Há uma óbvia comparação entre Game of Thrones e The Last Kingdom, a nova minissérie da BBC que estreou este mês e adaptará para a TV, em oito partes, as Crônicas Saxônicas do escritor Bernard Cornwell. A começar pelo nome, que, assim como a produção da HBO baseada nas Crônicas de Gelo e Fogo, pega emprestado o titulo do primeiro romance da série - no caso de Cornwell, publicado no Brasil em 2006 com o nome O Último Reino.
As duas séries têm como cenário um passado de castelos e fortificações habitados por reis, cavaleiros e nobres, batalhas sangrentas e disputa por poder. A diferença é que a trama medieval de The Last Kingdom se baseia em fatos do século IX, quando o que hoje chamamos Inglaterra era uma coleção de reinos independentes, em guerra entre si ou em guerra contra os invasores nórdicos vindos da Dinamarca. É um cenário onde não há seres mágicos, mas dois mundos em choque: o cristão, que tomou as ilhas britânicas, e o pagão, que persiste entre os invasores.
Como em outros trabalhos de Cornwell, a base histórica é real e os personagens fictícios convivem com figuras históricas e participam de eventos que de fato ocorreram, dando uma sensação de veracidade para toda a narrativa. São figuras históricas todos os reis saxões que aparecem na série, em especial Alfred (vivido pelo ator David Dawson), rei de Wessex - o último reino do título. Geograficamente localizado ao Sul, será o último a ser conquistado pelos nórdicos caso eles sigam trucidando os reinos saxões em seu caminho. Alfred é também o rei que defende a ideia de um único país, a Inglaterra, em lugar de um punhado de reinos menores, incapazes de se defender.
São reais também vários dos líderes e guerreiros dinamarqueses, como Ubba e Ivar, mas o centro da narrativa está com um personagem ficcional, Uhtred (Alexander Dreymon, de 32 anos), protagonista de todas as Crônicas Saxônicas e inventado por Cornwell a partir de figuras reais. Uhtred é um jovem saxão que testemunha a chegada da grande invasão nórdica em seu reino natal, a Northumbria, hoje Northumberland, e é levado como refém para viver com os vikings. Assim como o país que ainda constrói sua identidade, Uhtred oscila entre sua origem saxônica e a afinidade que sente com a cultura nórdica, em especial o paganismo, entre o dever de recuperar a terra onde nasceu e o amor pela família dinamarquesa com a qual cresceu.
A vida de Uhtred é uma soma de missões antagônicas que o levam a participar de batalhas ora de um lado, ora de outro, o que coloca o público tanto dentro da desesperada defesa saxônica como da eficiente máquina de guerra viking, formada por muros de escudos, navios e a necessidade de conquistar novas terras - o que se transforma num show de violência que vai da vingança pessoal à grande batalha. Por mais que retorne a analogia com Game of Thrones, série também protagonizada por jovens herdeiros dos horrores dos adultos, esse retrato em The Last Kingdom é um retrato duro da história, de uma época em que a expectativa de vida mal chegava aos 45 anos, a perspectiva de tornar-se prisioneiro de seu inimigo era pior do que a morte, e finais felizes realmente eram o item mais raro do mercado.
