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Entrevista

Omelete entrevista: Luke Ross

Omelete entrevista: Luke Ross

14.05.2002, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H40


 HISTÓRICO


Nome verdadeiro: Luciano Queiroz



Data de nascimento: 18/ 07/ 1972 (São Paulo, SP)

Primeiro trabalho publicado: Turma do arrepio (Ed. Globo, 1991)

Estréia no mercado americano: Blood is The Harvest (Eclipse Comics, 1992)

Principais trabalhos: Spectacular Spider Man (Marvel, 1995 a 1998), Lost in Space (Innovation Comics, 1993), X-O Manowar (Valiant, depois Acclaim Comics, 1993), Justice League (DC Comics, 1994), Uncanny X-Men (1995), Gen13 (Image, 1996), X-Man (1998), American Century (DC, 2002)








Autores favoritos: Alan Moore, Frank Miller (menos em O cavaleiro das trevas 2), Garth Ennis, Chuck Dixon...

Quadrinhos favoritos: 100 Bullets (de Brian Azzarello e Eduardo Risso), Hellboy (de Mike Mignola), qualquer coisa da linha Americas Best Comics (criada por Alan Moore), Sin City (de Frank Miller)...


Depois de um começo de carreira desenhando os bonequinhos da Turma do Arrepio para o estúdio Sketch, Luciano Queiroz foi um dos muitos brasileiros que entrou no disputado mercado americano nos anos 90. Seguindo os passos de Otávio Cariello, Roger Cruz, Marcelo Campos e outros, foi agenciado pelo estúdio Art & Comics, adotou o pseudônimo de Luke Ross e começou a construir uma sólida carreira no mercado americano.

No momento, está desenhando algumas edições de American Century, título criado por Howard Chaykin para a linha Vertigo da DC Comics. Recentemente, fez também uma capa para a revista Avengers número 56. Para se dedicar melhor à sua antiga paixão, os quadrinhos, Luke deu um tempo no seu trabalho no estúdio-escola Impacto Quadrinhos, onde ministrou aulas de desenho.

Em entrevista exclusiva, Luke Ross fala sobre sua carreira e seu trabalho com um dos heróis mais populares dos quadrinhos.

(Omelete) Você começou a trabalhar com quadrinhos no Brasil numa época em que as revistas infantis dominavam as bancas. Quando e por que resolveu investir no sonho de desenhar quadrinhos de aventura?

Luke Ross Na verdade, comecei a trabalhar no estúdio de animação Sketch Filmes, que estava fazendo A turma do arrepio e era um grande sucesso, mas sempre curti um estilo mais adulto. E eu buscava aperfeiçoar meu desenho, especialmente a parte de animação. Minha idéia era aprender a dar movimento à figura e passar isso para os quadrinhos. Lá, o César Sandoval me convidou a estagiar na parte de quadrinhos. Quando comecei a trabalhar propriamente no setor de HQ, eu ajudava a estabelecer model-sheets [folhas-modelo, usadas como guias de estilo para desenhistas] de personagens, cores e fiz histórias curtas, chegando a coordenar partes da produção durante um tempo.

Na época, conheci o colorista Cláudio Tadashi. Ele era um grande colecionador de heróis e através dele conheci a livraria Devir. Isso foi em 1991. Aí, comecei a ter contato com o trabalho de Jim Lee e o pessoal que viria a formar depois a Image. Logo comecei a treinar com base no que estava aprendendo. Na época, eu acompanhava a coluna semanal do Franco de Rosa na Folha da Tarde e um dia li uma matéria falando sobre a atuação dos brasileiros no mercado americano, como Marcelo Campos, Watson Portela e outros. Dizia que a repercussão havia sido tão boa que estavam interessados em conhecer mais gente. Na mesma época, tirei uma licença médica na Sketch, usei o tempo pra preparar páginas de testes e levei ao Art & Comics, que estava agenciando brasileiros para o mercado americano.

(O) Entre o primeiro contato do seu agente com as editoras de lá e o primeiro trabalho houve muita negociação, testes ou adiamentos?

LR Uma semana depois, o Hélcio de Carvalho, diretor do Art & Comics, ia visitar as editoras e levou dez páginas de teste, sendo algumas com X-Men, outras com um projeto da Eclipse, e até com o Speed Racer. Depois que voltou, após visitar dezoito editoras, el disse que a Marvel tinha se interessado, mas não havia nada de concreto ainda. Saí da Sketch em seguida e estava procurando emprego, meio desiludido. Comecei a trabalhar fora da área como eletricista de instalações industriais na região do ABC, achando que desenhar não ia dar em nada. Três meses depois, o Hélcio me ligou e disse que tinha uma revista pra desenhar. Daí, consegui uma licença pra poder produzir uma edição de Blood is The Harvest. Quando vi que era uma mini-série e não uma edição solta, pedi demissão para me dedicar. Dei o sangue para produzir. Até então, o máximo que tinha feito eram onze páginas pra um fanzine. Mas vi que era o que eu amava e não queria fazer outra coisa.

(O) E então, o que veio depois disso?

LR Depois, resolvi tentar editoras paulistas e várias portas se abriram. Dentre elas, conheci a Editora Vidente, do Gilberto Firmino, onde produzi material erótico, fazendo roteiro em algumas, lápis e arte-final em outras, um pouco de tudo. E desenhar muita gente pelada nessa época me ajudou a praticar anatomia. (risos) Depois de quase um ano, o meu desenho tinha melhorado e voltei à Innovation, fazendo Quantum Leap [Contratempos] e depois Lost in Space [Perdidos no espaço].

(O) E sobre a propalada estratégia de mercado em adotar um pseudônimo que ocultasse sua origem latina? Isso existiu mesmo ou é lenda? Eduardo Barreto e José Luis Garcia Lopez nunca usaram desse recurso.

LR Eu já assinava Luque em fanzines. Rolou um comentário na época de que os artistas (e não os leitores) tinham alguma discriminação contra quadrinhistas estrangeiros. O contato americano sugeriu mesmo que alguns adotassem pseudônimo. Eu queria assinar Luque ou usar meu nome verdadeiro, mas na primeira edição de Blood is The Harvest, saiu Luiciano Pueroz, na segunda, Quieroz. Depois dessa confusão, eu já achava que tinha que adotar um nome curto e adaptei Luque para Luke, acrescentando o Ross, que é quase um resgate sonoro do meu nome. Acabei parecendo o mais americano de todos.

(O) Como foi o processo para você chegar ao cargo de desenhista regular do Aranha?

LR Bom, eu tive um contato com a Marvel fazendo umas histórias curtas tipo fill-in [tapa-buracos] em Uncanny X-Men e X-Men, alguma coisa pra Thor e outros. Na época, saiu Sensational Spider Man 7, que marcou a saída de Dan Jurgens e a entrada de Mike Wieringo no título. Fiz um fill-in do Spider-Man com todo o carinho e cuidado. Por sorte, o Sal Buscema estava saindo de outra revista do Aranha, a Spectacular Spider Man, e o editor Ralph Macchio [não é o Karate Kid] me fez o convite para assumir o lápis da revista a partir do número 239.

(O) O relacionamento com Ralph Macchio e os arte-finalistas (Dan Green, primariamente) foi bom? Havia algum contato entre vocês no decorrer da produção das histórias?

LR Havia contato só com o roteirista J.M. DeMatteis. Sempre que ele queria comentar algo, anotava junto com o roteiro.

(O) Existia algum guia de personagem ou alguma restrição sobre como você deveria ou não desenhá-lo?

LR No começo, não. Depois da saga do clone, John Romita Jr., fez um model-sheet das personagens e passaram aos desenhistas. Uns seguiram, outros não. A coisa não pegou e cada um fez do seu jeito, como era antes.

(O) E como você recebia o roteiro para ser desenhado?

LR Recebia na forma de plot [um resumo da história], com algo em torno de umas seis páginas. Trazia basicamente uma descrição da ação e, de vez em quando, algum diálogo marcado. Depois que eu desenhava as páginas, enviava de volta ao DeMatteis para ele incluir os diálogos. Depois, a Marvel começou a adotar a política de pedir a todos os desenhistas que enviassem um lay-out [esboços] pra aprovação, a fim de evitar erros e desencontros na narrativa.

(O) E os prazos? Como eram estabelecidos, do momento em que chegava o roteiro até o envio do material para os Estados Unidos?

LR Chegando o plot, eu tinha quatro semanas para fazer tudo e ia enviando cinco ou seis por semana pelo correio. Se o roteiro atrasava, meu prazo diminuía.

(O) Havia um contraste, bastante comentado pelos leitores, entre seu estilo de desenho - com influências de Todd McFarlane e mangá - e os roteiros por vezes sombrios e psicológicos de J.M. DeMatteis. Você acha que a arte era sempre compatível com a atmosfera do roteiro? Chegou a conversar alguma vez sobre isso com DeMatteis?

LR Eu não tinha muito acompanhamento nem do editor, nem do roteirista. Liguei uma vez para o J.M. e ele disse que se sentia à vontade com meu estilo. Uma outra resposta que tive por parte do editor, apesar da proposta da revista ser o de mostrar um lado mais sombrio do Aranha, foi que, embora meu estilo fosse mais cartoon, era bom do ponto de vista das expressões das personagens. Ele achava válido um estilo que realçasse a expressividade. E em algumas edições, J.M. usou humor, com personagens baseadas em Alice no País das Maravilhas.

(O) Muitas vezes um roteirista cria ou adapta situações de acordo com o que ele conhece sobre o estilo ou habilidades do desenhista. Sabe se DeMatteis pensava nisso ao escrever para você?

LR Na primeira vez em que ele me mandou um roteiro com chuva, desenhei baseado no Spirit, de Will Eisner. Ele gostou tanto que a chuva durou quase um ano. (risos)

(O) Na produção das capas, você encaminhava esboços diferentes para o editor escolher a melhor cena, era algo combinado com DeMatteis ou você tinha liberdade pra decidir a capa?

LR Era tratado com o editor e eu mandava até quatro propostas por capa. Era raro aprovar a primeira idéia para a capa.

(O) Contando todo o tempo em que desenhou o Aranha, alguma história chamou mais sua atenção ou teve mais impacto sobre você?

LR A que mais chamou a minha atenção foi a Minus One (# -1), uma edição que mostrou a infância de Peter e seus amigos, como o problemático Flash Thompson. Era uma história que o Aranha não aparecia e o lado humano foi bem explorado.

(O) Você desenhou algumas edições de X-Man num período em que havia algumas brigas entre a Marvel e Roger Cruz, ex-desenhista da série. Como foi esse período?

LR Nunca me transpareceram qualquer clima ruim, mas, depois de uns meses no título, eu comecei a ficar meio chateado, porque, nessa época, tive quatro editores diferentes e nunca era avisado das mudanças. Isso atrasou o envio de roteiros e de pagamentos. A Marvel estava ameaçada de falência na época (1998) e tudo estava meio confuso.

(O) Você tem feito diversas capas para as publicações da Mythos Editora, principalmente da DC Comics. Como se iniciou este trabalho?

LR Esse trabalho veio depois que procurei o Hélcio no fim de 2001. Eu tinha feito pouca coisa ligada à HQ nos últimos três anos, produzindo bastante para publicidade e ilustração com o pessoal da Impacto Quadrinhos. Nesse tempo, aprendi a usar o computador e me atualizei. E resolvi adaptar tudo isso ao meu trabalho. O Hélcio, que está na Mythos, viu meu trabalho atual e daí começaram a aparecer as capas, onde faço a arte completa, do lápis à colorização.

(O) Por que às vezes você (ou a Mythos) prefere redesenhar as capas originais ao invés de criar novas composições?

LR Isso foi pedido pela Panini e pela Mythos, numa condição imposta pelos editores italianos. Não me sinto à vontade, salvo em homenagens claras a algum autor. Depois comecei a me libertar disso, fazendo coisas diferentes, mas não estou me dedicando a este trabalho no momento.

(O) Finalizando, como você resume a experiência de ter trabalhado com o Homem-Aranha, um herói que já era popular e que agora, com o cinema, torna-se um ícone pop mundial?

LR Eu já curtia o Aranha. Foi o primeiro quadrinho que li. Minha mãe comprava para mim e lembro que tinha alguma coisa feita pelo Ross Andru e pelo John Romita. Foi o primeiro herói que aprendi a gostar, e sempre guardei um carinho especial por ele. Quando tive a oportunidade, foi um sonho realizado. Quando comecei a me profissionalizar, jamais imaginava trabalhar para o mercado americano. Mesmo depois de começar, ir pra Marvel ainda parecia impossível, tanto quanto chegar lá e fazer o Homem-Aranha. E trabalhar com o Aranha foi dos grandes sonhos que realizei.

O Omelete agradece a Luke Ross pela entrevista!

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