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Martin Mystère - O detetive do impossível

Martin Mystère - O detetive do impossível

10.07.2003, às 00H00.
Atualizada em 07.11.2016, ÀS 16H03

Ele completou vinte anos de publicação ininterrupta em abril de 2002. De uma certa forma, pode-se dizer que já atingiu a maioridade. Não que isso faça muita diferença. Desde o seu início, ele já se apresentava praticamente completo. Pouco parece ter se modificado nestas duas décadas de vida. Continua enfrentando os mesmos homens de negro, sobre os quais ainda muitas coisas restam a ser esclarecidas. Continua sofrendo os efeitos do ciúme doentio de sua noiva, uma mulher possessiva e sempre desconfiada de que as façanhas por ele vividas envolvem muito mais que o gosto pelo mistério e o fascínio pelo desconhecido. Continua acompanhado do mesmo companheiro animalesco com o qual começou sua primeira aventura nos quadrinhos e do qual muitas vezes dependeu para um retorno seguro a seu escritório, no número 3 da Washington Mews, na cidade de Nova Iorque.

Mais que tudo, no entanto, ele continua fascinando milhares de leitores de histórias em quadrinhos em seu país de origem e em outros onde é publicado, que não se cansam de buscar em suas tramas, mês a mês, maciças doses de entretenimento, de informações variadas e de emoções de todos os tipos. E tudo isso ele tem de sobra, trazendo-os até mesmo no próprio nome. Pois ele se chama Mystère. Martin Mystère.

Antropólogo aventureiro

Criado em 1982 por Alfredo Castelli, já então um experiente roteirista de quadrinhos, com uma atuação destacada na indústria italiana, tendo elaborado roteiros para revistas como Tiramolla, Diabolik, Topolino, Zagor, Mister No e Corriere dei ragazzi, entre outras, Martin Mystère recuperou para os quadrinhos a pujança do tradicional trio de personagens que caracterizou muitas séries famosas, como Flash Gordon, Buck Rogers e Brick Bradford. No caso de Mystère, no entanto, o protagonista acumula as funções de gênio e herói: ele é professor e pesquisador, um antropólogo de fama internacional, que, tal como o cinematográfico Indiana Jones, não se satisfaz em analisar seu objeto de estudo no conforto de seu escritório mas mergulha de corpo e alma na busca dos mistérios com eles relacionados, vivendo epopéias nos mais pitorescos locais e enfrentando perigos de todos os tipos. Ao seu lado, o fiel companheiro Java, um homem de Neanderthal que ele encontrou em uma de suas aventuras (A cidade das sombras diáfanas, publicada no Brasil pela Editora Record, na revista Os grandes enigmas de martin mystère 4, de fevereiro de 1991) e sua eterna noiva Diana Lombard, a quem ele tem dedicação e carinho surpreendentes.

A idealização gráfica da personagem ficou a cargo do desenhista Giancarlo Alessandrini, também ele já possuidor de vasta experiência na ilustração de histórias em quadrinhos quando passou a se dedicar a Martin Mystère, o que talvez o tenha levado a retratá-lo como um Brick Bradford quarentão. Nos anos seguintes, Alessandrini foi responsável pela parte gráfica de um bom número de episódios de Mystère e pelas capas das revistas; nas histórias, revezou com desenhistas consagrados, como Claudio Villa, Gaspare e Caetano Cassaro, Gino Vercelli e Angelo Maria Ricci, entre outros. Alfredo Castelli, por outro lado, reinou quase absoluto nos roteiros durante estas duas décadas de vida de sua criação mais famosa, responsabilizando-se pela maioria das histórias e revezando-se, poucas vezes ao ano e geralmente em números especiais, com autores como Pierfrancesco Prosperi, Tiziano Sclavi e Alessandro Chiarolla.

Publicadas pela Editora Bonelli, a maior casa editora de quadrinhos na Itália, responsável por personagens de grande sucesso como Tex, Zagor e Dylan Dog, as aventuras do também chamado Detetive do Impossível agradaram em cheio ao público de seu país. Em pouco tempo, além da série regular, o herói deu também origem a várias outras publicações, como Martin Mystère special (anual), Martin Mystère gigante (anual/outono) e Martin Mystère: almanacco del mistero (anual/inverno), para citarmos apenas algumas. A republicação da série original, intitulada como Tutto Mystère (que, no Brasil, seria algo como Martin Mystère coleção) foi iniciada em dezembro de 1992. Atualmente, além de ser publicada em vários outros países além da Itália, um desenho animado com a personagem e seus companheiros de ação, em quarenta episódios e contando com um orçamento de 11,2 milhões de Euros, encontra-se em produção pela Marathon Animation, dirigido por Stéphane Berry.

Ação e conhecimento

As histórias de Martin Mystère são especialmente criativas, abordando temáticas as mais variadas e passeando pela literatura, história, geografia, antropologia e sociologia. Cada episódio é uma preciosa fonte de informações dos mais diversos tipos, pois, além de um grande contador de histórias, Alfredo Castelli é um homem muito culto e com interesses diversificados pelas mais diferentes áreas do conhecimento, estando sempre preocupado em detalhar fatos e acontecimentos, dando-lhes o necessário suporte de credibilidade e fundamentação científica. Isto faz com que, muitas vezes, o ritmo das histórias seja um pouco mais lento do que o das aventuras dos super-heróis norte-americanos. Às vezes, a trama é até mesmo interrompida por páginas e páginas de explicações ou narrações históricas, o que talvez possa afastar alguns leitores ainda não acostumados com este gênero de quadrinhos. No entanto, passado o primeiro estranhamento com o ritmo das histórias, a maioria dos leitores acaba concluindo que a persistência valeu a pena, tamanha a quantidade de conhecimento adquirido pela leitura de Martin Mystère, cujas histórias estão sempre baseadas em elementos circunstanciadamente pesquisados e oferecidos aos leitores de uma forma agradável e interessante.

Mistério no Brasil

Durante as décadas de 80 e 90, a personagem foi publicada no Brasil pelas editoras Rio Gráfica (treze números, de novembro de 1986 a fevereiro de 1988) e Record (dezessete números, de novembro de 1990 a outubro de 1992, além de uma edição especial co-estrelada por Dylan Dog) e Globo (no especial Fumetti: O melhor dos quadrinhos italianos, em 1993). Atualmente, as andanças de Martin Mystère são publicadas mensalmente pela Mythos Editora, em preto e branco, no mesmo formato consagrado pelo caubói Tex no país.

Ao publicar o herói, a Mythos decidiu não se prender à ordem em que as histórias foram originalmente publicadas pela Bonelli italiana. Assim, os editores brasileiros selecionam, a partir da publicação original, aquelas tramas que entendem como mais interessantes e com maior capacidade de prender a atenção do leitor brasileiro. É uma medida inteligente em relação ao mercado nacional, pois garante que cheguem às mãos do leitor episódios com temáticas engenhosas e enredos mais envolventes. Assim, nos onze números de Martin Mystère publicados pela editora até junho de 2003, temas como a cultura cigana (n. 1), a cultura celta e a licantropia (n. 2 e 3), os deuses egípcios (n. 4 e 5), a máfia chinesa (n. 8 e 9), entre outros, foram magistralmente trabalhados. No entanto, ainda que tenha inegáveis méritos, a política editorial da Mythos pode, às vezes, confundir um pouco o leitor novato, devido à interligação entre as sagas de Mystère, nas quais personagens que já apareceram em números anteriores fazem novas aparições e referem-se a episódios passados, desconhecidos desses leitores. A revista teria muito maior valor agregado se, em cada número, fosse reservada uma página para as necessárias explicações e relações entre os episódios, localizando o leitor na trajetória das epopéias do Detetive do Impossível. O número 6 da atual série, por exemplo, que faz como que uma comemoração dos dez primeiros anos de sua carreira, seria muito mais atraente para o leitor iniciante se essa página introdutória a ele tivesse sido agregada.

Por outro lado, ainda que necessária, a falta dessa, digamos assim, introdução explicativa, não chega a comprometer seriamente o trabalho dos atuais editores. Em geral, a escolha por eles realizada é bastante sólida e concorre para abrilhantar a personagem aos olhos do leitor brasileiro. É o que acontece, especialmente, com o último número publicado, que aborda, de uma forma curiosa e intrigante, a realidade política e cultural da Irlanda do Norte, incursionando pelas diferenças ideológicas entre católicos e protestantes e passeando pelo mundo fictício de um dos maiores autores da literatura mundial, Johathan Swift, criador das Viagens de Gulliver, com bem dosados elementos de ficção científica. Ao final da leitura desta aventura de Martin Mystère, de autoria de Pierfrancesco Prosperi (roteiro) e Alessandro Chiarolla (desenhos), sabiamente intitulada Retorno a Lilliput, é quase irresistível a vontade de correr à prateleira da biblioteca mais próxima e buscar o livro de Swift, relembrando antigas e inesquecíveis sensações da infância...

Preto e branco

A revista Martin Mystère, acompanhando seu original italiano, é publicada em preto e branco. Infelizmente, isto representa um elemento pouco atraente para os leitores brasileiros, já acostumados com as cores berrantes das publicações de super-heróis (que muitas vezes, infelizmente, escondem uma arte e um enredo nem sempre merecedores de tão caprichada colorização...).

Esta pode ser, sem dúvida, uma pedra no sapato do herói intelectualizado criado por Alfredo Castelli, podendo comprometer sua continuidade no país. Mas vamos acreditar que os leitores de hoje têm maior senso crítico que os das décadas de 80 e 90 e sabem valorizar histórias que, além de simples escapismo e entretenimento, lhes trazem também grandes doses de conhecimento e cultura. E vamos também chamar a atenção de professores e educadores no país afora, que poderiam utilizar farta e proveitosamente as aventuras dessa personagem para uma transmissão muito mais interessante dos assuntos que ministram em suas salas de aula Desta forma, a continuidade de Martin Mystère estará assegurada no país, possibilitando que muito mais leitores se beneficiem de suas peripécias.

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