Jason Statham em Beekeeper - Rede de Vingança (Reprodução)

Créditos da imagem: Jason Statham em Beekeeper - Rede de Vingança (Reprodução)

Filmes

Crítica

Beekeeper resgata o filme de ação como fantasia de poder desavergonhada

Roteirista Kurt Wimmer segue tentando fazer da estupidez uma forma de arte

Omelete
5 min de leitura
10.01.2024, às 16H00.
Atualizada em 12.01.2024, ÀS 14H09

O roteirista (e ocasional diretor) Kurt Wimmer é uma figura bem curiosa dentro do cinemão hollywoodiano das últimas décadas. Desde que fez o fascinante Equilibrium (2002), uma colagem safada de clichês do sci-fi distópico sobre governos autoritários que milagrosamente consegue se tornar uma obra genuinamente excitante pelo caminho, ele tem refinado o seu talento para reduzir os chavões da ficção estadunidense aos seus núcleos mais básicos, aos impulsos que os fizeram se tornar chavões em primeiro lugar. De Ultravioleta a Salt, de Thomas Crown a Código de Conduta, os filmes que levam sua assinatura são narrativas de instinto, cinema de gênero despido de ironia moderninha.

Em certa medida, portanto, amar ou odiar esses filmes é amar ou odiar algo maior do que eles, e Beekeeper - Rede de Vingança não é diferente. É verdade que filmes de ação em que um protagonista solitário busca vingança por fora da lei seguem em voga, talvez até mais nos últimos dez anos (desde o primeiro John Wick) do que nos vinte anteriores, mas Beekeeper retira do subgênero toda e qualquer pretensão contemporânea. Enquanto os exemplos mais recentes do filão tentam conquistar um público cínico através da complicação da moralidade envolvida nessas histórias, ou então optam por cortar completamente sua conexão com a realidade, escapando assim de dizer qualquer coisa sobre ela, o longa escrito por Wimmer abraça sem hesitação o impulso revanchista fantasioso que fez esse tipo de filme tão emblemático do cinema de ação dos EUA.

Jason Statham, abrindo mão do bom humor que se tornou habitual (e bem-vindo) nos seus filmes tardios, interpreta Adam Clay, apicultor dedicado e ex-agente de um programa ultrassecreto do governo americano. Quando sua gentil vizinha (Phylicia Rashad) vira vítima de um golpe cibernético e comete suicídio, ele decide honrar sua memória da única forma que sabe: caçando cada um dos responsáveis e assassinando-os brutalmente, não importa quais organizações bilionárias e pessoas poderosas corruptas se coloquem em seu caminho. Um CEO moderninho com investimentos criminosos (Josh Hutcherson) está em sua mira, enquanto a filha da falecida vizinha, que calha ser agente do FBI (Emmy Raver-Lampman, de The Umbrella Academy), está em seu encalço.

Os diálogos de Wimmer chegam a ser condescendentes em sua estupidez, soletrando insistentemente os crimes hediondos cometidos pelos vilões da trama, insistindo especialmente na fragilidade das vítimas idosas escolhidas por eles (É como enganar uma criança… não, pior! Uma criança tem os pais para defendê-la, diz o protagonista em certo momento), telegrafando a quilômetros de distância as reviravoltas que levam Clay a subir na hierarquia da organização criminosa que está perseguindo, fazendo cada um dos coadjuvantes “bonzinhos” admitirem que a cruzada vingadora do protagonista é justa dentro de um mundo no qual as leis não são o bastante. Esta é a história de um herói rústico detonando os falsos mocinhos que se escondem por trás de aparências zen e sofisticadas, de um homem que não se importa com quem é o presidente, mas sim “com o certo e o errado, conceitos que não estão muito na moda”.

Nesse contexto, é claro, a verdade emocional é matéria escassa. O luto é um processo debilitante demais para que um personagem como Adam Clay passe por ele e saia intacto do outro lado como a fantasia de poder que claramente foi criado para ser. Para ele, cada braço quebrado, cada vilão morto por enforcamento, cada dedo decepado (por algum motivo, o filme parece obcecado por esses três tipos de violência) é o equivalente a uma lágrima derramada e uma sessão de terapia. Além do mais, Beekeeper não tem tempo a perder - mesmo com 1h45 de duração, o longa se move com eficácia inclemente, correndo sem parar na direção das catarses progressivamente maiores e mais violentas que são sua promessa fundamental ao público.

Parceiro de Wimmer em Os Reis da Rua, o diretor de Beekeeper, David Ayer, parece ao menos entender essa ambição pop visceral do roteiro. Com o diretor de fotografia Gabriel Beristain (Viúva Negra), ele coopta a construção de mundo vulgar e encharcada em neon de um Atômica ou um Kate a fim de chocá-la com um herói que representa e busca viver em um mundo que é o oposto desse brilho. O confronto entre Clay, vestido em vários tons de bege, e a mulher que o substituiu no programa governamental do qual ele fazia parte, uma assassina de aluguel glamurosa e cyberpunk que não faria feio no elenco coadjuvante de John Wick, é o momento mais emblemático desse choque - admitidamente, a melhor ideia visual de um longa que sofre com cenas de luta pouco inventivas e montagem duvidosa.

A ânsia de reduzir o filme de vingança brutamontes à sua forma mais concentrada e pura é tanta, inclusive, que Beekeeper só permanece com seus personagens por literais segundos depois que a missão do protagonista está consumada. Com uns poucos diálogos dolorosamente óbvios antes do clímax, Wimmer tira do caminho toda a exposição de consequências narrativas que normalmente viria depois dele, e termina o seu filme sem nem tentar fingir que o público está interessado em algo além da satisfação do seu instinto mais básico de revanche. E o pior (ou melhor, você decide) é que ele não está errado.

Diante de um mundo de mazelas tão complexas, povoado por pessoas tão complexas, filmes como este sempre representaram a fantasia de poder consertá-lo à força, e todo de uma vez (é por isso que a vingança de Clay começa em um call center no interior dos EUA e termina na Casa Branca), sem precisar abrir mão de nada por isso. Beekeeper é só o primeiro filme de seu gênero em muito tempo que tem coragem de admitir o que é, para si mesmo e para nós.

Nota do Crítico
Bom
Beekeeper - Rede de Vingança
The Beekeeper
Beekeeper - Rede de Vingança
The Beekeeper

Ano: 2024

País: Reino Unido/EUA

Duração: 105 min

Direção: David Ayer

Roteiro: Kurt Wimmer

Elenco: Phylicia Rashād, Josh Hutcherson, Minnie Driver, Jason Statham, Emmy Raver-Lampman, Jeremy Irons

Onde assistir:
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