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Crítica

Orange is the New Black - 4ª Temporada | Crítica

Tensões e disputas de poder transformam a quarta temporada na mais ousada e dramática de toda sua história

20.06.2016, às 16H26.

Desde que começou, anos atrás, como uma das primeiras produções originais da Netflix, Orange Is The New Black classificou-se como uma “dramédia”. Seu formato de 50 minutos invocava as diretrizes do drama, mas seu conteúdo textual destilava comédia. É uma daquelas produções como Shameless, que conseguem arrancar risos de um espectador que vive o constante dilema entre ficar chocado com o que acontece e ter uma imensa vontade de rir com a forma como aquelas “desgraças” são descritas.

Nesses três anos passados, Orange foi fiel às suas origens e construiu suas temporadas reservando um ou outro momento de tensão. A preferência é sempre por questões menos duras, afinal de contas trata-se de uma prisão de segurança mínima, o que já antecipa a ideia de que por pior que tenha sido o crime que levou ao cárcere, ele não foi hediondo o suficiente para que a ligação com aquelas mulheres seja afetada. É uma prisão, há coisas ruins acontecendo o tempo todo, mas o cenário permite que a criadora Jenji Kohan jogue com o lúdico, a ponto de encerrar seu terceiro ano com uma fantasiosa “fuga” para o lago do lado de fora das cercas.

Já o começo dessa nova temporada se concentra em mostrar como Piper (Taylor Schilling) começa a perder o controle de seu “negócio de calcinhas”. É muito interessante ver como esse trabalho aparentemente jocoso, vai fazendo a protagonista enveredar para uma disputa de território que deixa marcas complicadas pelo caminho. Piper sempre foi uma personagem com um protagonismo controverso, mas há uma segurança notória na forma como os roteiros a fazem dar passos lentos em direção à escuridão. Ela é uma espécie de analogia para a série como um todo: Orange Is The New Black também segue lentamente por um caminho sombrio.

Vet Is The New Black

Quando o diretor Caputo (Nick Sandow) se deixa novamente influenciar por sua ligação com uma colega de trabalho e traz veteranos de guerra para trabalharem como guardas da prisão, as últimas luzes no fim do túnel se apagam. Inicialmente, não soa tão ruim assim...Caputo parece demonstrar um desejo genuíno de fazer as coisas certas, mas continua confiando nas pessoas erradas. Os primeiros episódios, que muitos podem até considerar arrastados, na verdade desenham uma invasão de medo e terror que se apoia na imensa ambiguidade presente na relação que os EUA tem com seus “heróis” de guerra. E que é – vejam só – muito próxima da relação que nós temos com as “bandidas” daquela prisão: até que ponto são admiráveis e até que ponto são apenas perpetuadoras de violência?

Vale um exemplo: Em 2011, o jovem Dwight Smith ganhou as páginas policias dos jornais americanos ao ser desmascarado como o executor (a pedradas) de uma senhora de 65 anos que ele atropelara, mas que prometera levar ao hospital diante das testemunhas que assistiram a mulher entrar viva e lúcida no carro do veterano. Estupro, sequestro e homicídio doloso já estavam na ficha do rapaz, quando ele, um dia, confessou ao pai: “Vou ser honesto com você, pai. Matei muitos homens e crianças. Alguns nem fizeram nada para eu matá-los. Alguns outros pediram misericórdia... Eu tenho um problema. Acho que estou viciado em matar."

Em um dos muitos momentos icônicos dessa quarta temporada de Orange Is The New Black, um dos veteranos que agora trabalham como guardas em Litchfield, diz, numa conversa, algo muito parecido. Ele confessa ter matado crianças, estuprado mulheres, assassinado inocentes simplesmente porque “você acaba ficando entediado”, e completa: “Sou uma pessoa boa”. A cena expande o painel de questões revelantes desse ano, que mesmo já tão vasto, ainda configura de forma perfeita essa perigosa aproximação de violências. As mulheres da prisão estão a cada dia mais acuadas e aqueles veteranos, a cada dia mais distantes dos sentimentos de empatia. Sem dúvida, um acerto dramatúrgico dos mais brilhantes que já vimos no programa.

Orange Is The New Pet

Estruturalmente, contudo, a série continua a mesma: a narrativa é entrecortada por flashbacks de como as meninas viviam fora da prisão. A beleza do trabalho da showrunner está em continuar destacando personagens que não conhecíamos tão bem antes. Então, nada de saber mais sobre  detentas com as quais já nos relacionamos intensamente. Os novos episódios dão lugar a novas histórias, de meninas que por muitas vezes tiveram pouquíssimas aparições, mas que saem do fundo da cena com o mesmo tratamento que é dado aos nomes que fulguram na abertura da série. Foi maravilhoso saber mais de prisioneiras como Lolly (Lori Petty), Blanca (Laura Gòmez) e Maria (Jessica Pimentel).

Ao mesmo tempo, as ausências de Nicky (Natasha Lyone) e Sophia (Laverne Cox) foram sentidas no ano anterior e havia alguma expectativa a respeito de seus retornos. A provável agenda de Laverne pode ter contribuído para que sua aparição nessa quarta temporada tenha sido tão minimizada, mas Natasha retornou com uma força impressionante e Nicky teve uma das fases mais importantes de sua trajetória. É verdade que o imenso elenco passa por esse “rodízio” desde o começo, mas é perceptível a maneira como Kohan fica atenta ao modo como as atenções são distribuídas - como no caso de Daya (Dasha Polanco), que redime suas poucas aparições ao assumir um importante papel no Season Finale.

Blair Brown também apareceu com um dos plots principais da temporada, vivendo uma Judy King debochada que foi um dos exemplos dos jogos de interesse travados entre a mídia e os setores federais responsáveis pela prisão. São esses elementos que vão, aos poucos, afundando Litchfield num esgotamento de humilhações que termina por chegar a extremos nunca vistos na série. A superlotação, os trabalhos braçais forçados e as síndromes psicológicas típicas entre veteranos de guerras (transformados em “psicopatas” potenciais), vão levando a história e os personagens para um caos anunciado.

Então, a beleza lúdica que geralmente ocupa os finales da série se transforma em outro tipo de beleza: aquela que vem da convergência de histórias, do clímax derradeiro, da brutalidade dos resultados. O Season Finale continua sendo belo, mas dessa vez por não se acovardar, por tomar decisões extremas e definitivas que podem nos fazer chorar, mas que reforçam a credibilidade e a força do programa. Um dos grandes momentos da história de Orange Is The New Black está quando o roteiro subverte o movimento lírico da cena em que os alunos do filme Sociedade dos Poetas Mortos sobem nas mesas para reverenciar seu mestre, criando um movimento de rebelião contra o Capitão Piscatella (Brad Willian Henke). É aí que fica claro o quanto a trama sabia, desde o início, exatamente para onde queria ir.

A má notícia é que o incrível gancho que encerrou essa temporada só será resolvido no ano que vem. Orange Is The New Black, porém, terminou seu quarto ano desarmando todas as reservas, provocando catarses emocionais e dizendo para todas as outras séries: se você quiser sair da sua zona de conforto e contar histórias poderosas, você pode. E você deve.

Nota do Crítico
Excelente!

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