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Crônicas Omeléticas: O rock e eu

Crônicas Omeléticas: O rock e eu

13.07.2004, às 00H00.
Atualizada em 05.11.2016, ÀS 19H05

Aquele Natal foi o marco zero da minha obsessão pelo rock n´roll. Eu não saberia precisar o ano, mas digamos que tenha sido por volta de 1980. Eu tinha lá meus sete anos, minha irmã, oito anos mais velha, já tinha completado quinze. É, acho que foi por aí... mas não importa. A partir daquele momento, minha vida não seria mais demarcada por anos ou datas especiais, mas por músicas, ídolos e manias.

Eu não faço a menor idéia do que ganhei naquele Natal. Sei exatamente o que minha irmã ganhou. Minha mãe foi ao finado Bazar 13 (rede de supermercados que existia em São Paulo) e mandou embrulhar pra presente tudo o que havia ali relacionado a Rolling Stones e Queen. Naquela época discos não eram caros (ainda não perdi a mania de chamá-los de discos) e dar presentes de Natal não era luxo. Quando minha irmã abriu seu presente, algo como 15 vinis de suas duas bandas preferidas, eu sabia que iria tentar repetir aquele brilho no olhar e o sorriso de orelha a orelha pro resto da vida.

Pequenina, mal escrevendo o português, eu não tinha a menor idéia do que aqueles artistas estavam dizendo, mas conhecia a melodia de "Mustapha" e "Emotional Rescue" melhor do que "Atirei o Pau no Gato". E sabia que minha irmã não assinava o nome seguido de Jagger e Mercury à toa. Tinha alguma coisa de muito irresistível ali.

Lembro de perder horas tentando encontrar todos os Beatles na capa de Their Satanic Majesties Request, obra-prima dos Stones, que tem a obra-prima "She´s a rainbow". Nunca consegui. Lembro de ficar de queixo caído e lançar olhares suspeitos à minha irmã, quando vi pela primeira vez o encarte de Jazz, do Queen, que trazia dezenas de peladonas andando de bicicleta.

Acompanhada das minhas amiguinhas, eu costumava fazer o moonwalk do Michael Jackson. Sim, eu fui uma das 50 milhões de pessoas que compraram Thriller e assistiram à dança de zumbis com a cara colada na tela da televisão. Também gostava de copiar as coreografias da Blitz. Aliás, ainda tenho o primeiro álbum da Blitz, que foi um verdadeiro estouro de vendas na época. Puxado pelo "Você não soube me amar", que fazia todos os adultos corarem quando Evandro Mesquita dizia que preferia que sua namorada estivesse nuuaaaaaa, o álbum cheio trazia as duas últimas faixas riscadas. Quando eu falo riscada, eu não quero dizer que meu aparelho de som não era bom, eu quero dizer exatamente isso. A censura se deu ao trabalho de riscar, com sabe-se lá qual instrumento cortante, duas faixas do álbum porque traziam obscenidades. Até hoje não sei quais eram tais obscenidades, mas certamente perto do que se transformou a música nacional com seus tapinhas não doem e segurem os tchans, devia ser brincadeira de criança.

E aí veio o Sex Pistols. Não, eu não era politizada e nem era rebelde. Certo dia no colégio vi o garoto que eu paquerava levando o Nevermind the Bollocks debaixo do braço. Eu tinha que saber o que era aquilo, objeto de admiração do meu admirado... quando escutei pela primeira vez pensei "uau, e não é que esse barulho me agrada?" e virei punk à minha maneira. Vieram Ramones, The Clash, Exploited, todos eles. Eu tinha que ter mais atitude do que meu objeto de desejo, certo? Se ele viesse falar comigo, eu tinha que impressioná-lo mostrando que sabia tudo sobre o Sex Pistols. Assisti Sid & Nancy, Rock and Roll Swindle, fui ao show do PIL e do Sex Pistols, quando eles voltaram em sua turnê caça-níqueis. Ainda recentemente chorei vendo O Lixo e a Fúria. Porque tudo isso virou a verdadeira paixão da minha vida, sabe?

O punk me ensinou que eu não precisava mais de um garoto pra despertar o meu interesse pela música e que eu não tinha que gostar de tudo o que minha irmã gostava.

A partir daí, é história. Fui para o Rio com dezessete anos para ver o Rock in Rio II, em pleno primeiro surto da dengue. Eu amava o Axl Rose, assisti ao show esmagada no cordão de segurança, lá na frente do Maracanã.

Ia ao Dama Xoc quase todo fim de semana para ver as bandas de metal se apresentarem. Korzus, Exodus, Nuclear Assault, Kreator, Slayer, Anthrax, Destruction e Overdose fizeram parte do meu vocabulário em uma dada época. Estive também no show emblemático que o Sepultura fez na Charles Miller, que ajudou a piorar a imagem dos "metaleiros", por causa de uma briga que aconteceu na platéia.

Ramones? One, two, three, four, vi umas 5 vezes, inclusive quando um cara foi esfaqueado. Desse mesmo show trouxe uma recordação que perdurou por alguns dias: um zumbido incessante por ter teimado em ficar bem na frente pra caixa de som.

Os festivais eram o ápice do ano. Eu chegava com minhas amigas na hora em que abria o portão, sentava na pista e esperava horas até que os shows começassem. Valeu a pena. Foi por causa do Hollywood Rock que eu vi Living Colour, Seal, Alice in Chains, Nirvana, Red Hot Chili Peppers, Jesus Jones e uma penca de nomes que vinham ao Brasil no auge de suas carreiras.

Conheci o Projeto SP da Consolação e da Barra Funda. Show do Toy Dolls em que o Olga, vocalista, levou um soco de um skinhead? Eu estava lá!

Em 1997, fui ao G3 no Empire, em Londres. Antes que três dos maiores guitarristas de todos os tempos começassem suas apresentações, olhei para baixo e achei uma palheta do Steve Vai bem aos meus pés, resquício do show do dia anterior. A coisa toda só ficou mais mágica quando descobrimos, eu e meu namorado, que o mesmo Steve Vai fazia aniversário naquela noite, uma segunda, cantamos parabéns e tudo. Ou seja, eu estive no lugar e na hora certa duas vezes.

Sinto-me como o Wally da música. Sabe aquele carinha dos livros Onde está o Wally?, então, ele mesmo. Eu estive presente na história da música. De certa maneira, fiz parte dela. Lembro de fatos da minha vida pelo movimento musical que acontecia no momento. Lembro de pessoas que amei e com quais músicas afogava minhas mágoas. Lembro de alguns anos em especial, os que foram marcados por festivais.

O garoto nunca veio falar comigo, minha irmã morreu e os discos ficaram caros. Não posso ouvir Bowie, The Wall e "Bittersweet Symphony" em público, porque algumas músicas se tornaram proibitivas, elas me fazem chorar.

Hoje, eu já não lembro mais, eu vivo essa história, as recordações se confundem com a minha própria vida. Estou mergulhada de um tanto na música que não sei mais o que é ela e o que sou eu. Se valeu a pena? Como diria Morrissey, "There is a light that never goes out". É o brilho dos meus olhos.

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