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O formatinho está morto! Longa vida ao formatinho!

O formatinho está morto! Longa vida ao formatinho!

30.06.2000, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H11

A discussão sobre o abandono do tradicional formatinho (13 x 21cm) como método preferencial de publicação de histórias em quadrinhos no Brasil corre o risco de ser feita de forma demasiadamente passional. A razão para tanta comoção deve-se à decisão da principal editora do país em interromper a maior parte das revistas que publica nesse formato. Por um lado, ela esquece as razões que motivaram sua introdução no país e os benefícios que eventualmente trouxe para a disseminação e popularização do gênero. Por outro, endeusa o denominado formato americano ou comic book (17 x 26cm), como se este apresentasse apenas vantagens.

Quem conhece algo sobre o desenvolvimento dos quadrinhos lembra que as primeiras revistas aqui lançadas tinham como modelo as publicações européias como La semaine de Susette, trazendo contos infantis, curiosidades, passatempos, além de histórias em quadrinhos. O exemplo mais conhecido desse tipo de revista é justamente a já antológica O Tico-Tico, publicada durante mais de 50 anos. Depois, com o lançamento do Suplemento Juvenil na década de 30, os quadrinhos norte-americanos passaram a ser publicados no país com maior regularidade, chegando a praticamente dominar uma grande fatia do mercado. Isso se firmou ainda mais com a criação da Editora Brasil América Ltda. (EBAL) e o lançamento de dezenas de títulos, normalmente em preto e branco. Outras editoras seguiram o seu exemplo. Em julho de 1950, a editora Abril entrou no mercado de publicação regular de histórias em quadrinhos, lançando a revista O Pato Donald, também em formato americano; dois anos depois, em abril de 1952, ela modificaria essa política, adotando para a revista o formato menor, nos moldes da italiana Topolino. Nesse momento, talvez de forma não premeditada, ficou estabelecida uma primeira distinção entre as publicações voltadas diretamente para crianças (os quadrinhos Disney) e aquelas direcionadas para leitores adolescentes (os super-heróis e outros gêneros existentes). Esta distinção seria mantida por mais de duas décadas.





Durante a década de 70, a EBAL começou a lançar alguns títulos de super-heróis em formatinho e, aos poucos, foi passando praticamente toda a sua linha de quadrinhos para esse tamanho. Com a sua gradual retirada do mercado, outras editoras foram assumindo seus personagens, primeiro a Bloch, depois a Rio Gráfica e Editora (RGE) e finalmente a Abril. Todas optaram por lançar os personagens em formatinho, principalmente por possibilitar um preço mais acessível para os leitores. O formato americano passou a ser reservado apenas para revistas especiais, graphic novels ou mini-séries. Pouquíssimas revistas de linha foram lançadas nesse formato nos anos 70 e 80.

Essa decisão editorial contribuiu para uma nova percepção dos leitores sobre o mercado de quadrinhos no país, vinculando revistas em menor formato com publicações de qualidade inferior. Isso não era necessariamente verdadeiro, mas foi a idéia que leitores mais exigentes acabaram por disseminar. De fato, a diminuição do tamanho original para o formatinho obrigava os editores à realização de remontagens das figuras e quadrinhos, cortes de balões, diminuição de textos, etc., de forma a fazer com que as histórias pudessem ser acondicionadas no menor espaço disponível. Alguns leitores foram contrários a essas decisões e começaram a buscar outras alternativas, como a importação direta e a leitura das publicações originais. É claro que essa possibilidade só era viável para uma parcela diminuta do mercado, os que tinham poder aquisitivo para pagamentos em dólar e/ou dominavam o idioma inglês. Estes, no entanto, sempre foram os mais influentes no meio e acabaram contribuindo para o descrédito das revistas em formatinho.



É claro que tinham – e têm -, razão em algumas coisas. Muitas vezes, a adaptação para o formato menor pode representar perdas significativas de qualidade para a arte original. Várias histórias foram muito prejudicadas com isso e certamente um leitor sofisticado consegue listar as principais de memória. Autores mais detalhistas com certeza ficam sujeitos a atrocidades nessa mudança, perdendo grande parte daquilo que mais atrai os leitores. Isto, sem dúvida, é verdade. Mas cabe perguntar se esse raciocínio poderia ser generalizado para a maioria das HQs estrangeiras publicadas no Brasil durante as décadas em que o formatinho foi predominante. É de duvidar que alguém, mesmo o leitor mais exigente, responda afirmativamente a essa pergunta. Para a maior parte dos gibis oriundos do mercado norte-americano, tanto faz as dimensões em que são publicadas. Muitos, inclusive, só saem ganhando com a diminuição de tamanho, pois suas imperfeições gráficas passam despercebidas. OU SEJA: as falhas do formatinho foram devidas a equívocos editoriais e não, propriamente, a problemas intrínsecos a ele.

O formatinho, enquanto alternativa editorial, mostrou-se viável em muitos países. Na Itália, por exemplo, sempre foi predominante, o mesmo acontecendo no México. Por seu intermédio, garantiu-se a continuidade do gênero e a ampliação do número de leitores. Isso já poderia ser argumento suficiente para sua manutenção. No caso desses dois países, mais que aceitar o modelo físico norte-americano, foi mais importante adaptar as publicações às peculiaridades de seu mercado, vendo no formato menor características de portabilidade, facilidade de manutenção, armazenamento e economicidade que o outro não oferece. E se alguém quiser fazer uma avaliação política dessa opção, poderia até mesmo afirmar que representou uma forma de luta contra a hegemonia ianque nesse campo, uma espécie de quebra dos grilhões colonialistas que dominam o mercado internacional. Assim, sob certos aspectos, a decisão de abandonar a publicação em formatinho pode representar, por um lado, a opção por uma elitização, esquecendo que as histórias em quadrinhos são, em primeiro lugar, um meio de comunicação de massa; e, por outro, o dobrar-se definitivo à predominância de um modelo alienígena.

É claro que o último parágrafo é propositadamente exagerado e panfletário. Não se trata de buscar teses marxistas para defender propostas editoriais, sejam elas quais forem. Mas, se o exagero da imagem pode evidenciar um tipo de extremismo, também pode salientar a falácia das opções que se dizem salvadoras. A convivência de contrários é uma característica intrínseca da sociedade pluralista e não há razões para acreditar que a realidade tenha que ser diferente na área de quadrinhos. Ainda é cedo para afirmar que se vive algum tipo de encruzilhada da qual nenhum retorno se avista. Assim, é possível acreditar que, talvez daqui a algum tempo, tenhamos que reconhecer, parodiando Mark Twain, que as notícias sobre a morte do formatinho foram um tanto exageradas...





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