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Diário do FIQ - Dia 5

Todos os dias, um relato do nosso correspondente no Festival Internacional de Quadrinhos de BH

12.10.2009, às 21H00.
Atualizada em 06.11.2016, ÀS 06H06

Foi meu último dia de FIQ. E eu estava cansado.

Por alguns minutos, pensei numa cobertura gonzo. Se procurasse direito, certamente acharia um equivalente do Gilbert Shelton entre os indies. Aí era comprar umas três variedades do que ele estivesse vendendo, descer tudo com cerveja quente e passar o dia em torpor fazendo caretas pro Guy Delisle ou inventando comparações entre Ben Templesmith e o Tintim (Templesmith é o Tintim vampiro? O Tintim punk? Tintim depois da gripe suína?). "Medo e Delírio na FIQ". Rafael Grampá seria meu advogado samoano.

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Mas, ao invés disso, entrevistei Fábio Moon e Gabriel Bá.

Eu já havia combinado, dias antes, que queria falar com eles no domingo. Perguntaram o que seria a entrevista. Pergunta válida, afinal o Omelete já conversou com eles várias vezes. Mas eu tinha outro jogo em mente: querendo ou não, Moon e Bá não são mais "nova geração" e o que eles conseguiram mudou as regras para os quadrinistas brasileiros que estão aparecendo agora. Falei com eles sobre esse papel e sobre o que pensavam da função do FIQ nesse cenário.

Aliás, era nessa manhã que Bá estava comemorando seu segundo Harvey Awards, anunciado na Baltimore Comic-Con durante a madrugada. E, mais tarde, eles fariam o que um outro quadrinista me disser ser "a melhor palestra da vida dos gêmeos". Já chego lá.

* * *

Craig Thompson já havia ido para São Paulo (onde tem uma nova apresentação, na Fnac Pinheiros, na terça-feira), mas seu nome continuava ecoando pelo FIQ. Sentei numa mesa com o pessoal do zine Adeus, Tia Chica e ele logo foi citado. Um deles tinha visto um dos quadrinistas estrangeiros arrotando (isso que é proximidade com o mercado!). Nos perguntamos se Craig Thompson, em toda sua doçura, arrotava. A melhor resposta: quando Thompson está para arrotar, um arco íris sai da sua boca, com várias borboletas que arrotam no seu lugar.

Ou: quando Craig Thompson cospe, nascem árvores com coalas. Ou com micos leões dourados e outras espécies ameaçadas. Pandas veem Craig Thompson e transam por amor. Craig Thompson espirra e sai um passarinho que faz "tweet". Maumau e Azeitona, os principais cartunistas da Tia Chica, estavam afiados. Espero que vire algo para o próximo número do zine.

Outra cena comum era ver o pessoal comparando os autógrafos que Thompson tinha feito em seus álbuns.

(No dia anterior, Sierra Hahn, namorada de Thompson, respondia se era a Raina de Retalhos. "Não! E ele teve MUITAS namoradas depois de Raina!". Sierra treme cada vez que alguém chama ela de "Mrs. Thompson".)

* * *

O início da tarde levou a uma série de bate-papos relâmpago. Primeiro, Ivan Brandon falando de roteiro. O autor - que fez material indie como NYC Mech, a coletânea 24/7 e algumas minisséries para DC e Marvel - é quase desconhecido do público na plateia. São poucas perguntas - do tipo "quando você vai escrever o Batman?" (coincidentemente, ele diz "aguardem 2010..."). Rafael Albuquerque, que fica de intérprete, revela que está fazendo um trabalho para a Marvel com roteiro de Brandon.

Will Conrad e Eddy Barrows vêm um pouco depois, um de cada vez. Eles moram em Belo Horizonte, terra do FIQ, e as edições anteriores os ajudaram a conseguir suas vagas no mercado norte-americano. Conrad trabalhou como arte-finalista por alguns anos, e hoje desenha a série do Pantera Negra na Marvel. Barrows, por sua vez, passou por vários trabalhos na DC e atualmente está nos Novos Titãs. Jovens desenhistas estão lá atentos para saber como seguir os passos deles.

Rafael Albuquerque volta logo depois para um bate-papo solo. Ele seguiu outro caminho no mercado, investindo em uma publicação pela Image (Rumble in la Rambla, que diz ter sido um fracasso) e o contato remoto com editores antes de entrar na DC. Hoje ele faz material para a Marvel também, como as capas de Incredible Hercules.

Rafael é também uma das cabeças do coletivo Mondo Urbano, junto a Mateus Santolouco e Eduardo Medeiros. Entrevisto os três, que a partir de Porto Alegre têm um plano bem organizado para equilibrar trabalhos para o exterior e para o Brasil com publicações autorais. É sobre isso que a gente conversa (veja aqui no Omelete, em breve).

Também passo um bom tempo conversando com o roteirista Diogo César sobre... seriados de TV. Sou daqueles que reclama que todo encontro de fã de quadrinhos acaba caindo para conversas sobre cinema. Mas dessa vez foi inevitável trocar referências do que a gente assiste, de Weeds a House.

* * *

A "melhor palestra da vida dos gêmeos" chama-se "Mercado Indie". Moon e Bá convidam Rafael Grampá, Becky Cloonan e Vasilis Lolos para a mesa - é o time que ganhou, junto, o Eisner de "melhor antologia" por 5.

Cada um conta suas experiências começando a carreira. Os gêmeos com os 10 Pãezinhos, Cloonan fazendo um monte de minicomics enquanto trabalhava como animação, Lolos tentando a sorte com amigos no limitado mercado da Grécia. O único que destoa no grupo é Grampá, que pagou uma grana preta para ver seu primeiro trabalho, Mesmo Delivery, sair em luxuosas 52 páginas coloridas, nos EUA, com uma capa "cheia de frufrus".

Grampá é exceção, explica Gabriel Bá, que recomenda insistir, trabalhar muito e, de preferência, não largar seu emprego diário até ter segurança quanto às suas páginas. Grampá disse que ouviu a recomendação, mas estava cansado de ter chefe.

Vem a pergunta "é possível viver publicando como independente ou ainda é só um caminho para chegar às editoras brasileiras e estrangeiras?". Bá, realista: "Pois é..." (leia-se: opção b). Aliás, a abordagem realista é o que domina a conversa e que leva ao elogio que citei no começo (que veio do quadrinista Eduardo Filipe). Bá insiste que tem muita gente que reclama tendo pouco para apresentar. É preciso ter humildade e aceitar um "não" de editores como indicativo de que você precisa melhorar. Não há problemas com editores e todo o universo da publicação, autoral ou não, se você estiver confiante de que suou nas suas páginas e tiver argumentos para defender o que fez.

* * *

Depois da palestra, os cinco partem para uma sessão de autógrafos (sem 5, infelizmente, que está esgotada). Assisto a Grampá fazendo um autógrafo detalhado para Ben Templesmith (ou "my new friend Ben"). O australiano derrete-se em agradecimentos e diz para Grampá cobrar drinks na próxima visita a San Diego.

(Templesmith, no Twitter: "Devia vir passar mais tempo no Brasil, algum dia.")

O fim do domingo passa meio rápido. Visito rapidamente a palestra do chinês Xiao Pan, que desenha durante sua fala. Bom, não é bem uma fala. Sabe aquela típica cena de chinês ou japonês com seu intérprete, na qual o oriental passa cinco minutos falando e o intérprete traduz com um "sim, obrigado"? Xiao não fala nada de inglês, então não há salvação fora seu intérprete. Além disso, parece estar entretido demais com sua pintura digital no Photoshop.

Logo depois há uma fala de dois italianos, Gabriella Giandelli e Claudio Curcio. Ela é artista quase independente no país, ele diretor da Napoli Comic-Con. Giandelli volta ao realismo: por mais que seja publicada na Itália, na França e nos EUA (principalmente sua HQ Interiorae), ainda tem que trabalhar como ilustradora comercial para sobreviver - ganha 1000 euros por cada álbum que faz para o mercado italiano; um artista que desenhe Tex ganha 15000 euros por revista, na média.

Pergunto a Claudio se há um paralelo possível entre os quadrinistas brasileiros que trabalham para o mercado estrangeiro e os italianos que fazem o mesmo. Ele disse que lá esse fenômeno é mais recente, reflexo principalmente na convenção de Nápoles de 2003, onde os EUA era o país convidado. Riccardo Burcchielli (DMZ), Davide Gianfelice (Vikings) e outros são os italianos que trabalham com frequência para a DC/Vertigo hoje em dia. O editor diz que o reflexo no mercado interno é positivo.

* * *

Nosso cozinheiro José Aguiar diz que estou com cara de criança chata que quer ir pra cama. Sigo a recomendação. Queria ter pego últimas declarações do pessoal envolvido na organização sobre o que acharam do evento, mas vai ter que ficar para o e-mail.

Três pensamentos finais:

- A maior livraria do evento é a Leitura Savassi, que tem o tamanho de três ou quatro outros stands. Não há comic shops, só para quadrinhos, desse tamanho no Brasil. E ela está coberta pelo material nacional publicado nos últimos cinco anos. A gente não percebe a quantidade de revistas e livros em quadrinhos que saem toda semana, e entrando ali você vê que nunca houve um mercado nacional desse tamanho. Não sei se dá para afirmar que quadrinhos são mainstream no Brasil; mas tenho certeza que nosso nicho engordou.

- "Cadê as editoras?" é a reclamação principal do Festival. Panini tem seu estand (dedicado quase todo à Mônica), a Quadrinhos na Cia. também. Os outros são do pessoal independente, muito ativo. A Zarabatana está representada no festival. Em termos de gente que publica, é isso. Cadê Ediouro/Desiderata, Conrad, Devir, que estão no rol das que mais publicam no Brasil? O mercado já existe, os bons quadrinistas também. É sério que não há nem interesse em conhecer novos talentos? Nem em fazer uma mísera sessão de autógrafos (com, por exemplo, Allan Sieber, que está com livro novo)?

- Como em qualquer convenção, o melhor de tudo é conhecer gente. Colocar carinhas nas arrobas (de Twitter e e-mail) com quem estamos sempre nos comunicando. Vi lá gente que nem sabia que iria - e que realmente decidiu aparecer de última hora, pois viu que o Festival era coisa séria. Como se falava no último dia, o FIQ precisava ir para outras cidades, acontecer mais de uma vez por ano. O que se ganha em contatos, que vão virar novas revistas indie, novas publicações de editoras e, acima de tudo, novas amizades... é para isso que serve um festival. Eu, que nunca havia participado, tive o prazer de conhecer gente com quem falava há anos, ou rever amigos. Foi legal, gurizada.

E obrigado a quem acompanhou o Diário todos esses dias (e até elogiou no evento). Foi muito divertido. Espero todo mundo no próximo - antes de 2011, quem sabe.

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