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Artigo

Nação Zumbi | 20 anos de Da Lama ao Caos

História e legado do disco ícone do movimento Manguebeat

16.04.2014, às 12H19.
Atualizada em 05.11.2016, ÀS 20H01

Há 20 anos, Chico Science & Nação Zumbi protagonizavam uma revolução cultural que não se via no país desde os tempos da Tropicália de Gil & Caetano, no final dos anos 60. Em abril de 1994, chegava às lojas Da Lama ao Caos, disco de estreia do grupo pernambucano que se tornou ícone do movimento Manguebeat. Dois anos antes, Chico Science e Fred Zero Quatro, integrante da banda Mundo Livre S/A, haviam divulgado o manifesto "Caranguejos com Cérebro", que apresentava os conceitos de "mangue" (ecossistema mais produtivo do mundo), "Manguetown" (a cidade do Recife, cortada por seis rios) e "Mangue, a cena" (a necessidade de uma ação rápida vinda da lama dos mangues para evitar a morte do Recife).

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Foi nesse contexto que Chico Science & Nação Zumbi produziram Da Lama ao Caos. Seguindo as premissas do movimento manguebeat, a proposta era desorganizar a música brasileira e misturar tendências para então reorganizá-la, permitindo o surgimento de novas sonoridades. Os recifenses resgataram elementos folclóricos da cultural nacional, soterrados mangue adentro, e os misturaram a batidas eletrônicas, batuques africanos, tecnologia, hip hop, distorções de guitarras e poesia que cutucava a ferida da desigualdade social no país. A música que dá nome ao disco descreve o imaginário do Recife como um todo, desde o mangue do Capiberibe até o caos do centro urbano. "Da Lama ao Caos" virou hino do movimento.

Hoje sucesso de crítica, o primeiro disco de Chico Science & Nação Zumbi não impressionou em vendas. Em dois meses, os recifenses só conseguiram tirar das prateleiras 30 mil cópias. As grandes rádios de São Paulo e do Rio de Janeiro não compraram a novidade. Treinadas a montar sua programação com uma base rock, classificaram como música regional a poesia com sotaque da Nação Zumbi. Ironicamente, as emissoras mais populares achavam o som dos recifenses muito rock n' roll. Nas lojas, o disco ficou ofuscado pelos lançamentos de artistas como Skank e Gabriel, o Pensador, que estavam no auge de suas carreiras.

Decepcionados com a recepção brasileira de seu revolucionário projeto, Chico Science & Nação Zumbi se mandaram para os Estados Unidos e a Europa, em uma turnê internacional que durou quase dois meses. Ao todo, foram 34 shows. Os brasileiros marcaram presença nos festivais Montreux Jazz (Suíça) e Sphinx (Bélgica), e se apresentaram no Central Park, em Nova York, o que lhes rendeu – além do cachê de 1.500 dólares – uma repercussão bastante positiva no jornal The New York Times.

De volta ao Brasil, o grupo finalmente sentiu o merecido reconhecimento. "A Praieira" e "A Cidade" estouraram nas rádios depois de serem selecionadas para integrar a trilha sonora das novelas Tropicaliente (1994) e Irmãos Coragem (1995), da Rede Globo. A cultura do Recife finalmente chegava ao eixo Rio – São Paulo, que ainda hoje é responsável pela projeção artística nacional. Em 1996, a banda emendou no mercado seu segundo álbum, Afrociberdelia, prontamente acolhido pela crítica. A MTV exibiu incessantemente o videoclipe de "Maracatu Atômico", em que os músicos-caranguejos enlameados saem do mangue para levar sua desordem colorida em direção ao caos urbano. Bastou para que os jovens desviassem seus ouvidos para aquelas mensagens políticas e sociais que havia décadas jaziam adormecidas na cultura pop nacional.

Tudo isso teria sido apenas o começo se não fosse a tragédia que nocauteou o movimento Manguebeat. No dia 2 de fevereiro de 1997, Chico Science sofreu um acidente de carro fatal, aos 30 anos de idade. A fivela do cinto de segurança do Fiat Uno Mille do músico se rompeu com o impacto da batida do carro contra um poste. Em nome da continuidade do movimento, a Nação Zumbi continuou o trabalho musical, com Jorge Du Peixe nos vocais, mas Chico Science até hoje mostra-se insubstituível. À frente da Nação Zumbi, liderou um movimento que permitiu o desenvolvimento de uma nova cena musical no Recife, que tem hoje representantes como Mombojó, Orquestra Contemporânea de Olinda e Siba. Uma antena parabólica enfiada na lama propaga para além das fronteiras do Recife a cultura de seu mangue. Do baiano Lucas Santtana aos cariocas Pedro Luís e a Parede, não é difícil perceber a presença de pulsantes caranguejos com cérebro.

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