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Diário do Festival de Cannes - Parte 2 - DIAS 6 a 12 (final)

Diário do Festival de Cannes - Parte 2 - DIAS 6 a 12 (final)

23.05.2005, às 00H00.

O Omelete publicou um diário da 58. edição do Festival Internacional de Cinema de Cannes. O evento começou em 11 de maio e seguiu até o dia 22 na cidade francesa que dá nome ao prestigiado festival.

A edição 2005 recuperou os grandes nomes que faltaram no ano passado. A lista incluiu em competição os consagrados David Cronenberg (com A history of violence), Atom Egoyan (Where the truth lies), Amos Gitai (Free zone), Michael Haneke (Caché), Jim Jarmusch (Broken Flowers), Gus Van Sant (Last days), Lars von Trier (Manderlay) e Wim Wenders (Dont come Knockin), colocando também Sin City, de Frank Miller e Robert Rodriguez, no páreo.

O diário foi produzido pelo omelenauta Filipe Luna! Confira!

Leia aqui os Dias 1-5


Dia 12 (22/05)


Broken Flowers

Último dia de festival e a cidade de Cannes acordou triste. Bom, pelo menos eu. Odeio fim de festa e essa é exatamente a maneira de descrever como as ruas de Cannes estão. Parece até quarta-feira de cinzas. Mas alguns filmes ainda estavam em cartaz e aproveitei para ver algumas coisas que tinha perdido. O primeiro foi Broken Flowers de Jim Jamursch, que venceu o Grand Prix na noite anterior. Filme acessível do diretor e com uma história por vezes melancólica; por vezes hilariante. Uma interpretação muito boa de Bill Murray, que parece ter achado um jeito de interpretar seriamente depois que fez Encontros e Desencontros de Sofia Coppola. Ele faz aquele mesmo tipo de humor contido do filme anterior e garante boas risadas da platéia.

Depois assisti ao deslumbre visual de Sin City de Robert Rodriguez. Muita gente já tentou traduzir a linguagem dos quadrinhos de maneira convicente para as telas, mas poucos conseguiram uma similaridade visual tão grande quanto a alcançada por Rodriguez. O filme é quase todo em preto e branco e as cores são usadas em momentos significativos, técnica extremamente representativa da linguagem visual de Sin City em quadrinhos. A história confunde um pouco e às vezes o elemento visual é um pouco forçado pelo diretor, mas esse é um filme de estilo. Se tivesse uma trilha sonora melhor trabalhada, certamente se tornaria um ícone da cultura pop.


Sin City

Enfim, chegamos ao final desde diário e aqui acaba o festival. Daqui parto para Barcelona com muitas saudades de tudo que aconteceu nesses 12 dias. Nunca havia feito uma cobertura de um evento tão grande e organizado e confesso que fiquei um pouco deslumbrado no começo. Foi uma tremenda experiência e espero voltar outros anos para participar disso tudo novamente. Por hora é só. Au Revoir!

Dia 11 (21/05)

Hoje aconteceram as premiações do Festival e as boas notícias começaram a chegar logo cedo, quando soube que os dois filmes brasileiros receberam prêmios. Não foram premiações oficiais, mas de organizações que apóiam o festival. Cidade Baixa levou o prêmio da juventude, escolhido por um júri de nove jovens fanáticos pela tela grande. Já Cinema, Aspirina e Urubus venceu - por unanimidade! - o 3° Prêmio da Educação Nacional (os vencedores anteriores foram Elefante de Gus Van Sant e A Vida é um Milagre de Emir Kusturica). Passei a manhã e o começo da tarde no escritório da mostra Un Certain Regard acompanhando a entrevista que foi gravada com alguns integrantes da equipe do filme brasileiro. Essa entrevista estará presente (junto com o filme) num DVD que será mostrado para cerca de 1 milhão de estudantes franceses ao longo dos próximos três anos. E o filme terá sua distribuição em DVD garantida na França. A equipe estava muito feliz e surpresa com a premiação e se emocionou com o discurso feito por Pierre Chevalier, presidente do júri. Apesar de não serem prêmios oficiais, foi muito importante para as produções brasileiras ganharem alguma coisa para marcar a boa participação que tiveram no festival.

Ainda tentei assistir à reprise de Delwende de S. Pierre Yameogo - que levou o prêmio da esperança da mostra Un Certain Regard na noite anterior -, mas peguei o filme no meio, fiquei perdido na história e acho melhor não falar muito sobre o filme para evitar bobagens. Posso apenas dizer que se trata de uma reflexão sobre os costumes antigos de tribos africanas e como essas culturas se adaptam ao mundo moderno.

Terminada a sessão, só me restava esperar o anúncio dos premiados durante a cerimônia das palmas. Acompanhei a marcha das celebridades pelo tapete vermelho da varanda de um apartamento na Croisette, que me dava uma visão privilegiada. Lá de cima, pude ver celebridades como Diego Maradona, Emir Kusturica, Hillary Swank, Tommy Lee Jones, Zhang Ziyi, Morgan Freeman, Milla Jovovich, Kristin Scott Thomas, Ralph Fiennes, Michael Haneke e Robert Rodriguez. O filme que encerrou o festival foi Chromophobia de Marta Fiennes.

Antes, porém, foi realizada a cerimônia de entrega das Palmas. Essa eu assisti pela TV junto com alguns membros da imprensa no Palais du Festival. Nenhum dos prêmios causou reações muito exarcebadas, exceto o anúncio da Palma de Ouro para Lenfant dos irmãos Dardenne que provocou vaias e aplausos entre os repórteres. Reações divididas porque esse festival, infelizmente, não apresentou nenhum filme que causasse grande comoção dentre os espectadores. Mas a escolha do filme francês me pareceu um pouco estranha, pois as críticas publicadas sobre ele não foram muito elogiosas. Cache, de Michael Haneke, parecia um candidato mais forte entre a crítica e o público e o prêmio de melhor diretor que ele levou teve um certo sabor de consolação. Não sei se o festival conseguiu se recuperar direito da atrapalhada premiação do ano passado. Depois de escolhas absolutamente políticas em 2004, era imperativo que esse ano se considerassem os méritos artísticos.

Fica a duvida do que realmente norteia a entrega desses prêmios. Os interesses financeiros da indústria são enormes, mas ao mesmo tempo é muito difícil acreditar que se maneje um júri dessa maneira.

A premiação da Camera Dor foi divida entre Vimukhti Jayasundra e Miranda July. O filme do primeiro, Sulunga Enu Pinisa, eu assisti e, apesar de existir mérito na produção, é um filme pequeno, monótono e com personagens e roteiros um pouco confusos. Uma escolha muito estranha para um prêmio tão importante. Porém, de certa maneira, ele reflete o modo como Abbas Kiarostami, presidente do júri, percebe o cinema. As premiações de Tommy Lee Jones também não parecem muito dignas de mérito e sim uma maneira de compensar o constrangimento de eliminá-lo da competição pela Camera Dor.

Entretanto, nada disso é novidade. Premiações são assim mesmo. É muito difícil chegar a um consenso, ainda mais quando estamos falando de um assunto tão subjetivo. Ao menos dessa vez, por mais controverso que seja, o júri parecia mais interessado em premiar a arte cinematográfica e não promover posições políticas.

Dia 10 (20/05)

Sim! Entrei mais uma vez no Grand Theatre Lumière e agora realmente acho que foi pela última. É difícil descrever as duas principais salas de exibição do festival, a Lumière e a Debussy. São as melhores que já entrei na minha vida. A tela é enorme, o som é de qualidade cristalina e o mais interessante é que não existe lugar ruim nesses cinemas, é possivel ver bem a tela de qualquer lugar.


The Three Burials of
Melquiades Estrada

Depois de esperar quase uma hora na fila, consegui ingressos para ver The Three Burials of Melquiades Estrada de Tommy Lee Jones. Esse deveria ser o primeiro filme do diretor, porém ele foi eliminado da competição pela Camera Dor porque a organização considerou um longa antigo que ele fez para a TV como seu primeiro filme. Ele não foi o único, foram eliminados da competição também James Marsh por The King e Karin Albou por La Petite Jerusalem.

O filme de Tomy Lee Jones se passa no Texas, na fronteira entre Estados Unidos e México, e conta a historia do vaqueiro Pete, vivido pelo diretor, que atravessa o deserto até o país latino para enterrar seu amigo mexicano, Melquiades Estrada. Para auxiliá-lo nessa empreitada, ele seqüestra o patrulheiro da fronteira Mike Norton, vivido por Barry Pepper, que foi responsável pela morte de Melquiades. O relacionamento entre os dois personagens nessa viagem é interessante. O cenário que o filme mostra é bastante curioso, mexicanos desesperados para ir a uma terra onde os americanos vivem uma vida sem sentido. No geral, é um filme mediano que não acredito que tenha chances de ganhar a Palma de Ouro.

Saí correndo do cinema e segui para o hotel Noga Hilton onde foi exibido, na Quinzena dos Realizadores, o curta Vinil Verde do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho. O diretor subiu ao palco acompanhado dos assistentes de direção, Daniel Bandeira e Luciana Veras. O filme é uma história que lembra uma fábula, baseada num conto russo, e fala de uma mãe e uma filha que moram num apartamento no bairro de Casa Amarela, na cidade do Recife. Um dia a mãe presentei a filha com uma vitrola e uma caixa de disquinhos coloridos de vinil. Ela diz que a menina pode ouvir a todos os disquinhos, menos o de cor verde. Nunca o de cor verde. A filha sempre promete que não ouvirá o disco, mas basta que sua mãe saia para o trabalho que o disquinho verde é o primeiro a tocar em sua vitrolinha. A cada vez que ela toca o tal disquinho, a mãe volta para casa sem um membro. O filme é muito bem feito, todo montado com imagens em still com fotografias muito bonitas e a montagem é excelente. Achei a história um pouco moralista, quando diz que todos os erros que os filhos cometem machucam os pais e, ainda assim, eles não deixam de nos amar. Mas por tratar-se de uma fábula, isso é compreensível, afinal, normalmente elas são mesmo moralistas.


Habana Blues

No final da tarde tivemos o encerramento da mostra Un Certain Regard, com as entregas dos prêmios e a exibição do filme Habana blues de Benito Zambrano. Estavam presentes todos os integrantes do júri e o presidente, o diretor Alexander Payne (Sideways). O presidente anunciou os premiados auxiliado por um confuso tradutor. Os dois primeiros filmes premiados por terem uma visão diferente do cinema - uma espécie de menção honrosa - foram Delwende de S. Pierre Yameogo e Le Filmeur de Alain Cavalier. O grande prêmio da noite foi para o romeno The Death of Mr. Lazarescu, de Cristi Puiu, que venceu o Prix Un Certain Regard. Infelizmente não assisti a nenhum dos filmes premiados. Acontece, afinal eram 22 produções concorrendo nessa mostra.

No entanto, conferi o Habana Blues. Antes não o tivesse feito. Filme tolo, esquecível, cheio de clichês, sem roteiro e sem personagens. Além disso era um filme sobre música, extremamente ingênuo e com uma trilha sonora da pior qualidade. O que salvou a noite foi a presença de um magro Diego Maradona na platéia. Estava acompanhado pelo presidente do júri da Palma de Ouro, Emir Kusturica, que dizem estar interessado em fazer um filme sobre o jogador. Maradona deve estar buscando uma nova carreira no cinema, agora que não joga mais futebol. Se o festival nao teve nenhum filme que impressionou a todos, pelo menos no quesito jogadores de futebol estava bem representado, já que o nosso Pelé também passou por lá.

Dia 9 (19/05)

O festival está acabando e está começando a dar aquela saudade boa de ficar indo de um lado para o outro assistindo a filmes bacanas. Com os de hoje, já conferi 15 produções desde o início do festival. Acho que nunca vi tantas em tão pouco tempo.


Free Zone

Hoje fui ao Grand Theatre Lumière - talvez pela última vez nesse festival porque agora os eventos estão cada vez mais fechados e difíceis de entrar - para ver Free Zone de Amos Gitai. Como é comum nos filmes do diretor, a temática é novamente as relações entre árabes e israelenses no tumultuado Oriente Médio. Rebeca, vivida pela beldade hollywoodiana Natalie Portman (também israelense), é uma jovem americana que vive e estuda em Jerusalém. Depois de terminar o seu namoro, ela acaba acompanhando Hanna, uma israelense que vende carros blindados para árabes, numa viagem de negócios na Jordânia. Chegando lá, elas encontram Leila, a esposa do homem que deveria fazer o pagamento pelo carro. Assim, as três mulheres de origens tão distintas acabam envolvidas numa busca por dinheiro (para Hanna), por um filho perdido (para Leila) e por um lugar no mundo (para Rebeca).

Durante esse percurso, o diretor mostra as tensões criadas por anos de conflito. A música que toca no começo do filme é uma canção popular similar à nossa Hoje é domingo, pede cachimbo... que fala de eventos que geram conseqüências maiores, criando um círculo de violência. A utilização da canção é o ponto alto do filme, juntamente com um recurso de sobreposição de planos usado pelo diretor para contar fatos em flashback, sem perder o que está acontecendo no momento. É um pouco complicado de explicar, mas ele basicamente joga o plano do flashback sobre o plano do tempo presente e consegue manter o fluxo da narrativa. É um filme interessante, nem de longe o melhor do diretor.

Depois da sessão, fui pela primeira vez a uma exibição da Quinzena dos Realizadores - aqui eles chamam os diretores de realizadores, acho que para exaltar o cinema de autor. A Quinzena é uma das mostras paralelas do festival, a outra é a Semana Internacional da Crítica. Apesar de não fazerem parte da seleção oficial (composta pela Competição Oficial, Un Certain Regard, filmes fora de competição, curtas-metragens em competição, Cinefondation e Cannes Classic), elas gozam de grande reputação e importância e apresentam linguagens cinematográficas ainda mais ousadas que as mostradas nos demais eventos.

Estava lá para assistir ao curta Da Janela do Meu Quarto do diretor mineiro Cao Guimarães. A cerimônia não teve a mesma pompa das exibições da mostra Un Certain Regard, mas os diretores foram convidados a subir ao palco, onde puderam fazer um breve depoimento. Cao fez a platéia rir ao ironizar uma diretora que havia dito um pouco antes que estava muito feliz em mostrar seu filme às pessoas bonitas de Cannes. O diretor brasileiro não discriminou ninguém e disse que estava feliz de mostrar seu filme às pessoas bonitas e, principalmente, às pessoas feias de Cannes.

O filme mostra dois garotos brincando de brigar debaixo de chuva numa rua lamacenta e parece realmente filmado da janela do quarto do diretor. Ele é todo em câmera lenta e resulta extremamente interessante, pois o recurso transforma a diversão patética em bailado poético. Um trabalho muito bom de um profissional em ascensão que promete coisas boas no futuro para o cinema do Brasil. Amanhã, nessa mesma mostra, será exibido o curta Vinil Verde do pernambucano Kleber Mendonça.


Johanna

Depois da sessão, encontrei algumas pessoas conhecidas e fui parar no Club Camera Dor no Palais du Festival. Os brasileiros estavam em peso por lá e o comentário geral era de que nenhum dos filmes será premiado. Dizem que Johanna de Kornel Mundruczo ganhará o prêmio Un Certain Regard e que Niki Karimi, diretora de Yek Shab, ganhará o Camera Dor. Mas isso tudo é especulação... não há qualquer anúncio oficial ainda, mas é bom lembrar que a maior vitória para os brasileiros já foi conquistada: estar em Cannes. Além disso, me disseram que Cidade Baixa conseguiu ser vendido para outros países depois de sair na Variety. Hoje, Cinema, Aspirina e Urubus recebeu boas críticas tanto da Variety quanto do Hollywood Reporter. Aqui o maior prêmio é mesmo esse: as possibilidades de negócios que o festival proporciona.

Dia 8 (18/05)

Antes de vir para cá, eu não fazia idéia de como era este festival. Minha visão era um tanto romântica. Pensava tratar-se de um evento que celebrava a arte cinematográfica, no qual poderíamos assitir aos melhores filmes do ano. Bem, em parte o espírito ainda é esse e todo o glamour do Festival vem dessa qualidade. No entanto, hoje em dia, Cannes funciona também como um grande mercado, o encontro anual da indústria cinematográfica do mundo inteiro. O Marche du Film funciona paralelamente ao festival e reúne distribuidores de longas de todas as partes do globo. Circulando por lá é possível ver propagandas de filmes dos quais nunca se ouviu falar. É para participar desse mercado que a maioria dos credenciados está aqui no festival. É o lugar em que se pode garantir o sucesso financeiro de um filme. O local conta com dezenas de salas de cinemas nas quais os distribuidores realizam sessões exclusivas aos possíveis compradores. Aqui ocorrem as maiores transações porque a Cote Dazur atrai todos os milionários da indústria. Mas vamos aos eventos de hoje...

As festas dos dias anteriores cobraram seu preço. Perdi a hora e acordei tarde. Quando cheguei ao Palais du Festival não restavam mais ingressos para Sin City de Robert Rodriguez. Uma pena, estava com muita vontade de ver esse filme numa sala realmente boa. Vai ficar para amanhã na reprise. Como não tinha filmes para assistir, resolvi dar uma olhada nas revistas para saber a repercussão dos filmes brasileiros na crítica especializada internacional. Todo dia, as principais revistas de cinema, como Variety, The Hollywood Reporter, Le Film Français e Screen International, publicam edições especiais sobre o festival, com reportagens e críticas dos filmes do dia anterior. É a melhor maneira de saber como um filme repercutiu.

Os dois filmes brasileiros receberam críticas distintas. Cidade Baixa foi comentado na Variety como um filme com história e diálogos fracos que se sustentava na excelente performance dos atores. Até a trilha sonora de Carlinhos Brown foi elogiada (tem gosto pra tudo nesse mundo). Ja a Screen International fez uma critica elogiando bastante Cinema, Aspirina e Urubus. Disse que o filme foi a grande surpresa da mostra Un Certain Regard, elogiou o trabalho dos atores, o roteiro e a fotografia do filme. Disse ainda que Marcelo Gomes fez o filme definitivo sobre um caminhoneiro vendendo aspirinas no Brasil - passei o dia pensando nesse comentário e, honestamente, ainda não sei o que o autor quis dizer com isso. A volta do cinema brasileiro ao Festival de Cannes também rendeu matéria de duas páginas na Le Film Français. Nessa reportagem, feita por um brasileiro, falava-se mais sobre o estado atual da produção cinematográfica brasileira.


Eli, Eli, Lema Sabachtani?

Na parte da tarde sobrou um tempinho, então resolvi arriscar alguma coisa na Un Certain Regard. A próxima exibição era de Eli, Eli, Lema Sabachtani?, do diretor japonês Aoyama Shinji. É uma história meio sem pé nem cabeça sobre um vírus que assola o planeta. Chamada de Lemming Syndrome, a doença faz com que todos infectados se suicidem, numa alusão à marcha suicida dos lemingues (já rendeu até game, lembra?). Aparentemente. ninguém consegue sobreviver. Descobre-se então que as pessoas infectadas pelo vírus que ouviram a música de uma famosa dupla japonesa apresentaram melhora, mesmo que temporária. Assim, essa dupla passa o tempo inteiro gravando diferentes tipos de som e construindo coisas que produzam qualquer barulho estranho. A música que eles fazem é a mais indefinível massa sonora jamais feita, sem harmonia, melodia ou qualquer coisa que lembre música. É barulho puro, bem demente, explorando diferentes texturas sonoras. Lembra um pouco uma banda chamada Wolf Eyes, que se apresentou recentemente em São Paulo. Não consigo definir se o argumento do filme é completamente estúpido ou absolutamente genial, mas acho que fico com a primeira opção. Dezenas de pessoas se retiraram da sessão antes do final e, das pessoas que vieram assistir comigo, só eu aguentei até o final. Não sei o motivo, mas não consigo sair no meio de um filme, por mais incômodo e doloroso que isso seja.

Dia 7 (17/05)

Cada dia que passa parece que tem mais gente nesta cidade, é incrível. Logo que cheguei fiquei impressionado com a movimentação de pessoas nas ruas, mas isso não parou de aumentar em nenhum momento. Desde o último final de semana as filas aumentaram e está mais dificil conseguir ingresso para os filmes da competição oficial. No entanto, esse festival é tão bem organizado que sempre há maneiras de contornar esses transtornos. Todos os filmes da competição são reprisados no dia seguinte à sua exibição original. E todos também serão reprisados no próximo final de semana, quando se encerra o festival.


Manderlay

Foi numa dessas reprises que tive a oportunidade de assistir a Manderlay de Lars Von Trier - segunda parte da trilogia sobre os Estados Unidos iniciada com o aclamado Dogville. A história começa no ponto em que o primeiro termina. Grace, desta vez interpretada pela atriz Bryce Dallas Howard, parte da cidade de Dogville junto com seu pai, vivido agora por Willem Dafoe, e um séquito de mafiosos. Sua viagem é interrompida na cidade de Manderlay, no sul dos Estados Unidos, que ainda utiliza o trabalho escravo mesmo 70 anos após a abolição. Movida por seu espírito ingênuo e idealista, Grace está decidida a mudar o estilo de vida da cidade e ensinar a democracia para a comunidade. A estética do filme é a mesma do anterior: cenários simples com uma atmosfera teatral. Mas o que era novidade anteriormente cansa o espectador neste. A história também não é tão interessante. Fala de liberdade e preconceito sem adicionar reflexões mais profundas ao tema. A grande diferença é que a crítica aos Estados Unidos agora parte de Grace, com sua vontade de moldar o mundo à sua maneira mesmo que seja à força. Infelizmente, o filme não tem o mesmo brilho de Dogville. É apenas mediano. Não foi muito bem recebido pela crítica por aqui, que até agora aponta como favoritos à Palma de Ouro os filmes Cache de Michael Haneke e A History of Violence de David Cronenberg.


Cinema, Aspirina e Urubus

Cinema, Aspirina e Urubus

Deixei a sala apressado porque havia nova presença brasileira na mostra Un Certain Regard. Cinema, aspirina e urubus de Marcelo Gomes teve sua única exibição para o público na sala Debussy. Como eu já havia assistido ao filme, estava mais interessado em observar a reação do público e não podia perder a sessão. Ao chegar lá, tive uma ótima notícia: havia muita gente na fila e os ingressos se esgotaram. A equipe estava completa para subir a escadaria azul. Vinha o diretor acompanhado dos atores João Miguel e Peter Ketnath, dos produtores João Jr., Maria Ionescu e Sara Silveira, da montadora Karen Harley, do fotógrafo Mauro Pinheiro Jr. e do ministro (e cantor nas horas vagas) Gilberto Gil. Subiram as escadarias ao som de Carmem Miranda - esqueci de mencionar anteriormente, mas todo filme exibido na sala Debussy tem as músicas de sua trilha sonora tocadas enquanto a equipe passeia pelo tapete azul. A excitação e felicidade eram visíveis nos rostos de todos enquanto subiam ao palco para serem apresentados ao público. Se felicidade matasse, eu caía duro agora, disse Marcelo Gomes ao agradecer o trabalho da equipe e desejar à platéia que aproveitasse o filme.

Cinema, aspirina e urubus é a história de uma amizade entre um pernambucano que foge da seca e um alemão que foge da guerra. Juntos, eles rodam o sertão vendendo, com a ajuda de um projetor de cinema, a cura para todos os males, a aspirina. O filme se passa quase todo em um cenário, o caminhão, e isso exige um trabalho de interpretação muito grande dos atores. Auxiliados pelos diálogos bem construídos, eles conseguiram dar veracidade aos personagens. Não espere os estereótipos do nordestino de filmes como Lisbela e o prisioneiro ou Auto da Compadecida. O que o diretor buscou foi uma leitura mais real de cada personagem. A fotografia de Mauro Pinheiro Jr. é tão deslumbrante que salva até os poucos momentos tediosos do filme. De dia a luz cega e as cores têm pouco contraste, à noite tudo é muito escuro, apenas iluminado por lampiões. Difícil de acreditar que seja seu primeiro longa, já que nunca vi o sertão tão bonito.

Ao término da sessão o filme foi muito aplaudido, assim como a equipe enquanto deixava a sala. A recepção foi tão boa que fiquei até imaginando se algum dos filmes brasileiros tem chance de prêmios nesta edição do festival. Mas, pensando bem, isso não é tão importante. Afinal, trazer um filme para Cannes, ainda mais longas de estreantes como é o caso dos brasileiro, já é uma vitória incrível. Principalmente em um país onde é tão difícil produzir cultura.



Dia 6 (16/05)


Cidade baixa

Wagner Moura, Alice Braga e
Lázaro Ramos em Cannes

Hoje acordei ansioso. Era o dia da primeira exibição de um filme brasileiro selecionado no festival deste ano. Verdade que o filme já havia sido exibido no dia anterior, em sessão fechada, exclusiva para a imprensa. Mas o público do festival, eu inclusive, veria Cidade Baixa pela primeira vez hoje.

Procurei chegar cedo para encontrar um bom lugar, mas a fila para a sala Debussy, onde o filme seria exibido, estava pequena. Confesso que fiquei um pouco decepcionado, pois esperava maior interesse por parte dos europeus. Felizmente, a decepção foi momentânea, já que as pessoas chegaram em cima da hora para a sessão e a sala ficou com uma boa lotação. Além disso, descobri mais tarde que a fila para a segunda sessão estava muito grande, o que confirmou o que eu tinha apenas ouvido falar antes de vir para cá: o Brasil está na moda na Europa. É impressionante a quantidade de camisetas e casacos com o nome e as cores do nosso país nas ruas.

Mas chega de divagação... voltemos à exibição do filme. A equipe estava bem representada pelo diretor Sérgio Machado, pelos atores Wagner Moura e Lázaro Ramos e pela atriz Alice Braga. Além deles, um convidado especial também estava por lá, o nosso ilustre Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que foi muito aplaudido. Antes de começar o filme, a equipe foi convidada para subir ao palco e falar um pouco sobre a produção - o que é comum na mostra Un Certain Regard. Machado começou bem seu discurso com um francês passável que agradou a platéia. Porém ele prolongou demais o assunto e acabou falando de coisas que não interessavam aos presentes. Deve ter sido o nervosismo, o que é perfeitamente compreensível, já que mostrar seu primeiro filme no Festival de Cannes é uma ocasião única.

Cidade Baixa é a historia de um peculiar triângulo amoroso vivido pelos amigos de infância Deco e Naldinho, que trabalham como barqueiros, e a prostituta Karina. Eles se conhecem quando os dois oferecem uma carona de barco à moça e começam uma relação que, a princípio, era só trabalho para ela, mas logo se torna diversão para os três. O trabalho dos atores é responsável por toda a tensão emocional que emana da tela. Tensão até demais porque parece que Karina, apesar de perceber que está desfazendo a amizade dos dois, parece não se satisfazer nunca. Eventualmente, isso cansa um pouco. Os diálogos oscilam bastante entre o real e o estereótipo e, ocasionalmente, deixam as situações um pouco forçadas. No entanto, os atores conseguem recuperar com um desempenho admirável o ritmo do filme. Esses pequenos detalhes e a trilha sonora esquecível não chegam a prejudicar o filme, que resulta bom. Talvez um pouco naturalista demais, mas isso já é uma questão de gosto pessoal.

Ao final da exibição, o filme foi muito aplaudido, assim como os atores na saída da sala (principalmente Alice Braga, que deve ter deixado os franceses com saudades de sua tia). Todos estavam ainda um pouco estáticos com a dimensão do evento, mas pareciam felizes. Confraternizaram com a equipe de Cinema, Aspirina e Urubus, afinal são todos amigos. João Miguel, um dos atores principais de Cinema..., por exemplo, teve até uma participação em Cidade Baixa.






Joyeux Noel

Como o filme terminou cedo, ainda tive tempo para assistir a mais um durante a tarde, Joyeux Noel de Christian Carion. O filme conta uma história real passada durante a 1a. Guerra Mundial. Fala de uma trégua entre soldados alemães, franceses e escoceses, em um campo de batalha na França, durante o Natal de 1914. Uma história muito bonita (apesar de dotada de alguns momentos piegas) e significativa para o tempo em que vivemos. Principalmente para as pessoas que viveram as guerras aqui na Europa. Não por acaso o filme foi aplaudido diversas vezes durante a projeção.

Amanhã o dia também promete. Temos a exibição de Cinema, Aspirinas e Urubus, que me disseram ter sido bem recebido pela imprensa na sessão realizada ontem pela manhã. Vamos aguardar a reação do público.

Leia aqui os Dias 1-5

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