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Crítica

Sequence Shot | Crítica

Trabalho autoral de Greg Tocchini é aula de narrativa e cor

09.04.2013, às 18H30.
Atualizada em 14.03.2017, ÀS 13H47

Embora a gente tenha a tendência a prestar atenção somente nos nomes de roteirista e desenhista, fica cada vez mais patente a importância do colorista nas histórias em quadrinhos mainstream. Nos EUA, o colorista passou décadas sendo o cara da produção (ou seja, não da "criação"), geralmente no estúdio interno da editora, que "acrescentava" cores aos desenhos e só era notado quando errava no uniforme do Homem-Aranha.

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Já faz uns 20 anos, principalmente depois da Image surgir e decretar o fim das cores majoritariamente chapadas nos gibis, que a coisa mudou. Se colorir no computador era dar um clique para toda uma área em branco virar azul, por que não se deter mais uns minutos nesse azul para criar volume, sombra, reflexos e outros aspectos que fechem com o nível de realismo ou estilização que o desenho pede?

Entre muitos excessos e muitos acertos, a cor no quadrinho está mais forte do que nunca como elemento narrativo - e o nome do colorista, um elemento de marketing. O que nos leva à valise vermelha de Sequence Shot.

A valise vermelha é o personagem principal das 23 páginas da trama criada pelo brasileiro Greg Tocchini. O roteiro é divertido, a narrativa é profissional, o desenho tem uma expressão individual. Mas a forma como o vermelho da valise se destaca em todos os quadros - inclusive quando a cena tem cores predominantemente quentes - é um dos triunfos de Tocchini ao projetar a história.

Como em bom filme de pilantragem, a valise tem algo que muita gente quer. Na curtíssima trama, essa gente se agarra à valise, provoca acidentes por causa da valise, seduz e se apaixona por causa da valise, engana os outros por causa da valise e, óbvio, mata e morre por causa da valise. Tudo em 23 páginas.

Além do limite de espaço e da concentração constante na valise, Tocchini impôs-se mais limites: como diz o nome da HQ, é um plano sequência, um curta-metragem que poderia ser rodado sem cortes (se o cameraman for atletista). Todas as páginas têm quatro quadros horizontais, para reforçar o aspecto filmesco. Com exceção do "Bang" que um personagem pronuncia no começo, não há fala alguma (há quatro onomatopeias e três balões de fala com imagens).

Há vários precedentes para o experimento de Tocchini: "Here" - famosa história de Richard Mcguire que fica sempre focada num canto de sala -, aquela HQ curtinha do Justiceiro pelo Joe Quesada onde todos os quadros são da perspectiva da boca de um criminoso, outras brincadeiras de Will Eisner, Alan Mooree outros. 3", álbum recente do francês Marc-Antoine Mathieu, contou a trajetória milimétrica de uma bala de revólver que atravessa a cidade em três segundos (e 72 páginas).

Estes e outros experimentos são, acima de tudo, belos exercícios para dominar as possibilidades narrativas dos quadrinhos. Para o quadrinista, também rende um belo portfólio (Tocchini, mesmo que já tenha produzido bastante para Marvel, DC, Image etc., saca que um gibi sem texto tem público em qualquer convenção do mundo). Para os leitores, fica de aula sobre narrativa, desenho, cor, limites e criatividade. E que bela aula de quadrinhos.

(Com produção solo de Tocchini e tiragem de apenas 500 exemplares, a venda de Sequence Shot também é artesanal: encomendas pelo e-mail deadhamstercomics@gmail.com)

Nota do Crítico
Bom

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