Aloe Blacc é um safado. Do tipo que mistura a latinidade panamenha com a origem californiana, encarna o coeficiente cool dos crooners negros dos anos 1970 e, no palco, arruma o chapéu, olha a plateia de viés e só abre a boca com a certeza de - bingo! - ter a casa seduzida.
Aloe Blacc
Atração do festival Back2Black, Blacc passou por São Paulo para um dos shows mais frescos deste 2011 - ano que começou na elegia de Amy Winehouse e terá seu encerramento de honra com Stevie Wonder, no Rock in Rio, mostrando que, entre a briga do pop de Justin Bieber e o rock de Pearl Jam, a raíz negra não larga mão seu posto de honra.
O cantor, de certa forma, é cria de Amy Winehouse. Apesar de acumular carreira longa - já passou pelo rap, pelo jazz, pelos ritmos latinos - emplacou seu primeiro hit em 2010. Foi com seu segundo álbum, Good Things, em que se encaixou melhor, aproveitando o caminho do neosoul aberto a pontapés pela finada cantora e se reinventando como um novo Al Green, ou até um James Brown suave, com a voz controlada de Wonder e o sex appeal ideológico de Marvin Gaye.
Não à toa, os três últimos foram homenageados logo no início da noite, via introduções de seus hits no meio do ritmo da épica "Hey Brother". É quando a competente banda de apoio começa a mostrar serviço, com um poderoso duo de metais abraçando a cozinha e duas backing vocals encarando o difícil desafio de substituir as vozes masculinas que fizeram esse serviço nas gravações do disco. E é quando Aloe agarra a plateia, indo da voz suave à potência do gogó com fôlego invejável.
Aloe Blacc é, sim, um safado. Tem presença de palco, mas sabe que seu show não seria nada sem uma plateia quente. Por isso não para de falar e conduzir, conversar e atiçar o coro e escorregar pelo palco. Showman nato, conseguiu até mesmo abrir o mar no público do Bourbon Street - que de gueto não tinha nada - para uma pista de dança à la os bailes da Chic Show, com direito a passos dos mais desavergonhados, incluindo b-boys de classe média.
Suas músicas vão das cantadas de derreter corações - "You Make me Smile" e "Good Things" - às críticas sociais em época de crise de Wall Street - "Politician" e "Miss Fortune". É desta segunda lavra que sai "I Need a Dollar", seu grande sucesso, crônica sobre um rapaz que perde o emprego e se vê sem saída na vida.
O tema, recorrente desde o blues do Mississipi de 100 anos atrás, ganhou pacote quente e nostálgico, entre o teclado marcado, o groove do trompete e a voz de Blacc, balançando do sofrido ao malandro. Não se via uma plateia pedindo dinheiro em coro desde o lançamento daquela velha marchinha de carnaval.
Essa é, talvez, a sedução maior de Blacc: confundir os signos das músicas, transformando sofreguidão em groove, desabando banalidades da vida ordinária em baladas solares, deixando a agressividade do rap comer poeira. Como quando traveste a "Femme Fatale" do Velvet Underground em uma canção quase positiva (!), com cover que chega até a superar o original. Ou, já no bis, quando interpreta "Billie Jean" em pegada noir e faz da solar "California Dreamin'" uma ode melancólica pela saudade de casa.
É nesta que, quando ele começa a cantar fora do microfone, vangloriando-se da garganta poderosa, mas sem perder aquele olhar de viés, você olha e pensa "diabo, que safado".