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Frank Miller é um fascista nos quadrinhos&qt&

Frank Miller é um fascista nos quadrinhos&qt&

01.03.2002, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H32
Os dias que antecederam o lançamento de Batman – o cavaleiro das trevas 2 nos Estados Unidos e aqui no Brasil foram de grande agitação no mundo dos quadrinhos. Afinal, não era para menos. Estamos falando da seqüência de Batman – o cavaleiro das trevas, a maior história de Homem-Morcego de todos os tempos. Nela, o roteirista e desenhista Frank Miller retratou o herói como nunca antes: um velho exaurido e amargurado que rejuvenesce e faz as pazes com a vida assim que volta a trajar seu uniforme e detonar vilões como Duas-Caras e Coringa.

Além de uma exuberante aventura, a trama acertou na mosca ao introduzir contestação política e crítica social no mundo bidimensional dos super-heróis. A administração de Ronald Reagan, o presidente dos Estados Unidos na época, não foi poupada e o Super-Homem despontou como um agente fiel do imperialismo americano. A televisão foi alvo de contundentes ataques por parte do autor da mini-série. Mais do que nunca ópio do povo, a tela pequena aparecia destituída de qualquer ética, preocupada apenas com o impacto e o estardalhaço. Preferindo a imagem vazia ao conteúdo, os noticiários sensacionalistas revelavam ter compromisso apenas com os índices de audiência e jamais com qualquer obrigação jornalística. Não chegou a surpreender que, em dado momento da história, o criminosos conhecidos como Mutantes passassem sem escala, para a condição de queridinhos da mídia como os Bat-Boys.

O cavaleiro das trevas - o volume I - é um marco. Sugiro a quem não conhece a mini-série, que a leia. E quem já conhece, que a visite novamente. É forçoso reconhecer que ela continua atual como nunca e seu autor merece figurar no panteão das HQs. No entanto, astro ou não, o criador da perigosa ninja Elektra pode ser alvo de rigoroso escrutínio e suas tendências políticas merecem ser ponderadas. Assim sendo, é pertinente indagar:

Seria Frank Miller um fascista enrustido&qt;&

Para responder à pergunta, vale a pena destacar alguns momentos relevantes de sua carreira.

O romance gráfico Ronin, seu primeiro projeto de ponta para a DC Comics, expressava sua adoração à mitologia e aos costumes japoneses. No entanto, nem por isso, deixava de soar como um manifesto contra o corporativismo nipônico, que ameaçava a América dos anos 80.

No próprio O cavaleiro das trevas Vol. I, ainda que criticasse Reagan, Miller não disfarçava rezar pela cartilha do “American Way”. Isso, no entanto, há quem diga, é mais do que justificável. Ele fazia parte de um povo, e o sentimento geral deste povo era o medo. Como artista, apenas retratou o que pulsava na massa. Será&qt;&

Só mesmo tendo por base o nacionalismo e a xenofobia – “sintomas” iniciais de uma sociedade fascista – para encontrar justificativa em tal postura. “A valorização fascista da nação é inevitavelmente retórica”, diz Leandro Konder em Introdução ao fascismo, “precisa ser agressiva, recorrer a uma ênfase feroz para disfarçar o seu vazio e tende a menoscabar os valores das outras nações e da humanidade em geral”.

GRÉCIA AUTORITÁRIA

300 de Esparta é outro marco nos quadrinhos bastante emblemático das posturas políticas de Miller. Escolhendo os espartanos como heróis, mais uma vez, ele enuncia suas vertentes direitistas. Na antiguidade grega, Esparta era uma cidade-estado totalitária e expansionista. Ostentava moldes não exatamente fascistas, mas muito próximos. Seus habitantes foram retratados pelo autor como salvadores da Grécia. A história, entretanto, não foi bem essa. A importância de Atenas foi tão grande ou maior. Afinal, foram os atenienses que venceram a Batalha marítima de Salamina. Toda a pesquisa que Frank Miller fez para embasar este gibi poderia ser acrescida de um volume de História do Heródoto. E não custava ter lido Tucídides. Ele veria que nenhum conflito é tão simplista assim.

Nos últimos tempos, Frank Miller andou se dedicando à sua série Sin City, composta de diversos contos noir. Em todos os episódios, o que se destacou foi a arte, um pujante e vigoroso preto e branco, que empregou criativas técnicas de luz e sombra. Não houve, porém, brilhantismo algum no roteiro. Assim, é de se pensar que nenhuma referência fascista deu as caras por lá, certo&qt;& Errado.

Mesmo de leve, Miller adiciona uma ou outra suástica na paisagem; algumas invertidas como o símbolo de boa fortuna budista empregado nas estrelas ninjas da assassina Miho; outras, direitas e presentes nos adereços das prostitutas da cidade.

LÍDER CARISMÁTICO

Agora Frank Miller volta à grande mídia com Batman – o cavaleiro das trevas 2. E faz isto com pompa, circunstância e estardalhaço. Em uma convenção de quadrinhos da qual participou, proferiu um inflamado discurso contra a revista Wizard. Para ele, a publicação vulgarizava os leitores e transformava-os em meros “fanboys” dispostos a idolatrar qualquer lixo comercial que viesse embalado pelo nome pomposo de um desenhista convidado, uma capa cintilante, um adesivo metalizado ou um pôster chamativo.

Não terá sido este discurso muito semelhante ao de fascistas históricos&qt;& “Não liguem para o que vão falar de mim! (já aguardando talvez críticas ruins de DK2) Eles são o inimigo! Vejam como transformam obras de arte em ‘picks of the week’! Eu sou o bom!”, etc etc etc. Seu protesto fez-se ouvir encharcado de paixão. Até rasgou uma Wizard e jogou num balde de lixo. Seu gesto foi ovacionado por uma platéia empolgada.

Talvez tudo não tenha passado de um golpe de marketing, mas, ainda assim, sua atitude denuncia uma certa insegurança. Será que o renomado autor não estaria se valendo de sua imagem ilibada para posar de salvador da mídia&qt;& Não era exatamente assim que agiam os líderes fascistas do passado&qt;&

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Pois bem. Voltemos ao Batman. O traço de Miller carregou nas tintas direitistas da personagem, Este mesmo matiz é copiado até hoje à exaustão por uma horda de escritores destituídos de qualquer mérito. A ideologia do Homem-Morcego do famoso quadrinhista renderia um proverbial Mein Kampf. Por mais que defenda a Justiça, o herói das ruas ermas de Gotham jamais se preocupa em recuperar o criminoso. Há apenas a intenção inabalável de destruir tudo aquilo que se oponha à sua utopia.

A punição ao malfeitor, levada ao extremo do sado-masoquismo no confronto final com o Coringa, em O cavaleiro das trevas vol. I nº 3 também tem conotações fascistas. Eis aí a efetiva manutenção dos privilégios que conta menos com o raciocínio lógico do que com a força repressiva. Na cartilha da Batcaverna, importa mais, para aquele que encarcera, que os guardas da prisão sejam eficazes na sua ostensiva vigilância e as celas disponham de grades sólidas do que persuadir penitenciário de que o crime não compensa.

Antes de concluir, vale lembrar a cena em que Bruce Wayne, disfarçado de velha luta contra neo-nazistas. A seqüência é aberta a interpretações. A que prefiro é a de que Batman não poderia lutar contra “camaradas”. Mas Bruce Wayne sim. Ele é a versão light desta dupla personalidade que ainda luta pela Justiça, diferente do mascarado, imerso em ideologias políticas.

A utopia do Cruzado de Capa concretiza-se agora, com o lançamento de Batman – o cavaleiro das trevas 2. Mais uma vez o envelhecido Homem-Morcego do primeiro volume de quinze anos atrás entra em ação. Desta vez, porém, conta com um exército próprio. Só Deus sabe o que Frank Miller reservou para nós. Um pouco de crítica ao imperialismo americano, talvez, mas, não há dúvida de que sua personagem é tão autoritário ou mais do que o regime que condena.

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