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O show do Deep Purple em Porto Alegre

O show do Deep Purple em Porto Alegre

22.09.2003, às 00H00.
Atualizada em 26.12.2016, ÀS 04H04

OS MESTRES NO CELEIRO DE ASES

Porto Alegre, 18 de setembro de 2003

Um concerto em três movimentos.

Bananas - Deep Purple
5 ovos!

Primeiro movimento: andante ou Razzle Dazzle, call it what you want

We all came out to Porto, on the lake Guaíba shore line.

O Gigantinho é o ginásio ao lado do estádio Gigante do Beira-Rio, que fica à beira do Rio Guaíba. Mas o rio não é exatamente um rio. É um lago, segundo alguns geógrafos, e um estuário, segundo outros. Mantenho lago pra fechar a paráfrase.

Quando reunimos nosso grupo, já lá estava aquela multidão de gente de camiseta preta. Muitos com camiseta do Sepultura. Cabeças raspadas. Punks. Cabelos coloridos. Piercings heterodoxos. Tudo indicava que o bicho ia pegar lá dentro. Resolvemos deixar a fila passar e observar a fauna por uns instantes: tinha muito moleque barrado pela segurança por estar fazendo arruaça. Fomos tomar umas cervejas.

Só resolvemos entrar depois que já havia começado o show dos Hellacopters. Não nos interessava muito ver esses caras e o Sepultura, o que interessava era o prato principal. Então, deixamos passar a fila e depois tentamos entrar. Primeira barreira: não se podia levar máquina fotográfica, por exigência do patrocinador. Até as TVs só vão poder filmar alguns segundos de cada show, disse alguém do marketing. Tivemos que deixar nossas câmeras num guarda-volumes da segurança. Sem problemas. Tudo pra ver o Deep Purple em paz.

Chegamos e já havia passado mais da metade dos Hellacopters. Do pouco que vimos, pareceu bem legalzinho. Mas não era o file mignon. Resolvemos aproveitar a pouca empolgação da massa com eles pra abrir caminho e tentar chegar mais perto do palco. E fomos chegando. E chegando. E chegando. E chegamos.

Segundo movimento: vivace ou Fools die laughing still

O bicho realmente pegou quando o Sepultura estava se preparando a tocar. A essa altura, já estávamos mais perto do palco, a uns cinco metros de distância. Descobrimos, nos músculos, o efeito de misturar os públicos de Sepultura e Deep Purple assim que alguns caras inventaram de brincar de fazer ola involuntária com a turma. Algum babaca empurrava de um lado e a platéia toda se desequilibrava. Até que alguém do outro lado se invocava e empurrava de volta. E nós no meio. Durante o show do Sepultura, surgiram vários focos de rebeldia no meio da platéia, em que grupos de pós-adolescentes descerebrados (menor de 18 não entra) faziam o que se chama de roda punk: basicamente, praticavam o edificante esporte de dar e receber sopapos cordiais pelo amor ao barulho. Alguns homens fãs do Purple fizemos uma barreira humana para evitar que as meninas - a Mila e uma outra, que conseguiu levar máquina fotográfica - sofressem algum golpe. Chegamos a desenvolver um sismógrafo auditivo. Sabíamos que, nas músicas Territory, Roots e Sepulnation, seria prudente reforçar a barreira. Então, ficamos atentos a alguns sinais. Fica fácil depois dos primeiros quinze minutos.

Ao final do show do Sepultura, a coisa acalmou, apesar de alguns empurrões em massa. O importante era que sobrevivemos. O Deep Purple vale o sacrifício.

Terceiro movimento: presto ou no matter what we get outta this...

Finalmente, começou a preparação para o show do Purple. Enquanto os roadies ajustavam os instrumentos da banda e serventes desinfetavam o palco, alguns descerebrados remanescentes do show do Sepultura resolveram disparar insultos contra o que estava ajustando a bateria, porque estava demorando demais. Sorte que o Sean não entende português e pena que os bobos não entendem que bom som precisa de regulagem, é diferente de sair destroçando de qualquer jeito (até o Sepultura sabe disso). Nós já estávamos descobrindo toda a emoção das sardinhas em lata. Havia apenas cinco filas de gente entre nós e o palco, e no final do show descobrimos que as cinco filas se apertavam em menos de 1,5 m². O setlist seria semelhante ao do Rio. Não tenho informações sobre como foi lá, mas, em Porto Alegre, tivemos DOIS solos de bateria. Numa entrevista antes da turnê brasileira começar, o Paice havia dito que não faria solos de bateria.

As luzes se apagaram lá pelas 0:10 - impossível olhar o relógio para saber ao certo. Os holofotes roxos iluminaram a cortina onde se lia o nome da banda. Paice subiu ao palco, sentou-se em seu banquinho e começou a fazer o que sabe melhor. Roger Glover veio logo em seguida e deu o ritmo. Highway star, claro. Inicialmente, o baixo estava mixado muito alto, e, pelo menos em Highway star, a gente quase só ouvia o baixo e as vozes da galera. Mais de 20 mil pessoas cantando a plenos pulmões cada verso da música. Os olhos do Gillan brilhavam ao ver a emoção toda. (Sim, as sardinhas privilegiadas podiam ver até o brilho dos olhos dele.) O mestre repetia toda hora o quanto éramos fantastic e amazing. Modéstia: fantástico e formidável é ele.

A Highway star, seguiram-se Woman from Tokyo, que levantou a galera; Silver tongue, que deixou muitos curiosos e poucos cantando; Lazy, que levantou de novo o povo. Então, Gillan pediu silêncio por um minuto, para que ele contasse brevemente a história do vôo STS-107, de Kalpana Chawla e de como a explosão da Columbia afetou o Deep Purple. Seguiu-se uma muitíssimo bem-sacada seqüência. Em Contact lost, todos viram que Steve Morse não tem mãos, e sim uma enorme aranha que escala o braço da guitarra e faz o som da danada sorrir. Haunted, estou convencido, é uma espécie de homenagem a Kalpana. All thats left is the ghost of your smile lembra muito o que Ian escreveu em fevereiro ao homenagear os astronautas mortos - que só lembrava do sorriso de Kalpana. E Space truckin era a música que os heróis do espaço usavam como despertador. E lá se foram os 20 mil espectadores gritar o refrão: COME ON! COME ON! LETS GO SPACE TRUCKIN! E foi aí que tivemos o primeiro solo de bateria da noite, para o deleite de milhares de pares de olhos arregalados.

I got your number também não era muito conhecida do pessoal de lá, até por ser recente. Destaque, aqui, para o Gillan novamente. Com todo o respeito devido ao mestre, é a primeira vez em que eu o ouço acertar palavra por palavra de todas as músicas novas (em Lazy e Highway star, por exemplo, ele vira versos de cabeça pra baixo há 31 anos).

O pessoal tinha corrigido um pouco o volume do baixo na mixagem, mas nós ainda estávamos na frente do amplificador do Roger Glover. Isso só enfatizou como as músicas novas, especialmente, têm toda a malandragem nos hábeis dedos do senhor de bandana. Todas não: Well dressed guitar depende quase só dos dedos do Steve Morse, e in Morse we trust. Pena que quase não dava pra ouvir. Já falei que o baixo estava muito alto?

Acho que foi mais ou menos nessa fase do show que eu ouvi uma discussão feia à minha esquerda. Um troll exaltado queria ir mais pra perto da grade e gritava com uma moça: Tu não entende nada de Deep Purple, eu sim; deixa eu passar! E a moça era apenas a Mila, que traduz o site The Highway Star para o português e ouve o Purple desde o berço - inclusive cantava de cor todas as músicas novas, nas quais o mané boiava. Se o simpático rapaz entende mesmo de Deep Purple, vai acessar o THS. Se estiver lendo esta resenha, fica o recado: cavalheirismo é sempre bom, mesmo num estádio superlotado e num canto onde todos são sardinhas.

House of pain também agradou bastante a galera que ainda não conhecia. Muito mesmo. Também, com uma levada daquelas não tem como ficar indiferente.

Foi aí que as luzes se concentraram sobre Don Airey. O novo homem dos teclados do Purple não fez nada feio. Não diria que Jon Lord não faz falta, porque eu gosto muito dele. Mas o Don Airey traz um elemento novo muito sutil. Alguma energia extra, talvez. Citações diferentes. Começou com Beethoven. Alguns remanescentes da sepulnation vaiaram, e foi a primeira vez em que vi vaiarem isso - e olha que eu já ouvi uma penca de piratas. Coisas de show com Sepultura no meio. Entrou Aquarela do Brasil e o povo foi pro espaço durante o tema de Star wars. Um pulinho pro lado e Airey estava no comando do Hammond, afundando os dedos na introdução de Perfect strangers. E as vinte mil sardinhas que cantavam junto podiam lembrar, lembrar o nome deles, enquanto eles fluíam por nossas vidas, singravam mil oceanos e os frios, frios espíritos de gelo. A vida inteira, sombras de outros dias.

No riff-raff que precede Smoke on the water desde pelo menos 1997, teve muito cara que se iludiu e achou que o Deep Purple ia tocar cover de GunsnRoses (que tem má fama entre os metaleiros mais tradicionais, pelo menos por aqui), que ia sair cover de Led Zeppelin e de Jimi Hendrix. Vi algumas decepções, logo dissipadas com os quatro acordes mágicos que se tornaram a marca registrada do Purple. Eu já tinha participado uma vez de um coro de Smoke on the water (no show de 97), mas nunca na frente do palco. Já tinha visto em vídeo, mas ver o Ian praticamente na minha frente com as mãos na cintura e reclamando I CANT HEAR YOU, CMON! como um professor cobrando a letra do hino nacional é algo inesquecível.

No bis, tivemos Hush (com um razoável solo de bateria) e Black night, com o Gigantinho tremendo com os ecos de ooô no riff. Mais tarde, comendo alguma coisa, decidimos nos reunir para uma comemoração anual do dia em que o Deep Purple esteve em Porto Alegre.

Então ficou assim o setlist:

Citação:
Highway star
Woman from Tokyo
Silver tongue
Lazy
Contact lost
Haunted
Space truckin’ (com solo de bateria)
I got your number
Knockin at your back door
Well dressed guitar
House of pain
Solo do Don Airey, incluindo Aquarela do Brasil e o tema de Star wars.
Perfect strangers
Riff-raff do Morse: Sweet child o’mine, Purple haze, ?, Whole lotta love, ?
Smoke on the water
-----------------------------------
Hush(com solo de bateria)
Black night

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