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Game of Thrones | "Eu não sou o escritor mais disciplinado do mundo", diz George R.R. Martin

O autor das Crônicas de Gelo e Fogo fala à imprensa ao lado de Robin Hobb, da trilogia Saga do Assassino

14.10.2014, às 18H32.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H38

A editora Harper Collins realizou na Freemason's Hall, em Londres, um encontro em que George R.R. Martin, o autor de As Crônicas de Gelo e Fogo, e Robin Hobb, da trilogia Saga do Assassino, conversaram com cerca de mil pessoas sobre seu trabalho. Antes do evento, porém, eles falaram com a imprensa durante 20 minutos - e o Omelete esteve lá, a convite da LeYa, a editora que publica Martin e Hobb no Brasil.

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George R.R. Martin

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George R.R. Martin

Robin Hobb

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Robin Hobb

a furia do assassino

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a dança dos dragões

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Martin e Margaret Ogden - nome real de Robin Hobb, cujo A Fúria do Assassino acaba de sair neste mês no Brasil - falaram sobre Hollywood, a moda da fantasia e seus processos de criação. Confira a íntegra do bate-papo:

Como vocês realizam as pesquisas para seus livros? A Idade Média é uma fonte histórica?

George R.R. Martin: Eu faço muita pesquisa, eu li muito sobre a Idade Média e histórias populares, ficções, não tanto uma pesquisa acadêmica. Eu não vou tanto na pesquisa acadêmica porque eu tento me inserir no período, porque quando eu estou escrevendo eu não quero ter que parar e procurar algo. Eu quero simplesmente saber, ter absorvido tudo para que minha cabeça esteja dentro da época medieval. Então antes de eu escrever Sonho Febril eu li livros sobre a vida no Mississippi e o período antes da Guerra Civil, as embarcações e todas essas coisas. Antes de eu começar As Crônicas do Gelo e do Fogo, eu li todas as coisas sobre a era medieval e eu ainda faço isso. Sempre tem novos livros saindo e eu fico de olho nas histórias, alguns deles são bem especializados, sobre a história dos bobos-das-cortes, a história dos carrascos, sempre tem coisas novas em que você pode se inspirar e até roubar, talvez.

Robin Hobb: Algum tempo atrás os livros de ficções na minha biblioteca começaram se igualar aos de não-ficção, em termos de ter livros sobre assuntos específicos de que eu precisava. Eu faço as pesquisas pontualmente. Por exemplo, eu percebo que eu não sei algo sobre uma coisa específica que eu precise, algo que minha personagem sabe e eu não, então eu vou pesquisar sobre aquilo em particular, o que quer que seja: como armazenar ervilhas, como roubar montanhas de vinhos de um navio mercante... E aí eu passo a ser muito específica naquilo que eu estou procurando, assim parece que minha personagem sabe muito sobre o assunto, mesmo que eu não saiba.

Por que o gênero fantasia atrai tantos leitores?

GRRM: Eu não sei, mas acho que os editores saberiam melhor, teriam respostas melhores que as minhas, porque eles poderiam identificar o perfil de vendas. Fantasia sempre tem sido populares, pelo menos nos EUA e no Reino Unido; lá os livros de ficção têm estado nas listas de best sellers por gerações. O que eu penso que tem mudado ultimamente é a ida da fantasia para a televisão. Com Game of Thrones, a gente finalmente tem um programa de fantasia na televisão e com um pequeno atraso. Se as pessoas da televisão tivessem prestado atenção, elas teriam dito: "Olhe para todos esses best sellers de fantasia, por que não não colocamos mais fantasia na televisão?". Eles finalmente acordaram e consideraram isso.

Isso tem afetado as venda? Com certeza afetou as vendas dos meus livros, não sei se tem afetado todas, mas não há nada como ter um programa de sucesso na TV para guiar as vendas dos seus livros, tem muito mais impacto que um filme. O filme tem um pico, ele é lançado, as vendas sobem, a onda do filme passa e as vendas retraem. Mas num programa de televisão, semana após semana, isso continua, nós vimos isso com True Blood, com a minha série, com muitas outras.

RH: Eu acho que definitivamente ocorre um efeito de goteira do sucesso de George para os outros escritores de sucesso e para a fantasia no geral na televisão. E no cinema, nós temos visto muitos filmes de fantasia. Se você olhar para os últimos 25 anos e se você se perguntar quais filmes ocuparam o topo das bilheterias, você vai ver fantasia e ficção científica ascendendo para o topa dessas listas. Alguma vez alguém me citou uma estatística que dizia que durante tempos difíceis pessoas leem mais fantasias e ficção cientifica no geral, porque elas buscam mais escape na literatura. Isso talvez possa surtir um efeito nas vendas, mas eu não tenho tanta certeza.

Vocês têm sido abordados para adaptações de seus livros? Há roteiros em andamento?

GRRM: Eu tive direitos negociados e ainda tem alguns scripts rolando por ai, caso algum estúdio dê o sinal verde a uma produção. Quando os filmes de Peter Jackson [O Senhor dos Anéis] ficaram grandes, Hollywood passou a imitar isso, tudo estúdio queria um épico de fantasia. Eles olharam na lista dos best sellers e eu fui abordado por certo número de produtores e estúdios que queriam ter uma reunião ou queriam conversar sobre isso... Em alguns casos fomos mais longe do que outros, mas, por fim, eu não achei que meus livros poderiam virar uma franquia de filmes. Então para a maioria eu disse não.

Alguns dos outros escritores que foram abordados disseram sim. E nós vimos esses, nós vimos As Crônicas de Nárnia, Fronteiras do Universo de Philip Pullman. Em ambos os casos você vê o perigo em potencial de se fazer uma franquia com uma longa série de livros, porque se o primeiro filme não for bem, como no caso de Pullman [com A Bússola de Ouro], nós nunca mais veremos o resto da série. Morreu, acabou. E foi só aquele filme. Isso poderia ter acontecido com Game of Thrones se eu tivesse dito sim, mas eu disse não.

RH: Acho que eu fui cotada para virar filme umas duas vezes, mas como o George disse, muitos são só direitos negociados que nunca saem do papel, e essa tem sido minha história até agora. Meus trabalhos são, no caso dos livros assinados como Robin Hobb, 13 livros que se conectam de certa maneira mas nem sempre lidam com as mesmas personagens, então é uma maneira diferente de abordar a narrativa de uma longa história e talvez não seja muito adaptável para os cinemas. Eu só escrevo os livros.

GRRM: A situação legal é complicada para vender essas séries longas, como em diferentes trilogias que estão dentro de um mesmo universo, então existem personagens que saem de uma triologia para a outra. E como você fecha um contrato para lidar com isso? É um desafio. Eu escrevi os Tales of Dunk and Egg, são histórias que se localizam no meu universo [das Crônicas de Gelo e Fogo] mas 100 anos antes. Eu poderia vender para outro estúdio, mas eu teria que tirar todas as referências ao Trono de Ferro, aos Targaryen, porque a HBO tem direito ao mundo da série principal. Você pode vender para diferentes estúdios, mas ai você vai ter que colocar no contrato quem fica com que personagem, com que elemento...

RH: Seria uma bagunça. Eu não conseguiria fazer isso.

Qual seu lugar preferido para escrever? E você chega ao ponto em que, de alguma forma, você não consegue mais distinguir o que é fantasia e o que é realidade?

GRRM: Espero que não (risos).

RH: Se ele pegar numa espada eu caio fora.

GRRM: Eu gostaria de ter algo mais legal, mas eu só trabalho num escritório comum. Eu tenho uma escrivaninha velha acabada que eu comprei num bazar beneficente lá para 1971. Eu sou meio supersticioso com aquela escrivaninha, porque eu escrevi quase tudo nela.

Como e quantas horas vocês trabalham por dia?

GRRM: Se eu estou num bom dia, o que não acontece com tanta frequência, mas se eu estou tendo um bom dia, eu começo a trabalhar pela manhã e aí eu caio no buraco do computador - quando eu olho, já está escuro lá fora e meu café da manhã ainda está do meu lado, gelado. Mas esses dias não acontecem sempre. O que acontece frequentemente é que eu quebro a cabeça, então eu leio o que escrevi no dia anterior, vejo meus e-mails, aí eu volto pra ler mais algumas linhas, eu decido que asodeio e volto para o meu e-mail... Eu fico divagando, eu pergunto pras minhas assistentes se tem alguém com frio, geralmente é a Chris... Tem dias bons e tem dias ruins. Eu não sou o escritor mais disciplinado do mundo. Eu sempre digo pra mim mesmo: "Eu vou virar um escritor disciplinado amanhã".

RH: Eu tenho um escritório muito bagunçado, que é um dos quartos da minha casa. Eu prefiro trabalhar lá porque tem meu próprio computador desktop com um grande e confortável teclado. Recentemente eu me tornei mais apta a usar o notebook e a usar um teclado menor. Quando eu estou no clima de ir para um lugar diferente eu consigo usar o notebook. Eu não acho que eu tenho o luxo de ter uma dessas rotinas encantadoras, porque eu comecei a trabalhar como escritora quando eu tinha crianças pequenas, então eu escrevia em todo e qualquer lugar. Eu tinha um bloco de notas ou um caderno de espiral, aí sentava no chão do banheiro e escrevia enquanto as crianças estavam no banho. Ia na arquibancada do ginásio e escrevia enquando eles jogavam futebol. Eu escrevia e depois transcrevia pra tela.

Enquanto eu tiver uma música calma e velas e alguém me trouxer um chá, essa é a fantasia que eu escreveria.

Robin, você cresceu no Alasca. Como essa experiência afetou o trabalho que você faz?

RH: Quando eu me mudei, eram os anos 1960, eu tinha uns 10 anos. Meu pai nos mudou para uma casa interminada: era um porão com uma estrutura de toras de madeira. Éramos seis crianças e ele logo coloca a gente pra pôr a mão na massa. Tínhamos que fazer o isolamento, colocar os canos do encanamento, minha irmã fez toda a eletricidade e o circuíto, eu e meu irmão colocamos o telhado, eu aprendi a atirar com uma espingarda e manter os esquilos longe, porque eles estavam entrando na nossa casa e roubando nosso isolamento. O inverno estava chegando, então tínhamos que ser rápidos. Eu aprendi muito sobre habilidades básicas de sobrevivência. Depois nós tinhamos um grande jardim e eu aprendi o que acontece quando você atira num alce, você tem que tirar aquele animal imenso e morto e fazer ele virar carne, colocar no congelador. Então eu acho que eu tive uma boa base de como fazer coisas que a maioria das pessoas normais não fazem mais, e eu sei como é enfiar uma faca na carne congelada... Eu tenho esse banco de informações sobre as coisa, eu sei os nomes dos cogumelos, de arbustos, todas essas coisas estranhas que funcionam muito bem quando eu estou escrevendo um livro em que minhas personagens estão fazendo coisas que eu tive de fazer.

Martin, a série de TV Game of Thrones começou a tocar em elementos que os livros não abordaram ainda. Isso pode ser muito empolgante para o público, porque eles tomam contato com eventos que não conhecem dos livros ainda, e podem se surpreender. Como você lida com esses eventos na hora de se planejar? Eles estarão mesmo nos livros?

GRRM: A série segue mais rápido que eu consigo escrever os livros. Eu tinha uma boa margem a meu favor no começo, mas eles escrevem roteiros de 60 páginas, eu escrevo romances de 500, e ocasionamente eu perco o compasso. Eu me encontro com [os produtores e roteiristas] David [Benioff] e Dan [Weiss] várias vezes ao longo do ano, eles sabem por linhas gerais para onde a história dos livros está caminhando, mas como vai ser exatamente o caminho, só se sabe durante a escrita. Então às vezes acontece o que eu chamo de efeito borboleta, que eu já falei no passado, em que se coloca uma pequena mudança no primeiro livro e não parece fazer muita diferença, mas como você fez essa mudança, você tem que fazer outra mudança na temporada 2, e então você tem que fazer uma mudança ainda maior na terceira temporada. O efeito se acumula: a ausência de uma personagem ou o caminho de outra que vai se modificando... Eu acredito que a gente continua contando a mesma história, e que a série continua fiel se comparada as tantas adaptações para TV e cinema, mas nunca vai ser exatamente igual.

Todas as vezes que me fazem essa pergunta eu penso: "Quantos filhos Scarlett O'Hara teve [em ...E o Vento Levou]?" Ela teve um no filme e três no livro. Quantos filhos ela teve? Qual é a resposta verdadeira? Não existe resposta verdadeira porque Scarlett O'Hara não existe. Ela é uma personagem de filme ou uma personagem de livro e ambas são igualmente reais. Você tem duas versões da mesma história, e isso é basicamente o que teremos com Game of Thrones - nós temos duas histórias basicamente iguais, mas modificadas por alguns detalhes.

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