Em nenhum momento dos 114 febris minutos de La Cordillera se fala o nome da Petrobrás, mas é o petróleo brasileiro que serve de combustível às negociatas políticas retratadas neste thriller moral e cívico com Ricardo Darín, que marca um gol da Argentina em Cannes. Pergunta-se por todos os cantos da Croisette (e em muitas línguas) por que o filme de Santiago Mitre não está em disputa pela Palma.
Incluído na mostra paralela e também competitiva Un Certain Regard (que em 2016 nos revelou dois indicados ao Oscar: A Qualquer Custo e Capitão Fantástico), esta produção pilotada pelo diretor do premiado Paulina (2015) foi aplaudida com fervor ao fim de sua projeção e virou papo de corredor entre os latinos presentes. Nela, o Brasil - na figura do presidente Oliveira Prete, vivivo com uma ironia saborosa pelo ator Leonardo Franco, da série Preamar - é o alvo e o inimigo de todos, menos no líder da Argentina, Hernán Blanco. E este papel ficou nas mãos de Darín, ímã de elogios no festival.
"Não sei direito ainda que filme eu fiz, mas sei que tentei retatar questões políticas confusas para o nosso continente a partir de um líder político com dilemas pessoais", disse Mitre por email ao Omelete.
Diálogos dele, como
"o Diabo não existe; negócios sujos, sim" fizeram
Cannes rir em peso. Esta noite (24), o diretor estará no evento com Darín e com sua mulher, a atriz
Dolores Fonzi, para a exibição oficial de
La Cordillera, encarado desde já como o mais vigoroso dos filmes de origem hipânica nesta 70ª edição do evento. E já há quem o defina como uma potencial aposta para o
Oscar de 2018. A presença luminosa de
Christian Slater (
Mr. Robot) como um emissário da Casa Branca - sórdido até a medula - pode ajudar nisso. É ele quem vem enredar o personagem de Darín, que dá nome ao filme na França: por lá o título será
El Presidente, em espanhol mesmo
"Eu tento sempre escolher papéis que reflitam a realidade social das nações latinas", disse Darín num papo com o
Omelete em meio às filmagens, em agosto de 2016.
Na trama, Dolores vive a filha de Blanco, que entra numa crise nervosa no momento em que o presidente argentino participa de um conclave de presidentes latinos no Chile para decidir se é viável ou não a criação de uma multinacional, a Aliança Petroleia do Sul. E a ideia parte do Brasil, o que irrita o presidente do México (vivido por Daniel Giménez Cacho) e exige ações dos Estados Unidos.
"O presidente do Brasil é um ponta de lança nessa negociação e todos vão tentar tirá-lo do primeiro plano", disse Franco, por telefone ao Omelete.
Neste dia em que
O Estranho Que Nós Amamos silenciou as certezas de
Cannes na briga pela
Palma, só
La Cordillera causou tanto impacto no balneário, mostrando a constante renovação dramatúrgica do cinema argentino.