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Deve existir um Super-Homem? A questão fundamental de Elliot S! Maggin

Deve existir um Super-Homem? A questão fundamental de Elliot S! Maggin

23.06.2006, às 00H00.
Atualizada em 13.11.2016, ÀS 01H04

Action Comics 1

Deve existir um Super-Homem?

Last son of Krypton

Miracle Monday

O filme de 1978

Reino do Amanhã

Desde que foi concebido pelos jovens Jerry Siegel e Joe Shuster, e teve sua primeira história publicada em Action Comics 1, passando por encarnações diversas dentro e fora dos quadrinhos, o Super-Homem sempre teve seu propósito bem definido. Enviado por seu pai nos últimos instantes de vida do planeta Krypton, Kal-El adotaria a posição de protetor da Terra, o verdadeiro salvador da humanidade contra todas as ameaças enfrentadas por seus habitantes. Com o tempo, sua ação se estendeu aos mais longínquos pontos do tempo e do espaço. Sempre que houvesse necessidade, o Super-Homem estaria presente para ajudar. Isso mudou numa história publicada em 1972. O roteirista Elliot S! Maggin e os ilustradores Curt Swan e Murphy Anderson questionaram se o herói não estaria interferindo no desenvolvimento social da humanidade, perguntaram se "Deve Existir um Super-Homem?", e a situação foi alterada de forma considerável.

A história teve sua gênese na amizade de Maggin com o atual fenômeno dos quadrinhos Jeph Loeb, um adolescente cheio de idéias, numa época em que o Super-Homem era considerado um personagem difícil. Basicamente, a equipe editorial da DC Comics considerava-o poderoso demais, talvez um pouco ultrapassado frente ao advento da Marvel. A saga do Homem de Areia, escrita por Dennis ONeil, consistiu na redução dos poderes do Último Filho de Krypton e em mudanças na sua mitologia. Ainda assim, mesmo sendo bem acolhida pelo público, ONeil não se sentia à vontade trabalhando na série. O pequeno Loeb apresentou a Magin sua idéia sobre os Guardiões do Universo - mentores da Tropa dos Lanternas Verdes - e o Homem de Aço, e a escreveu sob o título "Por que deve existir um Super-Homem?". Após ter estreado numa história curta do Arqueiro Verde, Elliot S! Maggin propunha uma nova direção para o maior de todos os super-heróis ao editor Julius Schwarchz, já tendo esquecido a idéia de seu jovem amigo. Entre várias propostas, contudo, sobressaiu a questão da interferência do Super-Homem no desenvolvimento humano, e os editores deram sinal verde. A edição Superman 247, de janeiro de 1972, publicou então a história "Must there be a Superman?".

No início do conto revolucionário, o Super-Homem encontra-se no espaço sideral, enfrentando a ameaça de uma gigantesca esfera, cheia de germes que atacariam a Terra e outros planetas. O problema é resolvido, mas o herói acaba inconsciente, vítima de um sol vermelho, e é levado ao planeta Oa, sede dos Guardiões do Universo. Os anões azuis, criadores da força policial interplanetária do Universo DC, a Tropa dos Lanternas Verdes, eram responsáveis pela harmonia cósmica e visavam a incutir no Super-Homem a idéia de que suas ações seriam nocivas à evolução social do próprio planeta que ele se dedicava a proteger. De volta à Terra, o Homem do Amanhã intervêm num conflito numa comunidade rural na Califórnia, ciente de que, efetivamente, poderia estar bancando o papel de Grande Irmão da humanidade, da figura paterna superprotetora. O Super-Homem sabe, então, que deve deixar o povo superar suas próprias dificuldades. Identifica-se, contudo, com a história de um garoto mexicano, enviado aos Estados Unidos pela chance de uma vida melhor, e têm-se vislumbres de seu ideal como Messias. Quando o local é atingido por um terremoto, o herói entra em ação e reconstrói as casas afetadas, mas não pode deixar que dependam dele para tarefas que são capazes de resolver. Seu desejo básico sempre foi ajudar pessoas e melhorar o mundo; e a partir daquele momento, o dilema estava traçado.

A repercussão da história de Maggin é incontestável, e ele se tornou, ao lado de Cary Bates, com o qual colaborou em momentos memoráveis, o principal roteirista do Super-Homem, até a reformulação sofrida pelo personagem em decorrência de Crise nas Infinitas Terras. Maggin entendia o Super-Homem como uma força universal divina, voltada sempre para o bem. Seu maior oponente não seria Lex Luthor, mas a própria maldade, encarnada numa forma demoníaca. Produziu histórias imaginárias, voltou a explorar a ligação com a Tropa dos Lanternas Verdes, reintroduziu Krypto, o Supercão, trabalhou a personalidade de Luthor e avançou o relacionamento de Clark Kent e Lois Lane. Foram de sua autoria dois romances de enorme sucesso, Superman - Last Son of Krypton, e Superman - Miracle Monday, que estão entre as melhores interpretações do herói já apresentadas. Embora não creditado, foi consultor no filme Superman de 1978, dirigido por Richard Donner e estrelado por Christopher Reeve. Nota-se claramente, no roteiro escrito por Mario Puzo (O Poderoso Chefão), a influência de Maggin e sua história mais celebrada. Com a reformulação escrita por John Byrne após a grande Crise, o legado de Maggin parecia perdido para sempre. Contudo, idéias são imortais, e seriam resgatadas posteriormente, sobretudo nas obras de Mark Waid (Reino do Amanhã) e Grant Morrison (Liga da Justiça).

A história quase esquecida de Elliot S! Maggin antecipou autores que tornaram a questionar o papel dos super-heróis na sociedade, incluindo aí o niilismo de Alan Moore em Miracleman, e na maxissérie que é considerada obra-prima dos quadrinhos, Watchmen. Publicada na década de 1980, a obra apresentava a visão de Moore sobre como se comportariam os superseres no mundo real. O personagem Dr. Manhattan, dotado de poderes praticamente ilimitados, perdera sua conexão com a humanidade. Embora esta seja aclamada a obra máxima do gênero, e do fato do autor ter escrito também a história que encerrou a cronologia do Super-Homem pré-Crise, não há dúvidas de foi Maggin - e não Moore - o roteirista definitivo do verdadeiro Filho de Krypton. Mais de uma década depois, foi a vez de Mark Millar apresentar uma abordagem diferenciada sobre o papel dos super-heróis, quando assumiu os roteiros de The Authority. O grupo, uma versão radical, polêmica e sem escrúpulos da Liga da Justiça, propunha-se não mais a enfrentar supervilões, mas a mudar o mundo a qualquer preço. Entre suas ações, estavam o assassinato de ditadores e uma investida contra a desigualdade social. O real herdeiro de Maggin, pode-se atestar, é Mark Waid, que sempre travou uma luta para resgatar os ideais perdidos dos quadrinhos de super-heróis. Sua obra seminal é o Reino do Amanhã, belamente ilustrada por Alex Ross.

Publicada em quatro edições de luxo, Reino do Amanhã pode ser considerada a melhor resposta à questão de Maggin, justamente por mostrar um mundo em que o Super-Homem desistiu de sua missão e se isolou de tudo. Na trama futurista, que pode ser vista como um comentário sobre a própria indústria de quadrinhos, surge uma nova geração de heróis, jovens que, sem a devida orientação, acabam gerando o caos e a desconfiança da sociedade. Sem a liderança do Super-Homem, afastado por perder a crença em si mesmo, quando a população passou a aceitar um herói assassino, os membros da Liga da Justiça também se afastaram, e a desolação passa a imperar. Quando uma catástrofe resultante da ação dos novos super-heróis resulta em milhões de mortes, Clark Kent é forçado a sair do auto-imposto exílio, e temos a Segunda Vinda do Super-Homem. Todavia, a solução dos conflitos não viria de forma tão simples, já que as lideranças da humanidade haviam perdido a crença, e a reformada Liga da Justiça se colocava acima dela. Temos, pois, um desfecho trágico, mas que resgata um ideal verdadeiro. Não por acaso, Waid dedicou Reino do Amanhã a Elliot S! Maggin, e este foi quem escreveu a adaptação literária da graphic novel.

Um olhar atento mostra que tudo que o mundo menos precisa é de um poder imbatível controlando seu destino. Pensando na direção oposta, ter nas mãos o poder de ajudar e não fazer nada caracteriza covardia, ou pura bestialidade. As histórias apresentadas levantam questões filosóficas, políticas, religiosas e sociais. No primeiro arco de histórias da Liga da Justiça escrito por Grant Morrison, é dito que os super-heróis devem estar presentes, para ajudar a humanidade a se levantar, quando ela cair. E este pensamento se aplica sempre. Faz parte da natureza humana o desejo de ajudar aqueles que amamos, e Maggin mostrou que a ajuda deve ter um limite.

A existência de um personagem fictício como o Super-Homem é o exemplo de dedicação total ao que é justo e correto. E não há como negar que ele deve continuar a existir. O Super-Homem nos faz acreditar. E assim, um propósito superior pode ser alcançado.

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