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Crítica

Batman - Superheavy | Crítica

Scott Snyder se despede da HQ de forma extravagante, depois de unir densidade e diversão

30.03.2016, às 18H12.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H30

Se no cinema as histórias de Batman não parecem perto de resgatar o espírito pueril que muita gente espera dos super-heróis, nos quadrinhos aquele outro Snyder, Scott Snyder, despede-se da série Batman com um arco cheio de extravagâncias. Que o roteirista tenha se tornado uma unanimidade entre a crítica e os leitores na HQ que ele assumiu em 2011, com tramas ao mesmo tempo divertidas e densas, é uma façanha a não menosprezar.

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No arco "Superheavy", que se encerrou neste mês na edição #50 de Batman, Snyder aproveita toda a liberdade criativa que acumulou na DC nesses cinco anos, em que refez a mitologia do Morcego para Os Novos 52 e apresentou elementos que agora estão enraizados nas histórias, como a Corte das Corujas. Bruce Wayne sem memória e Jim Gordon sem bigode são apenas o ponto de partida deste arco, que leva ao máximo a noção de que Gotham, sempre destruída para ser reconstruída depois, é uma caixa de areia onde autores podem brincar à vontade.

O que seria uma boa forma de limpar o paladar - depois que Snyder parecia ter feito seu gran finale de Batman versus Coringa no arco anterior, "Endgame" - acaba se tornando um festival de estímulos. Muitas cores, principalmente amarelo e roxo, vilões monstruosos, robôs gigantes e um Snyder entregue como nunca à sua tendência ao literário, com sua obsessão por analogias (aqui ele beira o ridículo na voz do vilão Mr. Bloom, comparando até as plantas de um jardim com guerra de gangues).

Esse Batman das HQs está longe de aderir ao carnavalesco de um filme de Joel Schumacher, mas não deixa de ser um prazer ver como Snyder, com a ajuda inestimável do cuidadoso desenhista Greg Capullo, joga com o cartunesco e experimenta perspectivas (que moto é aquela!?), com a cidade realmente diminuída a um playground de gigantes, para fazer uma história que seja grandiloquente, digna de uma despedida. A dupla pega aquela noção de que Gotham é uma cidade de freaks e a traduz, de fato, num circo apoteótico.

Enquanto o Batman Jim Gordon usa tubarões para brigar com gangues chifrudas, porém, Bruce Wayne passa por um processo de terapia que Snyder usa como seu testamento de fato para o vigilante. O roteirista primeiro atualiza o personagem aos dias de hoje - Wayne de camisa rosa, fazendo o social justice warrior - para depois reencontrar-lhe um propósito que não fuja da analogia mais potente desde sempre: Batman é a ordem necessária no caos.

Snyder gosta de dar a esse caos a forma de um mundo selvagem; já havia feito isso em "Zero Year", quando Charada transformou Gotham numa selva bradburiana, e agora repete o processo, mas mais parecido com os pesadelos noturnos tão recorrentes nas HQs do personagem. Em "Superheavy", os sonhos assumem as formas mais psicodélicas, como um transe de pupilas dilatadas, em que todas as formas redondas que vemos (o olho da mariposa, as sementes, a cabeça de Bloom, as luzes do trem na nossa direção) são como variações de um mesmo caleidoscópio.

Mas ao mesmo tempo em que Batman tem essa tarefa inglória de ordenar o caos, de vencer a inevitabilidade da morte, de dançar todas as noites com os freaks da cidade (e o despertar para essa tarefa acontece de forma bastante impactante ao final da edição 48, com a menina deformada e o choro de Alfred), não é verdade que o menino Bruce morre para que Batman viva para sempre, como diz o mordomo. Porque, no fundo, a criança está lá. Está no simbolo do Batman que se acha até na pia do banheiro. Está nos brinquedos de adulto rico. É o herdeiro no seu playground.

Ao fazer do arco "Superheavy" uma celebração não apenas da tragédia de Batman mas principalmente das oportunidades de histórias de fantasia em Gotham, Scott Snyder finalmente acha uma forma de redimir o filho traumatizado pela morte dos pais. Seu Batman é Peter Pan, e Gotham, sua Terra do Nunca.

Nota do Crítico
Ótimo

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