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Do prodígio à rebeldia: Como Robin se tornou um novo símbolo juvenil

Mais do que marcar os 75 anos do personagem, a saga Robin War celebra a desobediência civil

27.01.2016, às 17H27.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H35

Ex-oficial de contraterrorismo da CIA, Tom King não apenas está se reinventando com uma carreira de romancista e roteirista de quadrinhos, como seus trabalhos na DC Comics e na Marvel Comics conseguem conciliar muito bem as preocupações em pauta na sociedade americana com as narrativas esperadas de uma história típica de super-heróis. A recém-encerrada saga Robin War, que celebra os 75 anos do Robin e ao mesmo tempo se situa muito pontualmente no novo século, é um exemplo.

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King assina as duas primeiras e a última parte da história, que se desdobrou pelas HQs Grayson, Detective Comics, Robin: Son of Batman e We Are Robin. Nela, um incidente que termina com a morte de um policial força Gotham a criar uma lei contra a multidão de adolescentes que patrulham ruas sob o emblema dos Robins. Juntos, esses jovens então recebem o apoio de Dick Grayson, Jason Todd, Tim Drake e Damian Wayne (os Robins "oficiais") para desmascarar o complô por trás da nova lei.

A exemplo de Vision, na Marvel (leia nossa crítica), King mostra que entende de virada e de jogar com expectativas do leitor, num suspense de lances aparentemente esperados que se invertem um par de vezes. Ainda assim, Robin War não tem seu forte na trama (que envolve a Corte das Corujas numa intriga de resolução rápida), e sim na composição de tipos, na compreensão muito precisa de quem são esses personagens e o que os torna únicos. Já que, afinal, o intuito é celebrar o aniversário de Robin, por que não fazer uma história para reavaliar seu significado?

E o que temos em Robin War (e que está no centro da série We Are Robin) é o aproveitamento de uma ideia que nos últimos anos ocupa com frequência as histórias de Batman, tanto no cinema quando nas HQs de Scott Snyder: o vigilante como o símbolo de um discurso afirmativo em prol de uma mudança social promovida pelo indivíduo. A frase que mais se repete na saga é "eu sou Robin!", porque ela funciona como um mantra para as pessoas comuns que buscam recuperar sua agência numa sociedade que trocou a voz do indivíduo pela mentalidade de manada e pelo poder da propaganda.

É uma mudança de eixo muito interessante, porque Robin sempre foi o número dois, o ajudante, e por consequência um personagem sem voz própria. Criado nos anos ingênuos da Era de Ouro do quadrinho americano, em que as duplas dinâmicas eram concebidas para aproximar as crianças leitoras do mundo dos adultos sem lhes oferecer perigo, Robin adquire hoje uma personalidade mais próxima da juventude pós-Occupy, em que a desobediência civil é quase um compromisso.

É impossível não perceber essa sintonia ao ler a página bastante forte, na primeira edição, em que King coloca uma política lambendo o molho vermelho do seu jantar ao mesmo tempo em que um policial faz sangrar a cabeça de um Robin no cacetete. Não é exatamente uma sugestão sutil, e de fato o texto de King exagera na literalidade em alguns momentos (ironicamente, Dick Grayson chega à conclusão de que é muito tediosa a forma como as Corujas enxergam analogias e simbolismos em tudo), mas a discussão que está em curso é bastante proveitosa.

Um dos melhores momentos da saga, nesse sentido, é a cena em que Gordon (no seu atual papel de Batman) discute com Dick sobre a Dupla Dinâmica e sobre a irresponsabilidade de Batman de levar um menor de idade para o vigilantismo todas as noites. É especialmente curioso ver como roteiristas se saem, hoje, para discutir os desdobramentos morais dessa decisão comercial e editorial que nos anos 1940 não tinha a menor consequência, porque afinal "quadrinhos eram coisa de criança".

O melhor de Robin War é que é uma HQ que não foge do assunto. Depois de falar de desobediência civil como uma questão de afirmação, depois de discutir a Dupla Dinâmica, ainda parte para problematizar a função parental da polícia, do sistema carcerário correcional e do Estado no trato com esses jovens. Se as séries da DC realmente se levam mais a sério do que as HQs de super-heróis "normais", como costuma repetir o senso comum, então temos uma aqui que realmente sabe lidar com temas sérios de forma engajada.

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