Quando demos nossas primeiras impressões dos três episódios que abrem Narcos, o que chamava atenção era a tendência, nem sempre bem resolvida, das narrativas de José Padilha de criar uma rede de relações que expressasse a complexidade de determinadas questões criminais, políticas, econômicas e sociais - assim foi em Tropa de Elite, RoboCop e agora na história de Pablo Escobar estrelada por Wagner Moura. Padilha não volta para dirigir os sete episódios restantes, e a rede, já estabelecida, no fim acaba funcionando como uma gangorra.
Ao escolher contar a trajetória de Escobar - desde sua ascensão até as "férias" em La Catedral - entrecortada pelo dia a dia público e privado dos homens da lei responsáveis por sua caçada (o DEA, a CIA, o exército, o governo), e ao fazer desses personagens peões numa grande competição de gato e rato, Narcos não consegue escapar da armadilha de reduzi-los todos a um caráter funcional: mesmo os protagonistas da série parecem movidos por decreto e não por uma verdade interior, que os torne de fato personagens multidimensionais.
Nessa gangorra, em que pouco tempo de cena acaba determinando que certo arco pareça mais simplista que outros, o Escobar de Moura é quem sai perdendo mais. Depois dos primeiros três episódios (quando acompanhamos sua "origem" e o evento político que determinou sua ruína), ele se torna um personagem apático. Realmente não é fácil gerar empatia com uma figura real que, por anos, personificou o mal puro na Colômbia, mas a série se ilude ao acreditar que o rancor de Escobar contra a classe política (um rancor tão fácil de gerar e alimentar, sendo a "classe política" esse objeto amorfo e folclórico) pudesse dar tudo o que o personagem precisa para ter uma autonomia dramática, um moto. Mas o fato é que esse Escobar se revela na série um personagem sem propósito.
Talvez tudo se resuma a um problema de cálculo. Numa narrativa de dez episódios, que nas maratonas da Netfix se traduz como um longo longa-metragem, provavelmente Pablo Escobar ficou Cego de Vingança (fim digno de todo grande gângster de cinema) cedo demais. Resta a Wagner Moura fazer o que domina, atuar numa chave melancólica, com aquele desamparo no olhar que está em todas as suas atuações.
Mas tudo tem um lado bom: e em alguns momentos da série, especificamente em episódios que abraçam a natureza funcional de seus personagens e se concentram no lado da lei e do governo, Narcos vai contra essa vocação de longa-metragem e entrega experiências interessantes de televisão episódica. É quando a série mais se aproxima do formato tradicional dos chamados procedurais, aqueles programas de investigação forense que resolvem um caso por semana, como CSI.
E então temos episódios como o quinto, que estabelece bem o clima de mau agouro e de insegurança, particularmente na cena em que o carro do presidente passa entre populares e cada sombra espelhada no vidro nos parece uma ameaça. O desfecho trágico nesse episódio também é mostrado de forma interessante, porque o instante de violência não é encenado, e sim resgatado em imagens de arquivo (um recurso que o restante de Narcos usa apenas como ferramenta de exposição). Numa série que vive o tempo todo ameaçada pela banalização da violência, esse episódio é um alento.
Há outros, como o oitavo, que gera interesse não necessariamente pelo arrojado plano-sequência do brasileiro Fernando Coimbra (O Lobo Atrás da Porta) no sítio de Escobar e mais porque o mistério da identidade do homem que entregou o local do Edifício Monaco consegue dar ao episódio um pequeno propósito além da grande teia de vários fatores. A filmagem elegante de Coimbra, que vai ao close-up com zooms lentos, como se se aproximasse com cautela, torna essa busca envolvente. Em comum, o quinto e o oitavo episódios têm a sensibilidade de priorizar não a exposição, o didatismo das explicações geopolíticas, mas pequenos dramas que se resolvem na hora. De modo geral, falta a Narcos - uma série tão preocupada em criar um painel complexo em dez episódios - a noção dessas pequenas entregas.
Não que o grande arco não se justifique. A temporada termina com as devidas amarrações (como o econômico e direto flashback do piloto que encerra o episódio oito), e a subtrama do agente americano do DEA, que também parecia patinar na apatia, se conclui como um conto moral espelhado na história de Escobar, de isolamento, rancor e desconfiança. Embora fique um gancho relativamente intenso para a segunda temporada, Narcos conta em dez episódios uma história fechada, entre seus altos e baixos.