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Looking: O Filme | Crítica

Patrick e seus amigos retornam num longa-metragem que encerra com otimismo a série da HBO

30.07.2016, às 10H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

O dia 26 de junho de 2015 foi um dia histórico para a comunidade gay americana. A suprema corte dos EUA aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo por cinco votos a quatro e a união passou a ser legal em todos os 50 estados do país, mesmo entre aqueles que já se recusavam a considerá-la assim antes da decisão. O dia foi marcado pelo tuíte do presidente Barack Obama que rodou o mundo com a mensagem "Love Wins".

A decisão da suprema corte colocou uma nova luz sobre as vidas de gays e lésbicas que, por muito tempo, jamais imaginaram que essa fosse ser uma realidade possível. Até então, as uniões homossexuais eram estáveis do ponto de vista pessoal, íntimo, completamente carentes de apoio governamental e frágeis no aspecto jurídico. Isso, é claro, afetava também as perspectivas de qualquer pessoa disposta a considerar as opções de enlace, interferindo, consequentemente, na maneira como a ficção lidava com essas limitações e anseios. Um ano depois, a HBO exibe o longa-metragem que encerra a trajetória de Looking.

Looking For Commitments

O criador Michael Lannan usou uma velha fórmula para encerrar a série, mesmo embora o capítulo final tenha sido vendido como um filme, é claro. Patrick (Jonathan Groff) mudou-se de São Francisco e passou nove meses reconstruindo sua vida após o término de seu relacionamento com Kevin (Russell Tovey). O filme começa quando Patrick retorna à cidade para o casamento de Agustin (Frankie J. Alvarez) e Eddie (Daniel Franzese), sendo obrigado a lidar com as coisas e pessoas das quais fugiu.

Com uma dramaturgia minimalista, Looking nunca foi uma série de grandes eventos, mas seu texto sempre foi suficientemente forte e competente para que não fossem necessárias grandes viradas. Considerada uma "série de nicho", ela teve um papel importante na TV, já que sua existência configurava um exemplo do pouco investimento dedicado à produções que retratassem a rotina da comunidade LGBT. Apesar de seu forte estar na forma honesta e direta com a qual descrevia as vidas daqueles personagens (gays ou não), a força propulsora da desigualdade arrasta inevitavelmente qualquer dramaturgia centrada em gays para o quanto ainda não é possível não engajar-se nela. Assim, justamente porque relacionamentos gays ainda não podem existir naturalmente no meio do fluxo social, Looking, tanto em sua forma seriada quanto cinematográfica, acabou convergindo em relações amorosas.

Contudo, não é uma questão só de amor. Há uma crítica velada, como a série fez enquanto esteve no ar. Talvez a principal delas seja uma resposta ao próprio universo gay, cheio de seus altares de adoração ao corpo padronizado e preconceitos comportamentais latentes. Antes mesmo do filme ser planejado, Russell Tovey deu uma declaração sobre estar feliz de "não ter se tornado afeminado". A declaração foi equivocada e desceu mal. O filme, então, não só colocou a discussão em pauta usando o próprio personagem de Russell, como tornou o grande clímax da narrativa uma provocação ao quanto de heteronormatividade (gays que não parecem gays) existe nas dinâmicas da comunidade.

Looking For Attempts

Do ponto de vista estético, o filme é apenas um longo episódio. Mas narrativamente ele se arruma de forma esperta, sendo possível assisti-lo até mesmo sem ter visto a série. É muito interessante notar como o cinismo característico de pessoas muito inteligentes (e os personagens são muito inteligentes) é confrontado com a relutante atração que eles têm pelo ideal de amor e de felicidade, o que acaba se refletindo na produção. Looking disserta sobre o engodo do idealismo romântico, mas toma decisões passionais, como uma gravidez de uma última hora ou uma reconciliação com ares de comédia romântica. Tudo isso apenas porque, no fim das contas, o cinismo é vencido pela vontade do roteiro de ver aqueles personagens indo bem.

Numa série tão apoiada em texto, tudo é uma questão de personagem. Embora o casamento seja de Agustin e haja o mínimo de investimento em Don (Murray Bartlett), o roteiro se apoia totalmente no triângulo inevitável formado por Patrick, Kevin e Ritchie (Raúl Castillo). Com atores tão bem ajustados nos papéis e um roteiro ciente de para onde quer  ir, Michael Lannan pode brincar de Hollywood e enfeita o filme com sequências híbridas que ao mesmo tempo em que defendem seu racionalismo, também cedem ao lúdico. Só isso permite que uma grande e verborrágica briga termine com a estratégica execução de "Hood", do Perfume Genius (com sua letra hiper encaixada na trama), numa clara alusão aos finais açucarados da Sessão da Tarde.

Essas ambiguidades percorrem todo o tempo de exibição, como se também fossem um espelho do quanto a própria experiência social dos gays mudou. Agustin tem problemas para se entender consigo mesmo e todos os outros personagens fazem piadas com o que ele "se tornou": o cínico que agora busca a instituição do casamento. Porém, até uns dez anos atrás era inconcebível que qualquer cinismo pudesse ser vencido pela simples possibilidade de unir-se maritalmente perante o mundo. Como Patrick mesmo admitiu, a simplicidade do ato do casamento tem para casais homossexuais um poder de validação que acaba por ser muito reconfortante, ainda que não se precise dele. Dessa forma, Looking: O Filme fechou seu ciclo também sendo afetado pelo otimismo de um tempo de pequenas liberdades, onde se pode dar o direito de tentar justamente porque o caminho está aberto para isso. Consciente assim, o texto só reforçou como essa produção foi sincera, competente, bonita e justa.

Nota do Crítico
Excelente!

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