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Cultura Pop no Brasil | O drama dos sem-tela

Um mergulho ao inferno da violência banha as telas de adrenalina após sete anos de espera

23.07.2015, às 10H33.

De 2010 até hoje, à força de franquias como De Pernas Pro Ar Até Que a Sorte Nos Separe, o cineasta Roberto Santucci contabilizou uma marca de matar de inveja seus colegas de direção: vendeu cerca de 22 milhões de ingressos fazendo comédias. Seu trabalho mais recente, ainda em cartaz, Qualquer Gato Vira-Lata 2, já passou dos 800 mil pagantes. Estima-se que seus filmes, somados, contabilizaram uma receita em torno dos R$ 300 milhões. Porém, mesmo tendo números de sucesso no currículo, Santucci nunca conseguiu espaço em circuito para lançar um de seus filmes mais pessoais: Alucinados (2008), um thriller eletrizante, centrado na violência urbana, a partir de um caso de sequestro-relâmpago. Mesmo tendo conquistado o prêmio de júri popular no Festival de Paulínia, há sete anos, ele seguiu inédito. Nem o nome de Mônica Martelli, estrela do sucesso Os Homens São de Marte... e É Pra Lá Que Eu Vou (2014), garantiu ao longa-metragem um lugar no escurinho das salas de exibição. Mas essa realidade está a um passo de mudar. Encarado como um bunker de resistência cinéfila no Rio de Janeiro, onde promove mostras, debates e retrospectivas de clássicos, o Cine Joia, em Copacabana, conseguiu abrir vag6a em sua programação para exibir este mergulho de Santucci no inferno das drogas, que bate na telona com a velocidade de um trem-bala. A estreia está agendada para o dia 30, com uma semana em cartaz. Na primeira sessão, o diretor fará um debate com o público do Joia sobre os meandros dos filmes de ação como gênero no Brasil.

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Botar esse filme no cinema agora é uma realização pessoal, em especial porque ele tem um esforço de pensar a realidade do país a partir da violência, sob um enfoque universal que me levou a festivais internacionais como o de Xangai, na China. E mesmo tendo corrido o mundo, tive dificuldade de exibir algo que eu escrevi, produzi e dirigi na raça, com baixíssimo orçamento. Foi algo em torno de R$ 300 mil, que só saiu a este custo porque tive parcerias que trabalharam na amizade e no companheirismo. Se não, em custos reais agregados, ele teria custado até R$ 1,2 milhão”, diz Santucci, que rodou 12 longas de 2000 para cá, sendo o mais recente deles a comédia O Herdeiro, com Rodrigo Sant’Anna. “O fato de ter feito Alucinados  totalmente independente, e de eu não pertencer a nenhum círculo de relação do cinema, prejudicou a visibilidade dele em circuito. É bom que ele possa ter uma carreira comercial”.

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Na trama de Alucinados, Case (Cláudio Gabriel) é um dependente químico que amarga um trauma do passado por conta das drogas. Com o apoio de um colega de vício, Sapeca (Silvio Guindane), ele sequestra uma mulher de alta classe média, Júlia (Martelli), invadindo seu carro blindado. Mas o crime vai levar o trio a uma espiral de perigos, que testam o talento de Santucci para cenas de perseguição. “Eu pesquisei muitas coisas sobre a questão da dependência e juntei o que estudei a uma reflexão sobre o fato de o carro blindado ser encarado como uma espécie de fortaleza. A partir desses elementos, eu tento propor uma discussão sobre o quanto a violência de cada dia é fruto da carência de educação que vivemos”, diz Santucci, que tem dois projetos de thriller (ligados a questões polêmicas da vida pública brasileira) para tirar do papel.

Em paralelo, ele está associado ao projeto de rodar o terceiro tomo da série Até Que A Sorte Nos Separe, com Leandro Hassum. Tem ainda pela frente a refilmagem do longa argentino Dos Más Dos, de Diego Kaplan. Mas o desejo de enveredar pelo terreno da ação é uma meta em sua trajetória como realizador. “A influência do Cinema Novo [movimento dos anos 1960 que engajou o audiovisual do Brasil numa releitura política de sua própria identidade] despreparou as gerações seguintes para esta estética, a da ação, que costuma ser associada aos EUA, à cultura americana. Isso criou um preconceito que nos amarrou”, diz Santucci, que estudou cinema no exterior e trabalhou em produções hollywoodianas como Lendas da Paixão (1995), com Brad Pitt. “Existe ainda um tabu de que um filme de ação é um produto muito caro. Nosso exemplar mais conhecido, Tropa de Elite, precisou de toda a inteligência do José Padilha  para levantar um orçamento de R$ 12 milhões com o apoio de parceiros internacionais. De fato, é caro. Mas há alternativas. Alucinados foi feito na raça e é um filme totalmente autoral meu”.      

Sci-Fi de dar medo

Considerado um canteiro para o horror e a ficção científica no cinema internacional o Feratum Film Festival, realizado em outubro no México, convidou uma produção brasileira para sua seleção deste ano: ZAN, do diretor brasiliense Thiago Moyses. Orçada em cerca de R$ 300 mil, a produção acompanha o cotidiano de um jovem (João Meira) com poderes paranormais à la Scanners – Sua Mente Pode Destruir numa metrópole dos nossos dias, assombrado por manifestações que parecem sobrenaturais. O filme é uma incursão rara do Brasil pela seara da sci-fi. “É uma temática pouco valorizada no nosso cinema porque, sem tradição no gênero, não temos um vocabulário local para exercitar as bases do filão”, explica Moyses, cineasta de 33 anos conhecido pelo thriller sombrio Síndorme de Pinocchio – Refluxo, de 2008. Em regime orçamental de cinto apertado, o diretor reuniu atores e equipe filmando em inglês, de olho no mercado estrangeiro. As cenas de em que o protagonista usa seus dotes para a derramar sangue evocam a estética de David Cronenberg.

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Na vitrine de Muylaert

Ocupada com os preparativos para o lançamento de Que Horas Ela Volta?, que foi premiado nos festivais de Sundance e Berlim e agora vai concorrer em Gramado, nos dias 7 a 15 de agosto, a diretora Anna Muylaert já tem um longa-metragem novo em finalização: Mãe Só Há Uma. Com distribuição assegurada pela Vitrine Filmes (mais significativo veio de escoamento para o cinema autoral no país), o longa se baseia em fatos, ligados à história de um jovem que foi raptado de seus pais ainda bebê. Já adolescente, ele conhece sua família biológica e vai tentar se adaptar a esta nova realidade.Matheus Nachteragele é um dos destaques do elenco.   

Inclusão pelo corpo

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Está agendada para agosto, do dia 5 ao dia 17, a 7ª edição do Assim Vivemos – Festival Internacional de Filmes Sobre Deficiência, um projeto da produtora Lara Pozzobon. Serão exibidos títulos nacionais como Marina Não Vai à Praia, sobre uma menina com Síndrome de Down, e Tatuagem e Terremoto, sobre os efeitos da poliomielite. Lara Pozzobon produziu um longa premiado: Incuráveis (2005), do cineasta Gustavo Acioli.

Female power

Falando de Gustavo Acioli, ele é o diretor de uma comédia que promete subverter as convenções do gênero no país: Mulheres no Poder. Previsto para estrear no dia 10 de setembro só em Brasília para, em seguida, circular pelo resto do país, o filme traz Dira Paes no papel de uma senadora e Stella Miranda na pele de uma ministra. A trama, que parte da fraude de uma licitação, brinca com a mau comportamento político no Brasil, retratando corrupção e nepotismo.   

Nos passos da experimentação

Produtor do documentário Mataram Irmã Dorothy (2008), o cineasta Gustavo Gelmini está finalizando um filme-experimento sobre a dança como forma de ocupação de uma metrópole. O projeto se chama Suítes para Dança e reúne passos criados por três dos mais importantes coreógrafos da cena nacional na atualidade: Renato VieiraAlex Neural e Renato Cruz. Nas imagens filmadas por Gelmini, os bailarinos dançam por espaços abertos do Rio, fazendo da cidade um palco.

Da violência para o desejo

Realizadora do premiado À Queima Roupa (2014), sobre o massacre em Vigário Geral (RJ) em 1993, a carioca Theresa Jessouroun vai migrar para o terreno do erotismo em seu novo documentário: Paixão Nacional. Em fase de captação de recursos, o longa fala da sensualidade do povo brasileiro, com base no processo evolutivo de liberação do corpo, em especial a derrière (ou, para os menos tímidos, o bumbum).

Parte três para Os Fuzis

Contemplado com o Urso de Prata no Festival de Berlim de 1964 e eleito um dos maiores filmes do cinema latino-americano, Os Fuzis, de Ruy Guerra, vai ganhar uma segunda continuação, pilotada pelo mesmo realizador. Na trama original, Nelson Xavier vivia Mário, um militar responsável por conter um levante popular. Em 1978, Xavier codirigiu com Guerra o drama A Queda que marcava a volta de Mário, agora como um operário, cujo sogro, vivido por Lima Duarte, era um chefe de obras corrupto. É a vez de Xavier reviver o personagem de novo em 3 x 4, produção que Guerra desenvolve agora, enquanto espera a carreira inicial de seu trabalho mais recente, a comédia Quase Memória, já finalizada e esperada entre os potenciais concorrentes ao Leão de Ouro do Festival de Veneza. A competição veneziana vai de 2 a 12 de setembro e seus competidores serão conhecidos no próximo dia 29.

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CURTA ESSA: Caetana (2014)

Nesta segunda-feira, dia 27, às 21h, o Canal Brasil exibe uma espécie de réquiem poético à memória do escritor Ariano Suassuna, morto em 2014. Ele concedeu uma derradeira entrevista a Felipe Nepomuceno, que serviu de base para o programa Sangue Latino, apresentado pelo pai do diretor: a lenda do jornalismo Eric Nepomuceno. Ao longo de 15 minutos Ariano faz suas reflexões sobre a finitude e sobre a eternidade. O filme terá reprise no dia 30, ao meio-dia.

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*Com DNA luso-pop-suburbano carioca, Rodrigo Fonseca é crítico de cinema, roteirista e professor de história das narrativas audiovisuais, com dupla cidadania na Terra-Média de Tolkien, e nos rincões da Atlântida de Aquaman. Michel Gondry é o seu Godard e a pornochanchada, a sua alegria nas horas de solidão.

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