De todas as HQs que fazem parte da coleção Graphic MSP, nenhuma foi tão longe na criação de uma mitologia para os personagens de Mauricio de Sousa quanto Piteco - Ingá. Astronauta - Magnetar é uma grande aventura sobre a solidão no espaço; Turma da Mônica - Laços é uma comovente história de amizade (que chegou a brincar com a origem dos personagens, é verdade); e Chico Bento - Pavor Espaciar é uma comédia com toques de ficção científica.
O trabalho do cartunista paraibano Shiko foi meticuloso. Ele conseguiu transformar o Piteco em um personagem tipicamente brasileiro ao buscar inspirações em sua própria origem nordestina para contar a história do homem da idade da pedra. Os locais visitados são reais: a Pedra do Ingá realmente existe, é um dos monumentos arqueológicos mais importantes do mundo, e tem uma aura mística que serviu de inspiração para gente como Zé Ramalho, que lançou em 1975 o disco Paêbirú, baseado nas lendas sobre a região.
Os seres fantásticos encontrados no livro vêm do nosso folclore. Estão lá o Curupira (ou Arapó-Paco, na versão de Shiko), o Boitatá (ou M-Buantan), o Anhanguera, o ser que assumia muitas formas e protegia os animais nas florestas, e o Camazotz, um morcego gigante da região dos Andes, todos devidamente reimaginados pelo quadrinista. Cada tribo que aparece na HQ também ganhou uma identidade visual única: a tribo de Lem, o povo de Ur e os homens-tigre têm vestimentas, armas e até maneira de se mover específicas.
Essas bases não se sustentariam se a história fosse fraca. Seguindo a linha das Graphic MSP anteriores, Ingá parte de uma premissa bem básica: Piteco precisa resgatar Thuga, sequestrada pelos homens-tigre, enquanto seu povo faz uma jornada em busca de terras férteis. Acompanhado de Ogra e de Beleléu, o protagonista enfrenta diversos perigos até encontrar sua amada. A trama linear ajuda a valorizar as constantes cenas de ação e os encontros com seres mitológicos.
E os desenhos de Shiko, coloridos com aquarela, dão vida a esse mundo fantástico de tribos inimigas. Dá vontade de passar um bom tempo apenas curtindo as páginas, reparando nos detalhes das roupas e armas criadas pelo quadrinista, na maneira como ele usa as cores para dar o tom da história. Os extras no final do livro, com esboços, storyboards e diversas opções de capa, dão uma boa ideia do processo criativo de Shiko e enriquecem a experiência.
Ingá é a HQ mais adulta das quatro lançadas até agora pela linha Graphic MSP. Há muitas cenas de pancadaria, com direito a sangue espirrando, olhos perfurados e homens esmagados. Shiko não poupa nas cenas de violência nem na sensualidade de Thuga e das outras personagens femininas, como M-Buantan. O resultado é ótimo, mas a HQ é mais indicada para os leitores adultos (e os fãs mais antigos).
A aventura de Piteco é a última da primeira leva com releituras da Turma da Mônica em formato de graphic novel, lançada em 2013. Pelo menos seis novos títulos estão previstos para sair entre 2014 e 2015.