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Crítica

Nheengatu - Titãs | Crítica

Cinco anos depois, a banda volta com um disco de inéditas

24.05.2014, às 15H13.
Atualizada em 08.11.2016, ÀS 02H04

Falta comunicação. Assim como faltou na Torre de Babel – quando, segundo a Bíblia, vários povos tentaram construir uma torre para chegar aos céus, mas não conseguiram graças a uma intervenção maior que fez com que cada um falasse um idioma. Algumas vezes a comunicação é imposta, como foi com o Nheengatu, uma língua artificial criada pelos jesuítas no período do Brasil Colonial que simulava uma mistura de todos os idiomas indígenas com o português.

Ambas as ideias estão estampadas no novo disco dos Titãs, Nheengatu, que estampa na capa a pintura da Torre de Babel do artista plástico Pieter Bruegel. Essa ideia de reunir as diferenças de comunicação entre povos resume a existência da banda: eles fazem música para cuspir os gritos que estão entalados em suas gargantas. É isso o que acontece desde 1984, quando os Titãs do Iê-Iê eram nove rapazes vivendo o fim da ditadura, querendo reunir seus vários idiomas, aspirações, anseios e ideais em uma música.

Em 1986, nos primeiros anos do governo Sarney, a banda surpreendeu com Cabeça Dinossauro, uma das maiores porradas sonoras registradas na história da música brasileira, criticando sem dó nem piedade qualquer instituição. De lá para cá muita coisa aconteceu, a banda conheceu novas linguagens, viveu sua própria Torre de Babel, perdeu integrantes, mudou a formação e envelheceu como uma das principais bandas brasileiras, mas nunca se aposentou.

De tempos em tempos, apesar de qualquer coisa que acontecesse, os Titãs apareciam com gritos violentos de desespero, continuando a escancarar tudo o que incomodava. É claro que nesse meio período houveram alguns discos que não tinham tanto a dizer, como o último e sofrível Sacos Plásticos.

Agora, a banda tem muito a dizer. O mesmo grupo, autor de músicas atemporais, como "Polícia", muito lembrada durante os protestos de junho de 2013, também viveu e observou os movimentos sociais e se cansou do momento que o país vive. Por isso o disco abre com uma de suas faixas mais agressivas, com uma sonoridade que fica entre "Polícia" e "Vossa Excelência", questionando aos "fardados" sobre sua situação e seus deveres. Versos como "Você também é explorado/ Fardado!" e "Por que você não abaixa essa arma/ O meu direito é seu dever" dão o tom aqui.

Se em outros discos, apesar das várias duras críticas, os Titãs sempre tinham espaço para músicas mais tranquilas e sentimentais, isso não existe nesse novo trabalho. Os vogais rasgados e berrados em "Pedofilia" mostram que realmente não tem tabus ou medo de falar sobre um assunto tão pesado em delicado, com um riff pesado, contratempos constantes e descrevendo o monstro que existe dentro desses criminosos.

Em uma das poucas vezes que os Titãs recorrem ao humor, também resgatam o ska do início de sua carreira, para ironizar a hipocrisia dos reacionários. "República dos Bananas", a música que leva a expressão favorita dos comentaristas de portais, se apresenta no melhor estilo "classe média sofre" e mostra a futilidade dessas pessoas. Outro momento em que se escancara a hipocrisia é em "Flores para ela", onde é descrito um machista que "faz tudo por sua amada", mas que controla-la o tempo todo.

É claro que, liricamente, o disco tem seus pontos fracos. "Renata", que apesar de ser musicalmente divertida, serve principalmente para atestar a competência do novo baterista, Mario Fabre. De qualquer forma a faixa não é nada que ofusque a qualidade do disco, principalmente porque na sequência vem a excelente "Cadáver sobre cadáver", que atesta como, em um país com taxa de 20,4 homicídios para cada 100 mil habitantes, "Quem vive, sobrevive". Somos todos sobreviventes desde que aqui chegaram os portugueses, também criticados no razoável "Chegada ao Brasil (Terra à Vista").

Sobreviventes também são os Titãs, que mesmo tendo perdido metade da sua formação, terem sido negligenciados por um bom tempo depois de Sacos Plásticos, enfrentando problemas pessoais (como Miklos, que perdeu sua esposa), ainda conseguiram se reunir mais uma vez e entregar esse disco bom, sincero e urgente, como o momento em que o Brasil vive.

Nota do Crítico
Bom

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