminho de Patrick alguém que, segundo os parâmetros da sociedade vigente, não é "bem-sucedido". Richie (Raul Castillo) é um personagem adorável que contradiz o que se pensaria de pessoas como ele. Latino, cabelereiro e de origens humildes, Richie se torna um bálsamo para as rejeições do novo namorado, mas também vira um ruído dentro do mundo de auto-importância na qual vivem Patrick e os amigos. Namorar alguém que os outros elegerão como alguém que "não é bom pra você" sacode as bases do seu orgulho e afeta aquela velha dependência por status. Richie é bonito, inteligente e amoroso, mas não é a vitrine que alguém com as fantasias de Patrick sempre sonhara.

Looking critica 01

Não é uma questão de ser apenas superficial. Looking sabe muito bem como transmitir para nós as pressões que uma relação assim provoca. Porém, a superficialidade é parte da avaliação das coisas - com Agustin, por exemplo, tudo é uma questão de seguir os próprios desejos acima de qualquer coisa ou pessoa. Isso faz do personagem o mais real de todos eles e também o mais desagradável. Agustin tem aquela superioridade habitual das pessoas que só pensam em si mesmas. Ele quer o relacionamento e o sexo casual, quer a carreira e a empáfia, sabota o melhor amigo afirmando que é por amor, mas não consegue disfarçar os preconceitos que o norteiam em primeira instância.

Dom já está na contramão dos orgulhos opressores de Patrick e Agustin, querendo encontrar uma chance de recuperar o que fará dele um homem envaidecido de si mesmo. Aos 40 anos, ainda trabalha como garçom e tem um ex-namorado que alcançou sucesso na vida depois de se aproveitar dele. Muito desse delay pessoal do personagem é culpa da negação. Assim, a série o coloca diante de um homem mais velho que o impulsiona, mas que o leva a um conflito de interpretações. Dom sempre converteu tudo em sexo e o apoio que vem desse "mentor" se distorce em atração física segundo os olhos dele.

O Aspecto Inegável

Não foi uma temporada de muita audiência para Looking. De fato, a renovação para o segundo ano veio como uma iniciativa da HBO em acreditar no aspecto cultural que ronda a existência do show. Quando entendemos a série sendo de nicho não estamos falando sobre todas as questões emocionais que já foram abordadas nesse texto. Esses são aspectos que transcendem sexualidade. O que pode tornar Looking pouco atraente para o público heterossexual são os detalhes que fazem com ela seja realmente uma série sobre e para os gays.

A cena que abre o episódio piloto mostra Patrick "fazendo pegação" no meio de um bosque de São Francisco, conhecido por esse tipo de acontecimento. Os gays sabem que isso é muitíssimo natural em seus universos. Antes de serem gays, são homens, e a busca pelo sexo tem um peso considerável para a maioria deles. Longe das obrigações sociais impostas no processo de conquista entre homens e mulheres, os gays podem ter sexo casual de formas bastante imediatas, basta tomar a decisão. Bosques, "glory holes" em banheiros públicos, saunas, dark rooms, orlas, parques, internet... O sexo casual está em toda parte e pode ser acessado sem julgamentos e amarras.

Looking critica 02

Podemos garantir que a maioria dos espectadores aceitará essa "distorção" do romance a qual estão acostumados ver todos os dias na TV? Não. Assistir a uma cena de sexo anal cheia de detalhes imensamente realistas pode não ser confortável para a maioria das pessoas. E Looking não se acovarda. As cenas de sexo, de intimidade física, de hábitos sociais, são importantes para o contexto da dramaturgia e não são feitas com o intuito de afastar espectadores, mas de fazê-los tridimensionar suas impressões sobre o universo gay, tão vigente, tão in no mercado e, ao mesmo tempo, ainda tão cheio de mistérios. Por isso a série ganha de todas as outras do gênero, porque sabe equilibrar o sexismo com a ternura, sabe ser crua e elegante em meio a uma estética minimalista e um texto simplesmente irresistível.

Não há motivos para não dar uma olhada nela, seja qual for a orientação sexual do espectador, porque Looking se fundamenta no anseio, no orgulho, na vaidade, no desejo e na construção do amor. Tudo isso diz respeito ao indivíduo e é esse tipo de constatação que as "séries de nicho" buscam: podemos parecer totalmente diferentes, mas somos assustadoramente iguais.

Nota do Crítico
Bom

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