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Top 10: Alan Moore e o drama policial superpoderoso

Top 10: Alan Moore e o drama policial superpoderoso

21.12.2005, às 00H00.
Atualizada em 08.11.2016, ÀS 04H02
Top 10

Alan Moore - Editora Devir
4 ovos

Após empreender uma revolução sem precedentes nos quadrinhos de super-heróis nos anos 80 com Watchmen, Alan Moore encontrava-se diante de um grande desafio. Seria capaz de repetir a dose ou teria seu status de maior gênio moderno da arte seqüencial restrito aos sucessos passados?

Para satisfação dos leitores, o mago dos quadrinhos continuou produzindo material de qualidade impressionante nos mais variados gêneros, e novamente abalou as estruturas do chamado mainstream com a linha Americas Best Comics (ABC), na qual se destaca o título Top 10. Trata-se de um drama policial super-heroístico premiado com o Eisner Award de Melhor Nova Série em 2000, quando Moore ganhou também os prêmios de Melhor Edição Individual por Tom Strong 1, Melhor História Serializada por Tom Strong 4-7 e Melhor Escritor pela linha ABC.

Em Top 10, Moore propõe um grupo de policiais superpoderosos vivendo numa cidade em que todos os habitantes também são superpoderosos, usam uniformes coloridos e codinomes marcantes. Inspirada em revistas de equipes de super-heróis com inúmeros integrantes mesclada a dramas televisivos como Homicide, Hill Street Blues e Nova York Contra o Crime, Top 10 foi uma das maiores surpresas do gênero nos últimos tempos, ao lado de Astro City, de Kurt Busiek, e Powers, de Brian Michael Bendis, entre outros, mantendo qualidades únicas, contudo.

O começo do ABC

A linha Americas Best Comics surgiu depois da temporada de Alan Moore na editora de Rob Liefeld, onde escreveu Supreme, Youngblood e Glory, além do crossover Day of Judgement. Homenagens de rara beleza aos super-heróis da Era de Prata dos quadrinhos da DC Comics, estes títulos foram cancelados por problemas diversos e abriram caminho para idéias mais ousadas. Com o selo ABC, Moore pretendia literalmente reinventar os quadrinhos. O escritor inglês voltou aos primórdios das revistas pulp que precederam o surgimento do Super-Homem e apresentou uma versão diferente do que teríamos na nona arte. Suas novas séries, A Liga Extraordinária, Tom Strong, Promethea, Tomorrow Stories e Top 10, mostraram conceitos inovadores, respeito pelo legado dos quadrinhos e da literatura, cumprindo seu objetivo com louvor.

Mas voltemos agora a falar de Top 10. Na abertura da série, temos a policial novata Robyn Slinger, codinome Toybox, em seu primeiro dia no Décimo Distrito. Filha de um policial cujo triste destino é logo revelado, ela carrega uma caixa cheia de brinquedos preparados pelo pai. O que os torna especiais é que eles ganham vida, investigam cenas de crimes e investem contra inimigos. Toybox tem como parceiro o durão e pouco sociável Jeff Smax, brutamontes extradimensional com uma mão energética que emerge do peito. Completando o elenco de personagens centrais temos Jack Phanton, uma lésbica etérea; King Peacock, devoto de um culto satânico; Sinestesia, que tem os sentidos misturados; Sargento Caesar, um cachorro com próteses que lhe permitem porte humanóide; e o Capitão Traynor, herói dos anos 40.

Entre ex-heroínas decadentes que se tornaram estrelas pornô, músicas como "Whats you power, baby?" tocando nas rádios e uma entidade invisível bulinando mulheres inocentes, surgem os primeiros casos: prostitutas decapitadas por uma criatura misteriosa de passado insuspeito, e um assassinato envolvendo tráfico de drogas. Embora componham a espinha dorsal da série, essas tramas muitas vezes cedem lugar ao festival de crises insólitas investigadas.

Impossível deixar de citar a situação de perigo com um Papai Noel telecinético, o cliente de prostitutas que expande seu tamanho, a praga doméstica dos super-camundongos, o filho de um monstro de sucesso nos anos 50 e o surpreendente assassinato do deus da beleza. Naturalmente, o charme da série não está nas cenas de ação - na verdade, a história começa com ritmo lento, ainda que arrebatador - mas no trabalho meticuloso de caracterização dos personagens e na própria ambientação de Neopolis, a cidade reduto dos superpoderosos.

Por meio de situações cotidianas e imprevisíveis, somos conquistados pelas personalidades e idiossincrasias de heróis muito especiais. O domínio de uma narrativa com tramas paralelas que se entrelaçam, tão característico nas obras de Moore, continua presente e eficaz. O roteirista também não se intimida diante de temas mais pesados como relacionamentos interespécies, homossexualidade, religião e abuso de menores. Não obstante, é nos momentos mais singelos e humanos que os personagens brilham com mais intensidade. A história de um acidente fatal num serviço de teletransporte, por exemplo, rende momentos de reflexão e dor. O desenvolvimento da relação entre Smax e Toybox, tratado com muita competência e sutileza, é outro ponto forte da série. Longe de serem perfeitos, os protagonistas têm suas paixões e defeitos, continuam heróis, mas sempre verossímeis.

A arte de Gene Ha e Zander Cannon é extremamente detalhista e remete aos trabalhos de George Pérez e Phil Jimenez, porém com uma apreciação maior por uma textura realista. Ainda assim, os elementos fantásticos são igualmente bem retratados. Podem ser encontradas por toda a série diversas referências e aparições de personagens clássicos de quadrinhos de super-heróis, sagas que marcaram época e cultura pop de modo geral. Sugeridas pelos ilustradores ou pelo próprio Moore, elas são um atrativo extra. Vasculhar páginas em busca de surpresas escondidas é algo irresistível aos fãs mais devotados.

Diagramação, anatomia e expressões faciais estão impecáveis e se encaixam perfeitamente no clima intimista que permeia a história dos policiais do Décimo Distrito. Como de costume nas grandes obras de Alan Moore, são ilustradores de talento trabalhando a serviço do roteiro no melhor que a seqüência de painéis tem a oferecer. O texto é tão meticulosamente bem preparado que funcionaria mesmo com um trabalho artístico inferior, mas a verdade é que esta dupla é uma das mais eficientes do mercado e só faz subir a qualidade da revista.

Depois do fim

A série original durou doze edições e fechou todas as tramas desenvolvidas pelo autor. Moore e Cannnon criaram ainda uma história de oito páginas para a antologia 64 Page Giant Americas Best Comics, que lidou com os vampiros de Neopolis. Tempos depois, foi lançada a seqüência Smax: The Barbarian, minissérie focada no personagem título e sua parceira Toybox. Mais recentemente, Moore e Ha produziram a graphic novel Top 10: The Forty-Niners, explorando os primórdios da cidade. A continuação da saga, Beyond the Farthest Precinct, acabou ficando por conta de uma equipe criativa distinta, o romancista de ficção científica Paul DiFilippo e o veterano desenhista de super-heróis Jerry Ordway. Com a primeira edição lançada há poucas semanas nos Estados Unidos, ainda é cedo para dizer se conseguiram capturar a magia dos criadores originais.

Top 10 é recomendada para quem aprecia uma criação de qualidade independente da mídia, para leitores fiéis, para os insatisfeitos com os rumos da indústria e para quem quer tentar a sorte em sua primeira HQ. Quem já acompanha o trabalho de Alan Moore há tempos sai com a certeza de que ele ainda pode revolucionar os quadrinhos quantas vezes desejar.

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