HQ/Livros

Artigo

Crônicas Omeléticas: A morte de um herói, 10 anos depois

Crônicas Omeléticas: A morte de um herói, 10 anos depois

19.11.2002, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H40

Mesmo depois de 10 anos, ainda lembro de muita coisa. A correria, a preparação, o pessoal da televisão chegando, mandando fazer uma coroa de flores, indo para o cemitério gravar a entrevista.

Há 10 anos, morria o Super-Homem. Eu, nesta época, trabalhava na distribuidora Devir, que conseguiu em tempo recorde (uma semana) levar a revista americana para os leitores brasileiros. A Rede Globo fez uma matéria especial sobre o acontecimento, entrevistando o pessoal da empresa a fim de contar como é que isso podia acontecer com o Super-Homem!

Eram duas edições de Superman 75. Uma simples, com o manto vermelho rasgado parecendo uma bandeira. A outra vinha guardada num saco plástico negro, uma lápide na capa , e ainda havia uma faixa de luto para ser usada pelo leitor.

O ponto central: história ou marketing?

Como história ou conceito, a saga A Morte do Super-Homem não trouxe qualquer novidade para os quadrinhos. Quantas vezes heróis morreram, renasceram ou fingiram que tinham ido desta para melhor? Nada de novo a acrescentar.

Todavia, no quesito marketing, a coisa foi bem diferente.

No início da década de 90, Spider-Man, de Todd McFarlane, e X-Men, de Jim Lee, venderam nada mais nada menos que 9 milhões de exemplares (90% para especuladores de lojas especializadas em gibis. Hoje, esta tudo encalhado ou virou aparas). Um feito para o mercado de HQs, mas que não rendeu nenhuma notícia em outras mídias além das dedicadas aos quadrinhos.

A morte do Super-Homem foi capa de jornais, matérias na TV, tanto aqui como lá fora. Foi um evento, fato jornalístico, um estouro. Durante a saga, muito se indagou se a morte seria para valer, se ele não voltaria um mês depois etc.

Ele não voltou. Pelo menos, não no mês seguinte.

A estratégia da editora DC foi, no mínimo, arriscada para a época. Matar um de seus ícones, enterrá-lo e tirá-lo de circulação por quase seis meses foi um tremendo golpe de marketing. O que estava em jogo? A revitalização de um mito que durante cinqüenta anos fora o símbolo maior dos gibis.

As várias mortes do Super-Homem

Acontece que, naquele novembro de 1992, o Super-Homem estava morto. Morto porque ninguém mais se importava com ele. Na verdade, o herói fora assassinado lentamente durante os anos 80, transformado numa paródia de um patriotismo exacerbado, pelo culto ao estilo de vida americano.

Doomsday (Apocalypse, no Brasil) apenas desferiu o golpe de misericórdia. O Super-Homem já estava moribundo havia tempos. Morreu diante dos nossos olhos, nas páginas amarelas dos gibis que ainda eram coloridos e desenhados a mão.

E não tinha sido a primeira vez que a DC tentava esta estratégia para recuperar o mito. Ela o matara (com muito mais estilo, diga-se de passagem) quando Alan Moore escreveu a última história do Super-Homem (O que aconteceu ao Homem do Amanhã). Entretanto, diferentemente de Dan Jurgens (que planejou o assassinato de 1992), no mês seguinte, Kal-El renascia num Krypton novo, recriado por John Byrne, para se tornar na Terra o maior herói do planeta.

Quantas vezes o Super-Homem terá que morrer ainda para satisfazer a ganância burra da indústria dos quadrinhos?

Quantas vezes teremos que ver personagens serem modificados, adulterados, violentados em sua essência para que mais páginas sejam vendidas em bancas e lojas especializadas? Quantas origens teremos que recontar para revitalizar conceitos tidos agora como ultrapassados?

Enquanto Super-Homem defendia Metrópolis da fúria insana de Apocalypse, Joe Shuster morria cego, sozinho, ganhando uma mesada da DC Comics, quando, na verdade, merecia por a mão em milhões de dólares.

Enquanto Super-Homem morria nos braços de Lois Lane, Jerry Siegel continuava sem escrever histórias em quadrinhos desde os anos 60, pobre, esquecido pelo público que lia as aventuras do personagem que criara durante um sonho. Ele também recebia sua mesada, um mea culpa da editora que explorara sua criação anos a fio.

Enquanto isso, eu colocava uma faixa preta com um emblema do Super-Homem em vermelho no meu braço e levava uma caixa cheia de A Morte do Super-Homem para as lojas especializadas a fim de que os leitores pudessem testemunhar o último suspiro do herói. Esse era o meu trabalho.

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.