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Rock´n´roll is here to stay

The times they're a-changin'

14.06.2004, às 00H00.
Atualizada em 23.12.2016, ÀS 10H01

THE TIMES THEY’RE A-CHANGIN’

Este artigo vem para fazer sugestões; recomendar uma trilha musical para uma viagem de transformação. Uma viagem careta de transformação por meio do mais imaginativo dos sentidos: a escuta, o ouvir.

Há que se aprender a ouvir. Em especial, ouvir música. Um pouco mais especial, ouvir o rock’n roll. Por um detalhe: há que se perceber que a guitarra de Tommy Iomi não é nada parecida com a guitarra de Jimmy Page. Quem escuta o Sabbath ou o Zeppelin desavisado não saca. Se o ouvido não é aberto ao rock, a sensação é ainda pior. O bocó é capaz de não ir além de dizer: é tudo barulheira.

Há, então, um papel reservado a uma trilha de estilo iniciática? Uma trilha similar à assunção de um saber esotérico, significativo apenas àqueles que compartilham um certo conhecimento, uma particular identificação? Digo que sim. E digo mais: não é apenas uma obrigação que o rock’n roll ordena. Qualquer sonorização que não seja melíflua, leve, sonante como certas melodias de Cole Porter, de Noel Rosa requer pelo menos um traço iniciático. Há que se sair do óbvio e viajar pelo inusitado da proposição. Dou um toque: melífluo, leve, não quer dizer ruim. E pesado e distorcido, uma verdadeira massa sonora, não quer dizer dissonante, difícil e iniciático.

E nem sempre foi assim no rock.

Ouvir os grandes representantes do segundo nascimento rock, a invasão britânica, não é viajar por trilhas que fascinam pelo inusitado que cai no ouvido. ‘A hard days night’ (Beatles), ‘December’s children (and everybody’s)’ (Stones), ‘Begin here’ (Zombies), ‘Sugar and spice’ (Searchers), ‘Mr. Tambourine man’ (Byrds), ‘Sings my generation’ (Who), se são dignos exemplos do renascimento do rock, não são experiências sonoras iniciáticas. São bons de se ouvir, difíceis de fascinar. A música nestes álbuns todos é agradavelmente simples, guardando as diferenças de estilo de cada banda. Nítida influência do blues nos Stones, o característico ‘mersey sound’ nos Beatles e Searchers, a leitura do ‘mersey sound’ britânico pelo moedor de carne ‘country’ dos Byrds. Lembrem-se (ou saibam) que ‘Mr. Tambourine man’, canção que dá nome ao disco do Byrds, é composição de Bob Dylan.

Um comentário a parte vale o disco do Zombies e o disco de estréia do The Who.

O Zombies gravou talvez um dos mais desprezados, apesar de um dos melhores, álbuns de rock da primeira metade dos anos 60. Se estão próximos do ‘mersey sound’, a bela voz de Colin Blunstone, o teclado de Rod Argent, o baixo de Chris White trataram de permitir, talvez, o primeiro namoro do rock com o jazz. Um jazz simplesmente ligeiro, mas sua característica ‘beat’ está lá presente.

Descrever o som do Who é uma tarefa difícil. Não há nada da sonoridade bucólica do ‘mersey’. Há a selvageria e o peso das bandas influenciadas pelo blues. No entanto, o ritmo, o andamento melódico, a maneira de tocar, a bateria nada convencional de Keith Moon constrói uma música nova. Alguém há de escrever algo que faça justiça à criatividade de Moon, Townshend, Entwistle e Daltrey.

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Todavia, o que importa aqui é a viagem pela transformação. Assim, vão aqui algumas dicas para esta viagem.

Anos vão ter que ser pulados para que o impacto seja digno de uma iniciação. Não são lá muitos. Diga-se de passagem, que, se a história ‘sapiens’ tem uns quarenta mil, os anos que correram entre ‘A hard days night’ e ‘Sargeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band’, entre ‘December’s children (and everybody’s)’ e ‘Their satanic majesties request’, entre ‘Begin here’ e ‘Odyssey and Oracle’ ou ‘Sings my generation’ e ‘Sell out’ não são mais do que quatro ou cinco anos. Uma titica histórica. A rapidez na mudança dos costumes, fato cultural absolutamente novo na história humana, certamente, explica o fenômeno. Quem tem acompanhado esta coluna sabe que boa parte destas mudanças culturais foi falada e cotejada com o andamento do rock’n roll.

No entanto, o que é sugerido aqui é que escutem os discos referidos sem escutar o que há entre eles. Pelo impacto. Para, quem sabe, em um milagre de viagem no tempo, a geração pós-adolescência ‘sixties’ possa criar em seu espírito a experiência que marcou quem tinha quatorze anos em 1968.

E, é claro, que posso citar outros exemplos. Eric Burdon e seu Animals, o Moody Blues, o Hollies, o Beach Boys são bandas que começaram nas trilhas simples do ‘mersey sound’ ou da influência bluesística e encontraram, alguns anos mais tarde, a via para evoluir. Alguns muito mais habilidosos e criativos do que outros, mas a onda varreu todo mundo. À exceção do Ohio Express que, em pleno maio de 68, com o mundo de cabeça para baixo, cantava ‘Yummy, yummy, yummy’.

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Para fazer esta experiência e viajar no tempo, peguem os discos. Se os tiverem em vinil, melhor ainda. No entanto, os CDs também valem. Encontrem uma cadeira ou poltrona ou, melhor, deitem-se no chão. Afastem as caixas de seu aparelho de som e posicionem-se exatamente no centro das delas. As duas devem formar um ângulo de 45º com a parede imaginária ou real. Seu corpo e, em especial, seus ouvidos, devem estar um metro e meio distante de uma linha que - esta necessariamente imaginária - trace uma reta entre as caixas. Estes modernos recursos ‘surround’ podem ser úteis, mas pecam por artificialismo. Sugiro que experimentem com os discos do Zombies. Até porque são os únicos dois álbuns que a banda lançou.

E terão a oportunidade de escutar um grupo sobre o qual poucos falam e nada deixa a dever aos grandes ícones sessentistas.

BOA VIAGEM.

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