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O Agente da UNCLE | Lembra Desse?

Era para ser uma versão light de James Bond, um 007 para a TV, mas acabou sendo uma das séries mais importantes

08.09.2015, às 12H15.

Solo é um gângster. Não, esse não é um spoiler do longa com Henry Cavill e Armie Hammer. Esse Solo é parte do time dos bandidos em 007 Contra Goldfinger, o sétimo livro da série James Bond, mas isso não impediu que Ian Fleming usasse o mesmo sobrenome quando se envolveu na criação de O Agente da UNCLE nos anos 1960.

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A ideia de um seriado de espiões para a TV surgiu com Norman Felton. Nascido na Inglaterra, Felton imigrou para os Estados Unidos com os pais e abandonou o ensino médio para trabalhar como motorista de caminhão. Quis a sorte que ele encontrasse um dia o diretor de uma pequena companhia de teatro que se interessou por seu sotaque britânico e o convidou para participar das peças. Começava ali a carreira de Felton primeiro como roteirista e, após um retorno aos estudos e passagens por vários grupos de teatro e pelo rádio, uma carreira em um negócio ainda iniciante, a TV. Na nova mídia, Felton assumiu a direção do programa Robert Montgomery Presents, com o qual ganhou um Emmy em 1952, passando depois a produtor executivo da CBS. Em 1961, Felton assumiu o cargo de diretor de filmes para a TV na Metro-Goldwyn-Meyer, onde produziu, entre outros, The Eleventh Hour, O Tenente (The Lieutenant) e Dr. Kildare.

Foi em busca do próximo projeto durante o sucesso de Dr. Kildare, que Felton analisou o sucesso das histórias de espionagem, em especial os filmes de Alfred Hitchcock em que pessoas comuns acabavam envolvidas no jogo de espiões, como acontece em  Intriga Internacional (North by Northwest). No longa de 1959 estrelado por Cary Grant, um executivo de marketing é confundido com um agente do governo por um grupo de espiões estrangeiros e acaba tendo de fugir não só deles como também da polícia quando é implicado em um assassinato. A ideia de que esse era o caminho a seguir havia surgido na verdade na Inglaterra, para onde Felton havia viajado para um encontro com executivos da TV britânica para tentar vender The Eleventh Hour. Em uma das reuniões, uma mulher questionou Felton, perguntando porque todos os heróis dos programas americanos eram homens grandalhões, quando havia pessoas de outros tipos no mundo. Dois anos depois do comentário da funcionária da TV britânica, a ideia de que era hora de dar ao público um herói diferente dos médicos, advogados e outros profissionais que vinham estrelando os programas de TV e também a necessidade de criar programas com apelo de vendas para outros países confirmaram que uma série de espionagem era o caminho a seguir.

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Mas a ligação de Ian Fleming com a nova série não veio de James Bond, mas de Cidades Fascinantes (Thrilling Cities), livro de viagens do autor de 007 com dicas sobre onde comer e beber em vários lugares do mundo. Baseado nas experiências de Fleming como jornalista e agente do governo britânico, o livro foi entregue a Felton por seu agente, Ted Ashley, como provável fonte para uma série em preparação para um encontro com Jack Ball, publicitário e representante da Ford Motors, interessada em patrocinar o novo programa. O livro acabou não sendo material para uma série, mas serviu de ponto de partida para Felton apresentar a ideia de um programa que desse ao público o mesmo senso de aventura e viagens pelo mundo. Para testar a ideia durante o encontro em um café da manhã, Felton disse a Ball e Ashley que o homem na mesa ao lado era na verdade um canadense a serviço do Secretário Geral das Nações Unidas, criando um retrato detalhado do personagem e das missões que ele executava em todo o mundo. Interessado, Ball indicou os livros da série James Bond e sugeriu um encontro entre Felton e Ian Fleming.

A reunião entre o produtor e o criador de James Bond aconteceu em Nova York no final de outubro de 1962 e se transformou numa série de conversas com data de validade, já que Fleming tinha de voltar à Inglaterra. No dia 30, data do voo de retorno de Fleming, Felton apresentou seu conceito para a série. Em resposta, Fleming apresentou suas notas sobre Napoleon Solo, um canadense colecionador de moedas e bandanas, que sempre vestia terno azul escuro, camisa branca e gravata preta, tinha um quarto cheio de livros e não era um super-herói. Bom atirador e lutador de judô, Solo era solteiro, cozinhava as próprias refeições e tinha uma empregada escocesa, irlandesa ou alemã que cuidava de seu apartamento, elemento que Fleming considerava útil para dar ao público informações sobre o passado do agente. Visto por seus vizinhos como um escritor, Solo dirigia um carro esporte, mantido por um mecânico amigo, tinha contatos no FBI, na agência de detetives Pinkerton e com um bibliotecário, cujo conhecimento enciclopédico ajudava na solução dos casos. Discreto, mantinha uma atitude reservada, fruto da perda da esposa e do filho em um acidente prévio ao início da série, comportamento que Fleming considerava atraente para as mulheres. Em seu trabalho como agente secreto, Solo respondia a um misterioso "Ele", que tinha uma secretaria chamada April Dancer.

Além do protagonista e seus relacionamentos próximos, Fleming indicou também alguns enredos adequados a uma aventura, como um caso de tráfico de drogas em Istambul e outro de comércio ilegal de armas entre a Alemanha Oriental e um país africano. O objetivo era produzir uma série destinada ao público que gostava de ação com um toque de humor, lances perigosos e mulheres bonitas.  Algo, enfim, muito parecido com James Bond, o que acabou causando conflito com os produtores dos filmes sobre 007 e forçando a saída de Fleming do projeto. Ficaram o nome do personagem, a aventura internacional e April Dancer.

Antes mesmo da saída de Ian Fleming, Felton havia contratado o homem que seria responsável por vários elementos chave da série. Veterano de séries como Paladino do Oeste (Have Gun - Will Travel), Sam Rolfe expandiu a organização em que Napoleon Solo trabalhava e criou o nome UNCLE, que permitia confusão com as Nações Unidas (United Nations) e também com o Tio Sam (Uncle Sam), mesmo motivo que mais tarde forçou a criação de um significado para a sigla, transformando UNCLE  em United Network Command for Law and Enforcement. Veio também de Rolfe a ideia de que os agentes entrariam no quartel-general da organização por uma porta secreta em uma alfaiataria e a inclusão de um agente russo ao lado do protagonista. Embora hoje não passe de um detalhe no enredo, no auge da Guerra Fria a ideia era revolucionária e comparável a incluir um alienígena devorador de criancinhas entre os policiais de Law & Order.

Determinado a manter o conceito de que o protagonista não se enquadrasse no molde criticado pela executiva inglesa anos antes, Felton acabou recebendo uma ajuda inesperada para escalar o ator principal. Na época produtor de O Tenente, Gene Roddenberry ligou para resolver alguns problemas nas filmagens. A ligação serviu para lembrar Felton de que o programa não seria renovado, deixando o ator Robert Vaughn livre para ser Napoleon Solo. Ainda um personagem sem nome e sem importância além de marcar presença, o agente russo foi entregue a um ator inglês desconhecido nos Estados Unidos, David McCallum. Dois atores que haviam começado cedo, Vaughn aos 12 anos no teatro e McCallum aos 10 no rádio, eles em breve mudariam o conceito da série.

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Concebida para ter um ator principal, originalmente batizada de Ian Fleming's Solo, e apesar do título no singular, O Agente da UNCLE se transformou na história de uma dupla. Seguindo a ideia de um personagem fora do estereótipo, Vaughn não era muito alto; era bonito, mas não muito; charmoso, mas não um predador como 007. Visualmente jovem com seu corte de cabelo similar ao dos Beatles, embora já tivesse mais de 30 anos, McCallum transformou-se de uma figura decorativa em um ídolo jovem, com garotas berrando seu nome a cada aparição que os atores faziam promovendo o programa. Movida de um horário a outro durante a primeira temporada, produzida em preto e branco, a combinação de aventura, humor e o envolvimento de pessoas comuns nas tramas de espionagem ganhou o público, atingindo o auge da popularidade no início da segunda temporada, quando a série passou a ser produzida em cores.

Como sempre com séries dos anos 1960, a lista de participações especiais é interessante. Um episódio da primeira temporada, "The Project Strigas Affair" reúne William Shatner e Leonard Nimoy dois anos antes de serem escalados como Kirk e Spock em Star Trek. Objeto de desejo dos fãs de Batman, a futura Batgirl Yvonne Craig aparece em "The Brain-Killer Affair", também na primeira temporada, com a lista incluindo ainda Martin Landau, Jack Palance e também Cher e Bono.

Foi também durante o segundo ano que O Agente da UNCLE começou a perder público para uma novata, Batman, que com sua versão debochada do super-herói e balões de história em quadrinho explodindo na tela, sinalizou que o público gostava de enredos mais absurdos. Sem Sam Rolfe na equipe de produção, O Agente da UNCLE tornou-se cada vez mais uma paródia até ser cancelada na quarta temporada para se tornar cult, deixando para trás livros, quadrinhos e uma série derivada. Com apenas uma temporada, A Garota da UNCLE  estreou em 1966 com Stephanie Powers como April Dancer, a personagem que Ian Fleming havia incluído em suas notas como secretária do chefe de Napoleon Solo.

Em 1983, Vaughn e McCallum voltaram aos personagens em The Return of the Man from UNCLE: The Fifteen Years Later Affair, com George Lazenby como um agente chamado J.B., uma alusão clara ao único filme da série James Bond em que ele interpretou o agente e também à ligação da série com Ian Fleming. Foi o último encontro dos atores originais com os personagens que marcaram suas carreiras. Agora com a refilmagem, pode começar a discussão sobre o que é melhor, o original ou a nova versão.

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