Fundação: “Dependemos de ciência para sair da escuridão”, diz showrunner

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Entrevista

Fundação: “Dependemos de ciência para sair da escuridão”, diz showrunner

Em conversa exclusiva com o Omelete, o produtor David S. Goyer e os atores Lee Pace, Jared Harris, Laura Birn e Lou Llobell refletem sobre a nova temporada, que estreia nesta semana

Omelete
8 min de leitura
14.07.2023, às 11H26.
Atualizada em 31.08.2023, ÀS 12H19

“Uma mensagem de esperança”. É assim que David S. Goyer, showrunner de Fundação, define a série. Em entrevista ao Omelete, o produtor, diretor e roteirista compartilhou – ao lado de parte do elenco –  as suas reflexões sobre a produção do Apple TV+, que estreia a segunda temporada nesta sexta (14).

“A mensagem é, em última instância, de esperança e engenhosidade da humanidade, e que dependemos da ciência e da criatividade para nos guiar para fora da escuridão. Precisamos ouvir uns aos outros. Quero dizer, é uma mensagem incrivelmente positiva”, afirma Goyer - dono de um currículo com títulos como Batman: O Cavaleiro das Trevas e Sandman

Baseada na série de livros de Isaac Asimov, a obra imagina um futuro longínquo da humanidade no qual conquistamos o espaço e colonizamos planetas. É nesse contexto que existe o grande Império Galáctico, livremente inspirado na Roma Antiga.

Certo dia, Hari Seldon (Jared Harris) usa conceitos matemáticos – dentro do que é chamado de psicohistória – para antecipar não só o fim desse império, mas também que a raça humana entrará em um milênio de escuridão. “[Ele] está prevendo uma catástrofe iminente, por assim dizer, e está pedindo a eles que se preparem para isso”, define Harris no papo com o Omelete. 

Para evitar que o período sombrio seja ainda maior, o cientista cria a Fundação, organização responsável por manter vivo o nosso conhecimento e cultura. Contudo, as previsões acabam mexendo com as estruturas de poder da sociedade, o que coloca Seldon e seus colegas em uma posição complicada. 

Isso é só a superfície. 

“A série não está tentando lhe dar uma lição de que você deve pensar isso ou aquilo, mas levanta diversas questões diferentes sobre inteligência artificial, ética, ser parte de uma família, como lidar com aqueles mais próximos a você, e até mesmo sobre a política mundial. E você pode tirar tantas perguntas diferentes disso”, conta Lee Pace – que você deve reconhecer como o Ronan da Marvel Studios, mas que em Fundação interpreta a versão adulta de várias encarnações do Imperador Cleon.

“O melhor é que você pode sair com tantas perguntas e realmente refletir. [...] Não fornecemos respostas, apenas o caos.”

Para Goyer, envelopar tudo isso em um produto de entretenimento não foi fácil: “As pessoas assistem à televisão para ver se os personagens vão se apaixonar, viver ou morrer. Portanto, tivemos que incorporar essas ideias em diferentes personagens e torná-las compreensíveis e adoráveis. Humanizá-las foi o maior desafio”.

“É a coisa mais difícil em que já trabalhei, com certeza”, resume o produtor. 

IA's sonham com ovelhas elétricas?

Um dos debates mais interessantes levantados pela primeira temporada, exibida em 2021, foi a questão espiritual.

Tanto no livro quanto na versão audiovisual, Demerzel é um robô. Porém, na visão criada por Goyer, a personagem interpretada por Laura Birn é também uma devota da religião Lumista - tendo percorrido um caminho de santificação ao estilo do de Santiago de Compostela. A revelação que ela tem ao final dessa trajetória implica que, mesmo sendo uma forma de vida artificial, Demerzel possui uma alma.

Outra inovação da produção da Apple é a figura do imperador. Na reinterpretação, o monarca Cleon é substituído indefinidamente por clones de si mesmo, perpetuando uma dinastia de um homem só. 

Contudo, ao passar pelo mesmo caminho de santificação de Demerzel, a 13ª versão de Cleon não encontra a tal revelação - o que, neste caso, dá a entender que ele é uma criatura sem alma. 

“Como definimos uma alma?”, Laura filosofa. “Como sabemos onde uma alma existe? As IAs têm uma alma? É uma pergunta intrigante, [...] que a série explora.”

“Se decidirmos que uma inteligência artificial está viva, então eu argumentaria que sim, uma IA pode ter uma alma”, complementa Goyer. “Acredito que Demerzel seja um dos personagens mais cheios de alma em nosso programa. Portanto, sim, acredito que as IAs possam ter uma alma e consciência. No entanto, elas podem não ser as mesmas que as nossas, e é aí que podemos encontrar algumas dificuldades.”

Ciência versus religião

Já na segunda temporada, que se inicia nesta semana, um dos assuntos que ganha papel principal na trama é a transformação da ciência em religião. Alguns séculos depois da partida de Hari Seldon e da criação da Fundação, a psicohistória acabou por inspirar a criação de uma igreja devota ao cientista, agora visto como profeta. 

Essa nova fé acaba sendo eventualmente transformada em instrumento de guerra pelos descendentes dos fundadores originais. 

“Isso é algo que o próprio Asimov estava explorando em seu trabalho”, detalha David S. Goyer. “Muitas pessoas os consideram como duas coisas separadas, mas eu realmente os vejo como duas partes de um todo. A ciência pode ser utilizada como arma, a religião pode ser utilizada como arma. Na verdade, qualquer coisa na sociedade moderna pode ser utilizada como arma.”

“Por mais que ele acreditasse na ciência, ele [Asimov] também estava ciente de que a ciência poderia ser mal utilizada. Portanto, há dois lados em cada moeda, e isso é algo que exploramos na série. Não é realmente sobre preto e branco; trata-se das nuances de cinza. Pessoas boas fazem coisas ruins, e pessoas ruins fazem coisas boas, e vice-versa.”

Agora, como Seldon, um matemático, pode ter concordado com isso? Pior: já tendo previsto o que ocorreria, o cientista tenta manipular esse caminho a seu favor. “Ele percebe isso como um meio para um fim”, defende o intérprete do personagem, Jared Harris. “Entende que, necessariamente, todas as sociedades – se você estudar a civilização humana – passam por essa fase. E ele queria controlar a jornada deles por esse momento, para garantir que não descartem a investigação científica completamente, o que frequentemente acontece.”

“Eu acredito que parte do processo de construir a Fundação é passar por todas essas fases, e a fase religiosa é bastante importante”, complementa Lou Llobell, atriz que dá vida à Gaal Dornick - uma jovem gênia relutantemente alçada ao posto de braço direto de Seldon ainda na primeira temporada. 

Acontece que Hari Seldon se deixa levar. “Ele está desfrutando do poder que tem agora. É muito perigoso ser adorado, sabe?”, reflete Harris. “Eu não acredito que haja alguém que – se for submetido a esse tipo de adoração por um longo período de tempo – não seja afetado, que não distorça a sua mente, não distorça a sua personalidade, não distorça as suas expectativas.”

Várias versões de um mesmo personagem

Falando em personalidades, uma das dinâmicas mais interessantes de Fundação é que o espectador encontra diversas versões de alguns personagens no decorrer dos séculos que a história percorre.

Um exemplo é o próprio Hari Seldon: em determinado momento passamos a ter dois cientistas em cena, ambos criados a partir de bifurcações da trama - com cada interpretação impactada de forma singular por essa trajetória. A característica ganha outros contornos nestes novos episódios.

“Eles têm experiências diferentes, então são necessariamente personalidades diferentes, sabe?”, conta Harris. “E isso foi uma das coisas sobre as quais conversamos, David [Goyer] e eu, e Alex [Graves, produtor executivo] e eu. Falamos especificamente sobre a versão do Hari que você encontra logo no início e qual foi essa experiência, o que isso fez com ele e como você vê esse efeito ao longo da temporada”.

O mesmo acontece com o Imperador. Existem sempre três dele ao mesmo tempo, em idades diferentes – recebendo apelidos de acordo com o seu momento de vida: Amanhecer, Dia e Crepúsculo. Com o passar das décadas e das gerações, um clone substitui o outro.

Por isso, Lee Pace interpreta diversas versões do Irmão Dia, em épocas separadas. Por mais que sejam clones do mesmo homem, cada um deles tem uma jornada única. Para dar mais um tempero, na primeira temporada descobrimos que há uma manipulação genética que, aos poucos, está separando os Cleons da “matriz” original. 

Ao saber disso, o novo Irmão Dia se distancia ainda mais das versões anteriores.

“É a parte divertida”, diz Pace, aos risos. “É divertido descobrir uma maneira de fazê-lo acreditar que ele é diferente e único, quando, em muitos aspectos, ele provavelmente é apenas o mesmo cara, mais uma iteração do primeiro Cleon. Mesmo que ele acredite plenamente que é único, que é mais forte do que os outros e detém a solução para a segurança da Galáxia em suas mãos.”

Em Fundação, essa transformação é explicitada por meio de detalhes que, perceptíveis ou não, guiam a visão do espectador. Um deles é por meio dos gestos coreografados dos Cleons. Antes, eles faziam exatamente as mesmas coisas, ao mesmo tempo, como clones que são. Isso muda na nova leva de episódios. 

“É uma das coisas nesta temporada. A ‘dança’ já ficou um pouco obsoleta, não acreditamos tanto nela como antes”, explica Pace. Agora, os Cleons se veem obrigados a fazer os mesmos movimentos apenas para continuar com a ilusão de que as réplicas não foram alteradas. Não é mais algo orgânico. “Foi divertido interpretar essa perspectiva de, sabe, ‘não vou mais dançar essa tolice’. Portanto, é apenas mais uma maneira pela qual o Império está começando a se fragmentar e se contrair, tornando-se frágil e cumprindo as profecias de Hari Seldon.”

Elenco diverso

Outro aspecto levado a sério pela produção foi o elenco. Se você tiver um olhar atento, irá reparar que existem atores e atrizes de diversas origens e etnias. Mais do que isso: alguns personagens, como Demerzel, tiveram o gênero trocado para garantir um maior equilíbrio nesse sentido.

“No passado, a ficção científica tinha um público e escritores predominantemente masculinos. Mas o mundo mudou, e a ficção científica não é mais um gênero exclusivamente masculino. Portanto, era importante retratar uma versão fictícia da humanidade 25 mil anos no futuro que reflita o público atual”, relata David S. Goyer. “Trata-se de contar uma história sobre o futuro enquanto se fala sobre o presente. Para que Fundação fosse um sucesso global, o público precisa se ver refletido nos personagens.”

Que o mundo, então, se veja em Fundação - mesmo que por meio de uma metáfora de si mesmo, situada 25 milênios no futuro. 

A segunda temporada da série estreia nesta sexta, 14, e será composta por dez episódios semanais. 

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