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Marvelices

23.02.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H15

Marvelices

Foi um sonho muito breve.

Tudo começou há exatamente um ano quando a Marvel Comics anunciou a volta da linha Epic (leia aqui) . A proposta - pelo menos, aparente - era dar a qualquer fã de quadrinhos a chance de publicar um gibi por intermédio da casa do Homem-Aranha. Bastava uma boa idéia na cabeça e lápis na mão para tornar o sonho realidade.

Sabe aquelas propagandas da Polishop (ou similares) que passam na TV de madrugada, vendendo faca que corta cano de ferro e depois um tomate sem perder o fio e, pra completar, oferece "totalmente grátis e sem nenhum custo adicional" mais um caminhão de tranqueiras? Pois é, o Epic parecia uma distorção benéfica disso. Se aprovada, uma boa idéia renderia até uma graninha. E mais! Se você só tivesse um arremedo de projeto e mais nada, a editora escolheria a equipe de criação pra dar encaminhamento. Mas não era só isso! Além da grana pra escrever o gibi, você ainda teria mais verdinhas caso sua cria superasse a marca de vinte mil exemplares vendidos por mês. E mais! Se o lance fosse bastante original e não envolvesse personagens da Marvel, você até manteria os direitos autorais!

Bom demais para ser verdade, né?

Imagine quantos Groos, Marshal Laws e Elektras assassinas, títulos lançados durante a primeira geração do selo Epic, estão por aí, aguardando a chance de aparecer? Chega de editora s pequenas! Chega de trabalhar o dia todo e só desenhar de madrugada! Chega de pagar do próprio bolso pra imprimir seus gibis e tentar vender em convenções! A porta da frente da Indústria está aberta e é por ela que você vai entrar!

No começo, a coisa andou bem. Dois meses depois do anúncio, a Marvel divulgou os novos títulos. O carro-chefe seria Trouble, uma série sobre uma certa May que conhece um tal Ben, e uma Mary que conhece um certo Richard, respectivamente os tios e pais daquele que se tornaria o aracnídeo mais famoso dos quadrinhos. Trouble teria textos de Mark Millar e ilustração de Terry e Rachel Dodson. Na época do lançamento, Bill Jemas - arquiteto da volta do Epic - jurava de pé junto que os fãs implorariam para que o gibi virasse uma espécie de Origem de Peter Parker. Não foi o caso...

Nesse momento, fiquei com a pulga atrás da orelha.

Afinal, se a idéia do Epic era revelar novos talentos, como é que o primeiro título seria escrito por Mark Millar, um cara pra lá de consagrado?

Vai saber. Talvez um gibi de um roteirista de renome fosse estratégia de marketing para atrair o público. Pensa bem, ô descrente. É uma jogada de mestre.

Os meses foram se passando, e a Marvel anunciava mais e mais revistas e minisséries. Aí, de uma hora para outra, as coisas começaram a desandar.

Em outubro do ano passado, a editora avisou que não receberia mais nenhum projeto destinado ao Epic (leia aqui), porque estava com mais material do que poderia avaliar. Pouco antes dos gibis programados para dezembro serem lançados, anunciou que seriam adiados para janeiro (aqui). Nada de mais nisso, gente sem fé! Atrasos são normais quando a editora não tem controle total das publicações.

Pouco depois, o golpe de misericórdia. A Marvel comunicou que Bill Jemas deixara o cargo de presidente da companhia para atuar numa área onde não se envolveria diretamente com quadrinhos.

Como Trouble já tinha sido lançada, a Casa das Idéias decidiu que, em vez de publicar os quatro gibis na fila, aglutinaria todos em uma antologia trimestral. Além disso, não ia mais rolar grana adiantada nem os incentivos prometidos. A nova publicação seria avaliada como qualquer publicação: vendeu bem, continua; se não, adiós amigos .

Nesse momento, Mike Sangiacomo, colunista do Newsrama que estava desenvolvendo Nowhere Man (mais tarde intitulado Phantom Jack), um gibi sobre um repórter com o dom de se tornar invisível, chutou o balde (aqui). Juntou os trapos, retomou os direitos autorais sobre sua obra e foi bater às portas de outra editora . No caso, a Image, que o recebeu de braços abertos.

Os criadores dos três restantes, Sleepwalker, Strange magic e Young ancient one toparam o desafio e suas criaturas chegaram às lojas especializadas duas semanas atrás.

Vitória? Que nada! A Marvel anunciou, há poucos dias, que a antologia foi cancelada, o que enterra de vez qualquer sonho ingênuo. No fim das contas, o que poderia ter sido uma excelente iniciativa revelou-se mais um lance da editora pra chamar a atenção.

Oras, quando o Epic foi anunciado, todo mundo ficou interessado, mesmo gente de fora dos comics. A Marvel contactou caras da Internet que colaboravam em sites de quadrinhos, escritores de TV, cinema, teatro, etc, alertando para a novidade e solicitando o envio de projetos.

A chance de não ter de publicar em empresas pequenas ou mesmo fazer tudo sozinho, "na raça", como o Lacarmélio (figura popular aqui em Belo Horizonte, que escreve, desenha, finaliza os gibis que vende nos sinais de trânsito) animou muita gente. Mais uma vez, a Marvel brilhava sob as luzes da ribalta.

Quando o impacto amainou e as luzes perderam o vigor, o projeto azedou. Afinal, seis meses depois, já não era mais novidade. Não chamava mais a atenção de figuras interessantes. Atraia, sim, centenas de fãs anônimos que sonhavam - e ainda sonham - em trabalhar pra editora. Esses caras, porém, não são importantes. Não passam de fãs que compra os gibis todo mês, acessam o site, discutem as história s na internet, assistem às adaptações cinematográficas e desfilam em convenções usando camisetas e merchandising de Homem-Aranha e companhia.

"Palmas" (com muuuuuuuuitas aspas) para a Marvel. Agora, seu mais recente projeto é lançar o livro de autoajuda: Como fazer amigos e transformar uma idéia sensacional em mais uma de suas Marvelices .

Mês que vem eu volto.

Ao som de The Extremist, de Joe Satriani.

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