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Publicações representam um marco histórico do reconhecimento dos quadrinhos como arte

08.07.2007, às 00H00.
Atualizada em 18.03.2017, ÀS 01H04

AN ANTHOLOGY OF GRAPHIC FICTION, CARTOONS AND TRUE STORIES e THE BEST AMERICAN COMICS 2006

No ano passado, saíram dois livrões nos EUA que podem ser um marco histórico do reconhecimento dos quadrinhos como arte: An Anthology of Graphic Fiction, Cartoons and True Stories e o primeiro volume da série anual The Best American Comics. Os dois reúnem grande parte do que as HQs americanas, como forma, já fizeram de melhor.

THE BEST AMERICAN COMICS 2006

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THE BEST AMERICAN COMICS 2006

AN ANTHOLOGY OF GRAPHIC FICTION

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AN ANTHOLOGY OF GRAPHIC FICTION

The Best American Comics 2006 é parte da linha da editora Houghton-Mifflin que reúne as melhores produções textuais por gênero a cada ano (as melhores reportagens, as melhores histórias de suspense, de terror, policiais...). É a primeira vez que sai um volume dedicado a quadrinhos - e o de 2007 sai em breve. Já An Anthology of Graphic Fiction vem da privilegiada editora da Yale University, uma das maiores dos EUA, que dá atenção às HQs pela primeira vez.

Ambos são editados por pequenas estrelas do universo indie dos gibis: Ivan Brunetti, cartunista e professor de cartunismo, colocou em Anthology HQs curtas de várias décadas que, nas suas palavras, "aprecio e releio com freqüência"; e o responsável por escolher uma fatia representativa do que se produziu de melhor entre 2004 e 2005 é Harvey Pekar, o rabugento autor de American Splendor (após uma pré-seleção feita pela editora Anne Elizabeth Moore).

O propósito da edição de Pekar já está aparente no título. O livro reúne trabalhos recentes de figuras já estabelecidas, como Joe Sacco (Palestina), Chris Ware (Jimmy Corrigan), Jamie Hernandez (Love & Rockets), Gilbert Shelton (Freak Brothers) e Robert Crumb, e de outros que começam a conquistar o público, como Alison Bechdel (Fun Home) e Anders Nilsen (Dogs and Water). Super-heróis (fora a paródia de Joel Priddy) ficam de fora, da mesma forma que toda antologia séria de literatura não coloca Dan Brown ou Paulo Coelho no meio.

Há trabalhos que fazem o volume valer a pena, como os de Ware, Priddy e Rebecca Dart. Ware, por exemplo, conta a história dos quadrinhos em duas páginas abarrotadas. Dart, de quem eu nunca tinha ouvido falar, explora a página de uma forma inédita - a narrativa se expande e contrai em progressão geométrica para você acompanhar até sete linhas de acontecimentos ao mesmo tempo (não dá para explicar em palavras, então veja. São trabalhos geniais. Há alguns que são trechos de graphic novels, que parecem meio perdidos devido ao recorte - caso de Nilsen, Alex Robinson e Jessica Abel. E há aqueles que você não sabe por que estão ocupando espaço, sendo fracos ou simplesmente feios. Mas se o propósito é representar a variedade de expressões nas HQs, dá para aceitar.

Se bem que representar a variedade é o propósito de Anthology of Graphic Fiction. Como Brunetti explica na introdução, o interessante dos quadrinhos é que o traço do autor cria um ambiente - ou um "vocabulário visual", como ele prefere - de onde o leitor tira regras ou guias sobre como o mundo será representado, ou como a história será contada. Desta forma, ele tenta ser o mais plural possível ao selecionar seus autores: cada um traz um estilo totalmente diverso do anterior.

O antropomorfismo de James Kochalka e Art Spiegelman (em trecho de Maus) contrasta com as formas exageradas de Lynda Barry. O delicado nanquim figurativo de Jaime Hernandez em Flies on the Ceiling (talvez a melhor história do volume) não tem nada a ver com os rabiscos expressionistas de Ben Katchor. O surrealismo de Charles Burns não é o mesmo surrealismo de Jim Woodring. E por aí vai. Brunetti não tem a mesma limitação de tempo que Pekar, portanto pode buscar material como as xilogravuras de Frans Masereel em 1919 e contrastá-las com o trabalho mais recente de Chris Ware, Building Stories. Além disso, não é nada sutil em retratar a influência de Charles Schulz e seus Peanuts em muitos cartunistas.

Enfim, são livrões dos quais você poderia ficar falando por horas, mas que não têm muito significado se você não puder ver e folhar (pelo menos clique nos links) - afinal, HQs não são só texto. A importância deles, a meu ver, está em servirem como uma espécie de "festival dos quadrinhos".

Da mesma forma que o cinema tem Cannes e Sundance, e a música tem de Montreux ao Lollapalooza, os quadrinhos estavam precisando de algo deste tipo para colocar várias pessoas, ao mesmo tempo, em contato com o que a mídia está produzindo. E nos quadrinhos, como na literatura, não dá para você reunir várias pessoas e forçá-las a sentarem lado a lado para ficar lendo - no máximo você faz uma feira onde todos podem comprar a mesma coisa, o que não quer dizer que vão ter uma experiência coletiva da arte. Estas antologias são o mais próximo que se pode chegar disto, pois nelas reúnem-se os expoentes do meio que antes, se você quisesse ler em conjunto, teria que catar em centenas de revistas e álbuns. É este trabalho de juntar as coisas para apresentar ao público que estava faltando, e que pode ser decisivo para mudar a percepção das HQs.

A editora Fantagraphics, uma das líderes neste segmento dos quadrinhos-arte, está lançando em breve sua "autobiografia" com o sugestivo título Comics As Art: We Told You So. Dá para traduzir como "Quadrinhos são Arte: A Gente Avisou". É a An Anthology of Graphic Fiction e a Best American Comics que eles estão se referindo.

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