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Crítica

Gilmore Girls: Um Ano para Recordar | Crítica

As garotas Gilmore retornam depois de quase dez anos para quatro estações de nostalgia

25.11.2016, às 09H20.
Atualizada em 25.11.2016, ÀS 10H02

Quem acompanha séries o tempo todo sabe que muitas vezes a queda de audiência pode provocar cancelamentos sem aviso prévio. Não só o público como os atores acabam perdendo a chance de uma despedida. Lauren Graham, que interpreta a Lorelai em Gilmore Girls, disse há um tempo em uma entrevista que ficou sabendo do jeito mais estranho que sua série ia terminar. Após as filmagens do último episódio, ficou o suspense sobre um retorno e ela recebeu uma ligação de seu agente no restaurante onde estava jantando e ficou sabendo ali que não haveria mais como reverenciar o mundo de Stars Hollow pela última vez.

O fim da série foi complicado. A criadora Amy Sherman-Palladino se afastou devido a conflitos contratuais (ela queria mais dois anos, o canal só queria um) e a última temporada ficou a cargo de David Rosenthal, que mesmo tendo escrito alguns roteiros durante a trajetória da série, não conseguiu segurar a atmosfera da história do mesmo jeito. O público estranhou as decisões, a ausência de coadjuvantes, e a audiência foi caindo, embora não a ponto de impedir que o programa fosse renovado. Mesmo assim, havia sobre Gilmore Girls uma impressão de que valia mais a pena parar antes que fosse tarde demais.

Para os fãs, contudo, uma nova esperança nasceu quando a Netflix anunciou que junto com a chegada da série no catálogo, quatro novos episódios seriam produzidos. Cada um deles teria 90 minutos e corresponderia a uma estação do ano. Sherman-Palladino e o marido conduziriam a trama e um número considerável de atores retornaria a seus personagens. De fato, há pouquíssimas exceções de personagens faltosos e esse é mais um exemplo de como há uma admiração generalizada em torno do programa. Gilmore Girls sempre foi uma série reconhecida por sua inteligência, charme, humor refinado e carisma. Esses novos episódios não nos decepcionaram e foram um presente nostálgico e comovente para cada um dos fãs.

Temporadas de amor [cuidado, possíveis spoilers abaixo!]

Uma das faltas mais sentidas entre o elenco foi a de Edward Herrmann, ator que viveu Richard Gilmore e que morreu dois anos antes do retorno acontecer. A criadora da série resolveu abordar o luto como ponto de partida dos novos episódios e, por isso, a primeira estação que acompanhamos é o inverno. Casada há mais de 50 anos, Emily (Kelly Bishop) precisa retomar a própria vida depois da morte do marido e essa reintegração de emoções é a trama principal da primeira hora de Gilmore Girls. A vivência do luto afeta o trio de protagonistas de formas diferentes e refaz aquele caminho do "viveram felizes para sempre". Quase dez anos se passaram e foi preciso a morte para que aquelas pessoas voltassem a se questionar.

A morte de Richard, contudo, não é o começo e aparece mais entre flashbacks. A história de Um Ano para Recordar começa com a volta de Rory (Alexis Bledel) para casa depois de muito tempo trabalhando pela própria carreira. Tomada pela ideia de que tudo que conquistou é muito especial, ela se recusa a aceitar propostas que não considera ideais e espera que o trabalho dos sonhos surja naturalmente. É claro que isso não acontece e Rory se vê obrigada a ir diminuindo seu nível de expectativas gradativamente, até que o roteiro - de forma brilhante - a faz redescobrir a profissão através de sua ligação com a cidade natal.

Nesses tempos de empoderamento feminino, Gilmore Girls não está cavando seu lugar de exploração. Ela já falava sobre isso veladamente há anos atrás e agora só precisou manter tudo no devido lugar. É muito reconfortante ver a maneira como Sherman-Palladino situa as três mulheres num ponto de convergência totalmente correlacionado: Emily viveu anos em função de outra pessoa, totalmente comprometida. Agora, ela precisa aprender como viver só. Lorelai passou anos cuidando de si mesma, agora precisa aprender a dividir, com tudo que isso representa. Já Rory está num processo de adequação profissional e tentando ser independente nas relações pessoais. A notícia de que todos os seus três namorados retornariam já anunciava que o foco de sua trajetória não seria romântico. Rory revisita todas as suas histórias, toma algumas decisões ruins, mas está mais interessada em crescer. Sua grande virada se dá através das letras, algo que respeita e enaltece a personagem como a grande mulher que ela foi criada para ser.

As garotas Gilmore

Já sabemos que a série nunca teve uma dramaturgia dada a grandes reviravoltas. O espírito é mantido e o retorno é um tratado de transformações internas. Um exemplo dos mais lindos disso é a maneira como a morte do marido traz uma luz peculiar para a vida de Emily. Sempre tomada de compromissos sociais aristocráticos, rígida com regras e costumes, ela percebe no luto que o fim não pode ser controlado e muito menos respeita conveniências. Aos poucos, vai flexionando essas diretrizes e isso se reflete na forma comovente com a qual ela lida com seus sentimentos sobre as pessoas; o que vai da própria filha até à nova empregada, que mesmo desrespeitando todas as regras, permanece na casa por todo o ano.

Lorelai também passa por um despertar diferente. A partida de Sookie da cidade (única forma possível de justificar a ausência de Melissa McCarthy) colocou um alerta sobre o Dragonfly e mesmo bem sucedido, o lugar se mantém discreto, pequeno. Michel (Yanic Trusdale) quer crescer, expandir, arriscar, e Lorelai tem medo. Ela também teme a rotulação de sua relação com Luke (Scott Patterson) e os roteiros vão levando-a para uma constatação natural: assumir riscos e assumir o peso de um rótulo pode ser essencial para se comprometer de verdade com a vida. Sherman-Palladino nunca perde o humor e Lorelai se redescobre de uma maneira peculiar que só poderíamos ver em Gilmore Girls.

Todas essas descobertas se adornam de uma Stars Hollow irresistível, como sempre foi. Está tudo lá, do jeito que todos nós amamos por muito tempo; as loucuras de Taylor (Michael Winters) e a cena já antológica da organização da primeira parada gay da cidade, as festas anuais que só vimos um ano, o trovador, as novidades geniais (como o "Secret Bar"), o mau humor de Luke, as esquisitices da família Kim, a banda de Lane (Keiko Agena), Paris (Liza Weil) em sequências irretocáveis, participações especiais surpreendentes e muitas, muitas referências a temporadas passadas que vão fazer seu coração se apertar todo. O texto continua rápido, inteligente e manipulando cultura pop de um jeito sensacional. Aquilo que faltou tanto na sétima temporada está de volta em abundância: essência.

No fim de tudo, talvez o único grande problema de Um Ano para Recordar seja a forma estranha com a qual Sherman-Palladino absolve o jeito com que Logan (Matt Czuchry) continua tratando Rory - em contrapartida, a roteirista continua condenando Christopher (David Sutcliffe). Há uma sequência absurdamente longa, justamente na última estação, em que o roteiro tenta ser lúdico com uma relação construída em cima de completo desrespeito. Porém, a lindíssima sequência final, que converge as três mulheres numa mesma compreensão de amadurecimento, redime a criadora de qualquer engano. É realmente de afagar o espírito e se quando aqueles tênis azuis aparecerem você não chorar, há algo de errado com você, amiguinho.

Um Ano para Recordar termina com as famosas e esperadas quatro palavras. Elas vão fazer você pular no sofá e resultarão numa verdadeira procissão de fãs até os domínios da Netflix. Mais estações precisam vir. Essa história não pode acabar aqui. Ela é especial demais para isso.

Nota do Crítico
Excelente!

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