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Babel | Crítica

Um mundo nada plano

18.01.2007, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H21

Babel
Babel
EUA, 2006
Drama - 142 min

Direção: Alejandro González Iñárritu
Roteiro: Guillermo Arriaga

Elenco: Cate Blanchett,
Brad Pitt, Gael García Bernal, Jamie McBride, Kôji Yakusho, Lynsey Beauchamp, Paul Terrell Clayton, Fernandez Mattos Dulce, Nathan Gamble, Adriana Barraza, Mohammed Bennani, Clifton Collins Jr., Elle Fanning

Ao receber, na última segunda-feira, o Globo de Ouro de melhor filme dramático das mãos do governator Arnold Schwarzenegger, o diretor de Babel, Alejandro Gonzáles Iñárritu, espetou: Senhor governador, meus documentos estão em dia, eu juro!.

Nada bobo, o mexicano abarcou numa só frase tudo o que um discurso de agradecimento que se preze deve ter: bom humor, fundo político e um toque de provocação. Mas o alcance da tal frase não termina aí. Ela resume exemplarmente o tema da película e responde a uma pergunta velada que alguns dos espectadores da cerimônia certamente se fizeram. Radicado nos Estados Unidos há 11 anos, Iñárritu conhece melhor do que muita gente o que é ser alvo de preconceito — e transpõe essa experiência para a tela com maestria.

É justamente das idéias pré-concebidas que fazemos uns dos outros que falam as quatro histórias, espalhadas por três continentes e totalmente interconectadas, que compõem Babel. São crônicas de um mundo que, no discurso, tem cada vez menos fronteiras, mas que, na prática, está mais dividido do que nunca. O planeta em que vivem esses personagens não é o mesmo que os economistas retratam em suas teses. As situações criadas por Guillermo Arriaga (roteirista do filme que trabalhou com o diretor em todos os seus filmes e que atualmente briga para ser incluído nos créditos como autor) estão longe de ser fictícias. Elas aparecem nos jornais diariamente.

Atentados a turistas em países de fé islâmica e imigração ilegal são apenas dois dentre os muitos indícios de que o mundo pode até ser plano — como defende o colunista do jornal The New York Times Thomas Friedman no livro The World is Flat -, mas as pessoas definitivamente não são. Um dos mais perfeitos exemplos é dado pelo próprio Friedman em seu livro. Jovens universitários chineses engolem os ressentimentos causados por anos de guerra com o Japão e aprendem a falar a língua do antigo inimigo sem sotaque, para poder prestar os serviços de telemarketing que não atraem os vizinhos do país do sol nascente. Mais do que uma mera forma de sobrevivência, eles revelam que buscam a oportunidade de conhecer as empresas japonesas por dentro e, a partir do que aprenderem com elas, construir as suas próprias empresas. Hoje vocês são os arquitetos e nós os tijolos. Mas estamos nos preparando para mudar de posição, afirma no livro o supervisor da operação chinesa.

E aí reside a raiz de todo o problema. Ninguém quer ser tijolo para sempre. Para dar cabo das próprias inseguranças, a solução parece ser reduzir a ameaça a meia dúzia de adjetivos, quase todos depreciativos, e atacar antes de ouvir. Mais uma vez, vários elementos de Babel comprovam o conhecimento de causa que seus autores têm do que é viver num mundo onde as fronteiras mais intransponíveis não são exatamente geográficas. O melhor deles é o diálogo entre as crianças estadunidenses e o sobrinho de sua babá (vivida pela excelente Adriana Barraza) quando chegam ao México, onde vão assistir a um casamento. Minha mãe disse que o México é um lugar muito perigoso, diz o pequeno Mike. Em espanhol, Santiago (Gael García Bernal) responde: É mesmo... está cheio de mexicanos.

O slogan do filme, A tragédia é universal. Se quiser ser compreendido, escute, é a síntese perfeita. Escutar o outro é coisa que os personagens só fazem em momentos extremos, quando já não há outro recurso. Os pais dos meninos pastores no Marrocos só se dão conta que lhes deram responsabilidades demais e que não lhes prestaram a devida atenção quando é muito tarde. Susan (Cate Blanchett) entende o quão patético era o seu medo de beber a água desse mesmo Marrocos, quando luta contra a dor do tiro que tomou. Richard (Brad Pitt, em atuação memorável) percebe que nem toda ajuda é motivada por dinheiro numa das cenas mais lindas e sufocantes, a da saída do vilarejo. Amélia, a babá, vê que sua origem mexicana conta mais do que os 16 anos que passou na América quando uma série de decisões equivocadas a coloca numa situação em que suas palavras não valem nada.

Mas o brilhantismo de Iñárritu e Arriaga fica evidente na história de Chieko (Rinko Kikuchi), a adolescente que, de todos os personagens, é a mais capaz de compreender o mundo à sua volta, mesmo sem poder escutá-lo.

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