Música

Artigo

Tim Festival 2007 - O passarinho e a fera

Sobre os concertos de Antony and The Johnsons e Björk

31.10.2007, às 01H15.
Atualizada em 16.01.2017, ÀS 02H04

Os trabalhos no primeiro dia do festival começaram com o inglês Antony Hegarty assumindo seu piano para a cover de "Mysteries of love", composição de Angelo Badalamenti com o cineasta David Lynch.

Gordinho, todo de preto e sentado às teclas de lado para o público, com pinta de introspectivo, Antony tinha tudo para ser o anti-showman. Mas no Rio de Janeiro, surpreendeu. Não chegou a elogiar os rapazes brasileiros como no seu show paulistano, mas deu um espetáculo de bom humor. Não se incomodou nem mesmo com a parte da platéia que esperava o show de Björk e não parou de conversar um segundo sequer. "Estou achando o máximo, é como tocar contra o oceano", disse.

Antony and the Johnsons

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Antony and the Johnsons

bjork

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Björk

E foi assim, enfrentando o vai e vem do público mal educado, que o cantor arrebentou as caixas de som com sua voz profunda. Antony e seu piano, no palco, são um só, rolando sobre a cama de cordas da sua banda The Johnsons - violinos, cellos e uma ou outra guitarra eventual - e comendo fonemas, no seu jeito próprio de cantar.

Foi um show belo, mesmo sendo Antony a atração errada no ambiente errado - músicas assim precisam de um canto mais intimista e uma platéia mais querida, além do grupo do gargarejo. A afobação do cantor também atrapalhava o clima do lugar. Invariavelmente, mesmo antes do último acorde desaparecer no ar, Antony soltava um "ok, that's it", como se quisesse dizer "tá bom, chega disso tudo, a fila anda".

No repertório, mais de metade das canções de I am a bird now, seu último álbum, lançado em 2005. "Man is the baby" e "For today I'm a boy" foram os destaques na apresentação, que trouxe também uma bela cover de "Candy says" (cover do padrinho Lou Reed) e "The lake", adaptação musicada de um poema de Edgar Alan Poe, gravada em um EP. Ao final, uma das cenas mais arrepiantes do festival inteiro, com o inglês gastando toda sua garganta no minuto derradeiro de "Hope there's someone", enquanto espancava as teclas do piano. Nada a ver com o gordinho de cara frágil que sorriu tímido e inseguro ao sair do palco logo depois.

Na seqüência, depois de um interminável intervalo para montagem do seu cenário (agravado pelo ar-condicionado, que não deu conta da multidão que se acotovelava na tenda lotada), era a vez de Björk. E foi a islandesa pisar no palco para perceber seu poder. Há muito muito tempo o Tim não via uma de suas atrações ser tão aclamada. Os gritos da platéia eram ensurdecedores.

O teatro da cantora vem seguindo um roteiro fixo nos seus últimos shows. As primeiras a entrar no palco são as Wonderbrass, as dez garotas da fanfarra de metais e backing vocals da banda, tocando "Brennið Þið vitar", música tradicional da Islândia. No cenário, bandeirinhas e bandeirolas, além de telas de plasma para acompanhar os instrumentos touchscreen.

Logo depois vem Björk, correndo feito um roedor acuado, atacando o microfone para "Earth intruders", single máximo do seu último álbum, Volta, durante uma explosão de papéis picados.

No palco, a mulher é tudo aquilo que se espera, conduzindo sua procissão com fervor, em meio a danças exóticas, exorcismos no canto do palco e um bocado de exibicionismo de sua voz poderosa. Uma gigante em seu mundo particular - cabe à platéia entrar na viagem musical ou pedir arrego.

Volta apareceu tímido no repertório. Além da faixa de abertura, só mais "Wanderlust" e "Innocence" deram as caras antes do bis. No resto, hits antigos para ganhar a platéia e mostrar que sua obra, apesar de parecer díspar, tem uma coerência. Músicas como "Pagan poetry", "Jóga", "Army of me", relidas nos arranjos da nova turnê, fazem todo o sentido.

Apesar de brilhar à frente do palco, Björk se usa como apenas mais um instrumento da banda, em corpo e garganta (a piração que levou ao extremo em Medúlla, aqui mais palatável). No acompanhamento, além do naipe de metais, bateria, piano e um conjunto de sintetizadores. Incluindo aí a ReacTable, co-estrela do show, que entrou em cena em "Desired constellation", com a islandesa a capella sobre as distorções eletrônicas.

Experiente, ela constrói o show em altos e baixos. Começa pop (com "Hunter", momento em que dispara teias das mãos na platéia, e "Unravel"), passa por um meio reflexivo e desemboca em praticamente uma rave exótica, encerrando com "Hyperballad" e "Plúto". Repertório irretocável para os fãs. Pena que não aconteceu o esperado dueto com Antony - nem o não tão esperado assim com o amigo brasileiro Milton Nascimento, que estava na platéia.

No intervalo, o momento irônico, depois de a platéia gritar "volta, volta" em coro, usando o nome do disco para pedir bis. Então Björk, que passou o show inteiro agradecendo em português, pede desculpas por não conhecer muito a língua e lasca um "viva la revolución" antes da forte "Declare independence" - que diz, na letra, "proteja sua língua".

Soaria como um engano tosco, se não fosse já um clichê do roteiro bjorkiano. E ali, com aquela maluca vestida de dourado, arrancando o coro com o refrão poderoso de todo o lugar, essa era a última coisa com o que se importar.

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