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Especial | A hora dos quadrinhos franco-belgas no Brasil

Nossa agaquê pode virar mais bedê

09.11.2011, às 16H24.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H30

O Brasil é a bola da vez. Quem afirma isso são os editores de quadrinhos da França, de olho nas editoras e livrarias brasileiras. Os EUA continuam dominando bancas e estantes por aqui, mas as bandes dessinées - mercado maior em número de títulos, em números de vendas, em percentual de leitores e, dizem alguns, em qualidade - querem aportar no nosso país.

Persepolis

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XIII

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Tunicas Azuis

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Tunicas Azuis

Blacksad

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Antes do Incal

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Tintim

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Tintim

Corto Maltese

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Corto Maltese

Pinoquio

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Moebius

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Três Sombras

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Asterix

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Asterix

Lanfeust de Troy

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"O Brasil é muito dinâmico. Lá aconteceu o mesmo fenômeno que em outros países. Eles tiveram grande sucesso com os quadrinhos americanos graças aos filmes da Marvel e com isso [as editoras] reabriram os catálogos para os quadrinhos. Creio que seja a nossa vez", disse Juliette Mathieu, da poderosa editora Delcourt, ao site Actua BD, em entrevista durante a recente Feira de Frankfurt. "Eles têm a vantagem do poder de compra e de grandes grupos, como a Devir e a Companhia das Letras", declarou outro editor, Edmond Lee, da Humanoides Associés, na mesma ocasião.

"Há coisas maravilhosas acontecendo", complementa Mathieu. Assim como o filme do Tintim, eles estão chegando.

Mas quanto anos levou para o maior sucesso do mercado europeu, do jovem repórter com o cãozinho Milu, ganhar sua coleção completa nacional? Embora Asterix, criação francesa, sempre tenha feito sucesso por aqui, as várias tentativas de trazer mais bande dessinée ao Brasil nunca duraram muito. Editoras como Martins Fontes e L&PM foram muito ativas neste sentido nos anos 80 e 90, e hoje andam mais comedidas.

Mas aos poucos eles vêm chegando. Já faz um tempo que a citada Devir completou as coleções de Incal, Antes do Incal, e agora segue com Os Metabarões e tenta novidades como Predadores. Também citada acima, a Companhia das Letras (responsável pela versão nacional de Tintim) teve sucesso com Persépolis e tenta nomes como Cyril Pedrosa (Três Sombras). A Barba Negra pega o que os franceses chamam de "alternativo", como David B. (Pequeno Pirata), Killoffer (676 Aparições), Ludovic Debeurme (Lucille) e Bastien Vivès (Gosto de Cloro). A febre pelas adaptações literárias - de olho no PNBE - fez a Salamandra também apostar em franceses, assim como a L&PM, retornada. A Globo vai publicar o premiado Pinóquio, de Winshluss.

O selo Nemo (da editora Autêntica) abriu este ano com belas edições de Moebius (Arzach), Hugo Pratt (Corto Maltese: A Juventude) e, em breve, Jacques Tardi (Era a Guerra das Trincheiras) e Enki Bilal (A Trilogia Nikopol). Também iniciados em 2011, selos como o Tordesilhas (editora Alaúde) e o Agaquê (Ática) começaram sua investida em quadrinhos com os europeus - nos dois casos, com quadrinhos suíços, mercado adjacente ao franco-belga.

Conversamos com quatro destes editores brasileiros que estão investindo nos quadrinhos franco-belgas. Embora todos digam que seu compromisso seja com editar quadrinhos de qualidade, independente da procedência, já é marcante a mudança que estão fazendo no mercado ao fugir dos personagens que só falam inglês.

Hegemonia e Preço

"O mercado brasileiro de livros traduzidos é hegemonizado pelos países de língua inglesa – Estados Unidos e Inglaterra, basicamente. E, em geral, os editores preferem apostar naquilo que já foi testado aqui e deu certo", diz Joaci Furtado, editor do selo Tordesilhas. "É certo que os títulos norte-americanos e ingleses são os mais disputados, o que nos levou à visão estratégica de procurar bons livros fora do eixo Londres-Nova York."

Fabrício Waltrick, editor do selo Agaquê, e Maria Clara Carneiro, assistente editorial da Barba Negra, também acreditam que é hora de olhar além do anglófonos. "Acho que ainda existem várias demandas reprimidas. Há coisas incríveis sendo produzidas no mundo inteiro, e o mercado aqui ainda precisa olhar com mais respeito para esse segmento, que está deixando de ser um nicho, um gueto", diz Waltrick. "O mercado está se abrindo para todos. Há um novo posicionamento dos quadrinhos nas livrarias, e não são só os franceses que pretendem migrar", complementa Carneiro.

Wellington Srbek, da Nemo, adota o argumento da tradição do quadrinho franco-belga: "Sempre acreditei que há algumas obras que não poderiam continuar inéditas no Brasil, sendo o melhor exemplo disso Arzach de Moebius".

Arzach é símbolo do primeiro dos grandes empecilhos em publicar europeus no Brasil: a questão gráfica. O tamanho avantajado, o papel especial, as cores e a capa dura são a prática tradicional dos franco-belgas, e já rende produtos caros por lá - os álbuns vão dos 14 aos 20 euros (aproximadamente R$ 35 a 50). Aqui, custos gráficos e de distribuição incidem ainda mais sobre o preço de capa. E, sem personagens populares como um Batman ou Homem-Aranha, estes álbuns não têm público cativo que garanta que eles deixem as prateleiras em direção à sacola de compras - o que diminui as tiragens e, consequentemente, aumenta ainda mais o preço.

Conseguir ficar abaixo dos 50 reais, como conseguiram com Arzach (56 páginas coloridas, 32x24 cm, capa dura, R$ 42,00), e Quando eu Cresci (96 páginas coloridas, 31,5 x 23 cm, capa cartonada, R$ 35,90), da Agaquê, já é um desafio. Waltrick e Srbek, os respectivos editores, explicam que suas editoras apostam nos estudos de rentabilidade e em preço atraente que compense o investimento.

Já Furtado, da Tordesilhas que lançou Castelo de Areia (104 páginas, preto e branco, 29x22 cm, R$ 34,90), explica que não há margem de manobra com este preço. E é contundente quanto à realidade brasileira: "Tiragens grandes possibilitariam preços melhores – e quando digo 'grandes' refiro-me a 5.000 exemplares, no mínimo –, o que é possível em mercados de leitores mais consolidados, como o europeu e o norte-americano. Quando ainda temos 9% da população brasileira completamente analfabeta, publicar HQs para adultos até me soa como um luxo."

"O mercado brasileiro não absorve bem a capa dura, são questões de desenvolvimento diferente. Esse tipo de material vem sendo, aliás, substituído até mesmo pelos franceses", opina Maria Clara Carneiro. A Barba Negra, até o momento, tomou o caminho dos quadrinhos franco-belgas que não seguem o formato tradicional da capa dura e das cores sobre papel especial, mesmo que estas características sejam contrabalançadas pelos 26x36cm de 676 Aparições ou as 544 páginas de Lucille (ambos em preto e branco) na hora da gráfica.

O Foco nos Alternativos

Mas ficar no material preto e branco, mesmo o que vende bem na Europa - caso de Persépolis (Companhia das Letras) e Epiléptico (Conrad) -, ainda é ignorar os mais vendidos (ou meilleures ventes, como diriam por lá) do quadrinho francês, representado por séries para públicos infantis e adolescentes que entram pelos gêneros de aventura, fantasia, mistério e humor. Destas, apenas Asterix conseguiu aportar e fazer sucesso no Brasil.

Blacksad - que teve dois volumes publicados no Brasil pela Panini - chegou a desbancar todo o mercado editorial francês quando do lançamento de seu quarto volume, no ano passado. Outros sucessos por lá, como a fantasia-aventura Lanfeust de Troy e seu derivado cômico Trolls de Troy, assim como a conspiração XIII, tiveram passagem por aqui (nas editoras Devir e Panini, respectivamente), mas breve.

E breve porque foram mal explorados, na opinião do crítico e especialista em quadrinhos franco-belgas (e antigo colaborador do Omelete) Pedro Bouça, por conta de erros de produção ou distribuição. Mas o maior problema que Bouça vê na relação atual entre o mercado brasileiro e os quadrinhos europeus é o foco no mercado adulto. "Acredito que é absolutamente necessário publicar mais material infanto-juvenil e de todas as idades. É isso que vai renovar o público dos quadrinhos, não o quadrinho adulto, por melhor que seja", opina.

Entre os títulos que mais chamam atenção por serem sucessos estrondosos na Europa e não chegarem aqui, Bouça destaca Lucky Luke, que tem 65 anos e mais de 70 álbuns - poucos deles lançados no Brasil (a maioria pela Martins Fontes, na década de 80). No mesmo nível de Asterix em termos de popularidade, o caubói aproxima-se dos septagésimo aniversário colecionando adaptações para cinema, TV, videogames e outras, fora os milhões de exemplares vendidos.

Além de outros clássicos de humor como Os Túnicas Azuis, Iznogud e Gaston, Bouça ainda destaca o material infanto-juvenil recente: "Seuls, que mostra um grupo de crianças tentando sobreviver em um mundo no qual todos os adultos desapareceram, e Les Nombrils, que mostra o cotidiano de três amigas adolescentes e é uma das mais perfeitas representações da adolescência em quadrinhos que eu já vi, além de ser muito engraçada."

Dos editores nacionais entrevistados, apenas Wellington Srbek, da Nemo, diz ter planos voltados para o público juvenil, assim como de abordar material franco-belga mais contemporâneo. Maria Clara Carneiro, da Barba Negra, defende que os sucessos de lá não se traduzem necessariamente em sucessos aqui: "Lewis Trondheim, durante a Rio Comicon, respondendo a uma pergunta sobre por que as editoras francesas não investem em trazer suas publicações para o Brasil, comentou que as histórias em quadrinhos não podem ser mais uma forma de colonialismo. Cada caso é um caso. Línguas e formatos diferentes, nunca é possível saber o que 'fará sucesso' em um ou outro país."

Franco-brasileiros

Respondendo à pergunta do início do texto, Tintim levou 25 anos, desde a publicação original do último álbum, para aportar no Brasil - o que é no mínimo estranho, considerando o sucesso que o dono do Milou teve na Europa ao longo de décadas. Agora que são os editores franceses de olho no mercado brasileiro, e não só os editores daqui garimpando material por lá, é possível que a situação mude e o intercâmbio de quadrinhos Europa-Brasil tome novo rumo.

Intercâmbio, aliás, no melhor dos sentidos. Assim como a potência dos quadrinhos americanos criou uma geração de ótimos desenhistas de super-heróis por aqui, por que não uma leva de brasileiros publicando na Europa? Já temos Ricardo Manhães, Léo, Wander Antunes e José Aguiar que atuam ou atuaram no mercado franco-belga, assim como material "para exportação", como Cachalote. Este novo interesse dos franceses em publicar no Brasil pode gerar esta contrapartida.

E viva o ufanismo: já temos vários Eisners, agora é hora de conquistar Angoulême.

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