Música

Crítica

Radiohead - A Moon Shaped Pool | Crítica

Thom Yorke e cia. começam do zero em disco triunfante

13.05.2016, às 13H54.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H44

O recado foi dado dias antes do lançamento: perfis de Facebook e Twitter “apagados”, páginas em branco, nenhuma foto, nenhuma explicação, nenhum apego. Tudo do zero. A Moon Shaped Pool chegou para confirmar que agora o Radiohead - banda que há mais de 20 anos vem nos ensinando o que é ruptura em música popular - queria recomeçar, deixar para trás o que tinha sido feito até agora. Que a banda de ontem não é mais a de hoje.

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De fato.

Tal recomeço é escancarado pela sonoridade de A Moon Shaped Pool: menos eletrônica, menos ruidosa, menos frenética. Ao que parece, Thom Yorke também é humano como a gente, afinal, e está disposto a analisar seu lado de dentro. Não se encontra aqui o inquieto militante de Hail To The Thief ou o crítico impiedoso da sociedade e da tecnologia de OK Computer, muito menos o alienado de Kid A ou Amnesiac.

Agora, Yorke decidiu inverter o peso de todas estas facetas em prol de questões mais individuais. E o mais interessante: quer falar sobre isso. Está mais calmo, mais questionador, mais indiferente - e isso é um elogio. A banda trocou a pressa e a angústia por uma desacelerada mais introspectiva. “Isso vai além de mim, além de você”, Yorke reflete em "Daydreaming", aceitando que nem sempre as coisas são como a gente gostaria, apenas são como são. E se isso fica claro no discurso, fica também evidente na execução: o Radiohead de agora está muito mais para "Sail To The Moon" do que para "Bodysnatchers".

Mas não nos deixemos iludir: mesmo na calmaria existem tempestades. E quando elas chegam, chegam em forma de verdadeiros tornados sonoros que arrastam você para longe, indefeso. "Burn The Witch" já abre o disco num destes momentos, com suas cordas frenéticas e incessantes. E é justamente aí que já fica clara uma mudança de abordagem: provavelmente, estas cordas não seriam cordas em discos anteriores, e sim mais batidas eletrônicas ou guitarras atacando power-chords. Poderia ser uma guitarra de heavy metal - aliás, não há nada tão heavy metal quanto invocar “Burn The Witch” - mas são violinos e violoncelos elegantes que conseguem passar a tensão sem necessariamente deixar a música pesada. Seu peso fica no psicológico, o que é muito mais eficaz.

De forma geral, os arranjos são a grande riqueza do disco. Em algumas faixas como "Glass Eyes" ou "Desert Island Disk" ou até mesmo na lindíssima "The Numbers", eles soam fazendo papéis invertidos: guitarras que parecem piano, pianos que parecem violão, e assim por diante, construindo um clima quase folk em alguns momentos.

Como em todos os discos do Radiohead, parece que você está ouvindo a trilha sonora dos seus mais intensos sonhos ou mais aterrorizantes pesadelos. Mas onde antigamente o imaginário conseguia ser palpável (como em "Airbag", por exemplo, que diz “um airbag salvou minha vida” ou em "There There", na qual é dito que “nós somos acidentes esperando para acontecer”), aqui os significados acompanham a música aérea e solta, ganhando mais liberdade também de interpretação. Em "Glass Eyes", era de se esperar que Yorke rechaçasse a sociedade fria ou egoísta dos nossos tempos, mas ele quebra a todos quando revela “hey, it’s me” sendo levado pela avalanche sonora que ouvimos ao fundo.

A calmaria ainda faz um retorno no fim do álbum, mas antes de deixar você “relaxar” com a releitura exuberante da já clássica "True Love Waits", "Tinker Tailor Soldier Sailor Rich Man Poor Man Beggar Man Thief" vem com dois pés no seu peito: é a penúltima música, cheia de reviravoltas e um murmúrio incontrolado de Yorke, transbordando aquela loucura que nos conforta e nos provoca, e faz com que a gente não se sinta tão sozinho na nossa própria.

Mais uma vez, as cordas entram rasgando a melodia e transformam totalmente o clima do que você ouve. De repente, tudo fica sombrio, dissonante, elegante, tenso, profundo, estraçalhando você ao meio com um arranjo que poderia ter sido feito pelo quinto beatle George Martin.

Falando no lendário produtor, eu nunca vou saber como foi a reação das pessoas que, lá em 1967, ouviram "Strawberry Fields Forever" pela primeira vez. Mas deve ter sido algo parecido com o que sinto agora.

A Moon Shaped Pool é triunfante.

Nota do Crítico
Excelente!

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