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Balzac e a Costureirinha Chinesa | Crítica

<i>Balzac e a costureirinha chinesa</i>

22.07.2004, às 00H00.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 22H01

Balzac e a costureirinha
chinesa

Balzac et la Petite Tailleuse Chinoise, 2002
França/China - 111 min.
Drama/Romance

Direção: Dai Sijie
Roteiro: Dai Sijie

Elenco: Zhou Xun, Chen Kun, Liu Ye, Wang Shuangbao, Wang Hongwei, Xiao Xiong, Chen Wei

Pensamento crítico e horizonte cultural amplo são dois elementos altamente inconvenientes aos regimes totalitários. Não por acaso foram duramente reprimidos durante a maioria deles, também marcada pela ênfase no desenvolvimento do corpo, da força e da disciplina. Foi assim na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini e até mesmo no Brasil da Ditadura Militar (a obrigatoriedade das aulas de educação física é um reflexo desse aspecto que ainda assola crianças de todas as idades...).

O cinema guarda contundentes registros desse período da história. Filmes como Um dia especial (Una Giornatta Particolare, Ettore Scola - 1977), O triunfo da vontade (Triumph des Willens, Leni Riefenstahl - 1938) e Olimpia (Olympia, Leni Riefenstahl - 1938) estão entre os seus melhores exemplos. Faltava, no entanto, uma obra que falasse, de maneira mais aprofundada, deste tipo de repressão durante o período em que Mao Tse Tung governou a China. Balzac e a Costureirinha Chinesa (Balzac et la petite tailleuse chinoise - 2002), vem para preencher esta lacuna, com seu retrato bem humorado, quase carinhoso, da Revolução Cultural empreendida pelo presidente Mao, no fim do ano de 1968.

Após os desastrosos resultados de uma campanha denominada O Grande Salto para Frente — que desencadeou uma das piores ondas de fome da história — Mao e sua equipe de governo decidiram atribuir a culpa às influências do capitalismo sobre a China. Viam nas artes e na cultura a principal porta de entrada de tais influências e, muito convenientemente, acusavam os intelectuais de inimigos do povo chinês. No intuito de promover uma onda de reeducação socialista, lançaram a Revolução Cultural, que fechou todas as universidades do país e enviou ao campo os jovens intelectuais (que não passavam de inocentes estudantes secundaristas, filhos de inimigos do povo, em sua maioria). A reeducação socialista ficava a cargo de camponeses pobres que, à base de muito trabalho forçado, mostravam aos jovens o verdadeiro caminho para a construção de uma nação forte.

Dirigido por Sijie Dai, um chinês radicado na França há quase vinte anos, o filme é uma adaptação do livro homônimo, também escrito pelo diretor, em 1999. Campeão de vendas naquele ano, o livro é uma autobiografia de seu autor que, ao final da adolescência, passou pelo processo de reeducação num povoado escondido nas montanhas.

Acompanhado de Luo, um outro jovem intelectual, o tímido protagonista de 19 anos chega à aldeia e tem de se adaptar à nova realidade e à ignorância dos camponeses. A cena que abre o filme (e também o livro) dá o tom bem humorado, quase sarcástico, em que a história é narrada: reunidos no centro da aldeia, camponeses de olhos arregalados tentam — em vão — entender que misterioso objeto traz um daqueles jovens em sua bagagem. Passam-no de mão em mão, sem saber que o que julgam ser um brinquedo não passa de um simples violino.

Os dois trabalham na lavoura e lutam contra a falta de preparo físico. A chegada do alfaiate, que vive no vilarejo próximo, vem alterar definitivamente a rotina dos recém-chegados. Ele chega acompanhado de sua linda neta, tão jovem quanto os "moços da cidade". Quando são enviados ao vilarejo com a missão de assistir a um filme norte-coreano e, na volta, narrá-lo aos habitantes da aldeia, os dois jovens conquistam o coração da Costureirinha.

É através dela que descobrem que o "Quatro Olhos", um garoto em reeducação na aldeia vizinha, esconde em seu quarto um baú com livros proibidos. Eles conseguem roubá-lo e a amizade dos três irá se amalgamar em secretas sessões de leitura. Fascinada pelas histórias de Balzac, Dumas, Dostoievski, Flaubert e outros autores ocidentais, a Costureirinha vive a sua revolução pessoal. Os reflexos serão sentidos não apenas nas roupas que passa a produzir, mas também no rumo que irá dar à própria vida. É emocionante (mais ainda no livro do que no filme) a cena em que aldeãs chinesas aparecem vestidas como francesas da Bèlle Epoque em férias à beira-mar.

A vantagem do filme sobre o livro é trazer informações sobre aqueles dois jovens e sobre o vilarejo, vinte anos depois. A revisão que fazem da experiência nas montanhas é sutil, quase insinuada, mas faz com que a história cresça dentro do espectador — que carrega os personagens consigo, mesmo vários dias após a sessão.

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