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Scream Queens | Da Frigideira

Nova antologia de Ryan Murphy também invoca o sucesso de velhas fórmulas e começa com o pé no acelerador

23.09.2015, às 19H19.

Em 1996 o aspirante a roteirista Kevin Williamson conseguiu um feito inesperado: reacendeu o interesse do público pelo formato dos filmes de terror tão populares nos anos 1980, com mortes de adolescentes, heroínas virgens e assassinos fantasiados. O esgotamento da fórmula podia sinalizar uma tentativa de fazer com que esses filmes se levassem a sério demais. De fato, Williamson acabou acessando doses de humor e ironia dentro do texto e apesar de com isso flertar com o trash, conseguiu fazer com que o público risse e ao mesmo tempo acreditasse no medo e na morte.

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Revestir velhas fórmulas de texto sagaz e estética conceitual também foi a estratégia do produtor principal Ryan Murphy para transformar American Horror Story em uma antologia de sucesso. Esse sucesso trouxe a possibilidade de explorar outras temáticas e ele não se fez de rogado. Scream Queens estreou pela Fox (simultaneamente no Brasil e EUA) e American Crime Story chegará em fevereiro de 2016 para compôr a trinca de antologias lucrativas que agora sustentam o trabalho do moço. Com uma trama fechada por temporada, a longevidade do formato se dá pela curiosidade de saber quais serão os próximos temas e em quais personagens estarão os mesmos atores.

Com uma campanha de marketing opressiva, Scream Queens é a aposta teen depois que Glee chegou ao final em março passado. Murphy e sua equipe - com um tino comercial e uma consciência de cultura pop impressionantes - trataram de manter Lea Michele na folha de pagamento, trocaram Emma Roberts de produto e ainda conseguiram fazer com que nomes de muito apelo no mundo adolescente como Nick Jonas e Ariana Grande topassem fazer participações. O sucesso da série virou uma coisa praticamente iminente.

Bitches Better Beware

O clima e a referência dos anos 1990 dentro da narrativa estão presentes o tempo todo e são assumidos logo no teaser de abertura. A trama de Scream Queens começa em 1995, quando uma das integrantes da fraternidade feminina Kappa Kappa Tau dá a luz no meio de uma festa e morre em seguida. O evento obviamente será o catalisador das motivações do assassino que surge em 2015 vestido de capeta, matando preferencialmente todas que estão dentro da fraternidade ou envolvidas com ela de alguma forma.

No nosso tempo, a fraternidade é comandada por Chanel (Roberts), que no seu reinado baseado em intimidação, transforma a casa num quartel-general de humilhações e suas colegas em súditas sem nome (todas são chamadas de Chanel número 1, 2 e por aí adiante). Como já é bem característico desse tipo de trama, as fraternidades são exemplificadas como santuários do mais puro hedonismo. A futilidade permeia tudo e as regras de popularidade são as únicas coisas levadas a sério pelos personagens.

O inferno de Chanel começa quando a reitora Munsch (Jamie Lee Curtis, especialmente chamada para ser a ponte com as produções de horror trash dos anos 1980) decide pôr ordem na casa e decreta que qualquer menina interessada pode adentrar as portas da KKT. Isso faz com que todas as garotas potenciais para serem populares se desinteressem e as mais underdogs passem a lutar por um lugar na fraternidade. E é nessa dinâmica de crueldade e cinismo que Murphy tem o melhor terreno para seus diálogos mordazes.

Scream Drama Queens

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Embora seja o nome de Murphy o mais comentado, ele criou o programa ao lado de seus dois roteiristas principais, Ian Brennan e Brad Falchuk, que também eram os co-criadores de Glee. Isso é importante porque todo o texto de Scream Queens segue a mesma linha de rapidez e referência, com muitas citações pop e uma acidez e absurdo que podem parecer impossíveis na realidade, mas que estão sempre cheios de elementos desconcertantemente reais. Há uma verborragia debochada constante, mas completamente contextualizada.

No episódio duplo de estreia a velocidade dos diálogos e dos acontecimentos chegou a ser vertiginosa. Era perceptível a maneira muito estudada com a qual o roteiro se encaixava em tudo que é relevante e vigente no cenário pop mundial. Da citação a Game of Thrones até o tuíte enviado no momento da morte, tudo em Scream Queens sublinha a alienação juvenil presente nas classes abastadas da sociedade, mas sem nenhum compromisso sindicalista. Qualquer crítica, analogia, referência, qualquer coisa assim no universo de Murphy é sempre tomado de deboche e provocação. Essa é a marca dele e manter a qualidade e o ritmo de construções narrativas assim é muto difícil e complicado. Ele quase sempre consegue.

Quando a abertura do série foi liberada no YouTube, vimos que o gênero dos trash movies seria mesmo o embasamento conceitual da trama. Na estreia só tivemos mais uma confirmação. E assim como na primeira temporada de American Horror Story, alguns espectadores tiveram dificuldades de comprar a proposta, trazendo um pouco de rejeição à chegada da nova antologia. Vale lembrar que o trash é um gênero que não só permite como invoca o tosco e o ridículo. Nesse estilo, provocar o riso através do apelo visual do horror é o grande intuito, ainda que as mortes sejam levadas a sério pelos personagens. Dizer que não gostou de Scream Queens porque ela é inverossímil ou idiota não vai ser uma ofensa para ela.

Dificilmente a série terá problemas de ritmo, já que teremos uma temporada de apenas 15 episódios e a trama será toda encerrada, dando lugar a outros gritos no ano que vem. A dúvida é se Murphy conseguirá manter o controle de todas as suas três produções. Para mim, até agora, não só ele é um grande manipulador de mídia e cultura, como também conseguiu tornar os gritos de Scream Queens uma outra deliciosa hora em frente a TV.

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