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Crítica

Crítica: A Comédia do Poder

Chabrol e a corrupção francesa

06.06.2007, às 15H00.
Atualizada em 06.11.2016, ÀS 01H03

Engana-se quem tem a pachorra de imaginar que corrupção é exclusividade nossa. Engana-se duplamente quem, um pouco mais inteirado, sabe que corruptores e corrompíveis existem em qualquer rincão do planeta, mas imagina que tratar do assunto indignada e abertamente é coisa de nossos hermanitos argentinos.

Será que alguém nesse mundo deixou de ouvir algo a respeito da famosa operação "mãos limpas", que tomou políticos e industriais italianos pelas orelhas conduzindo-os em grande número para trás das grades, num exemplo a ser seguido por quem se imagine honesto? Pois é, a França, da civilização iluminista, da igualdade e fraternidade, também sofre em seus interiores racionais com o problema, a ponto de fazer com que um dos mestres do cinema francês ainda em atividade, Claude Chabrol (A dama de honra), se aventurasse por caminho tão árduo, em busca de esclarecimentos e paz interior.

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Talvez a motivação maior a levar o cineasta a tratar do assunto tenha sido a oportunidade de tratar e falar do poder - algo que caminha, descaradamente, par-a-par com os participantes dessa modalidade de crime. Para tanto, Chabrol abraçou um famoso caso de escândalo financeiro em seu país e resolveu tentar puni-lo com a atriz fetiche de alguns cineastas e dos francófilos espalhados mundo afora, Isabelle Hupert. Ela faz a juíza que se encarrega de denunciar os envolvidos no escândalo, e começa a caça aprisionando o empresário Michel Humeau (François Berléand), mais como um exemplo da justiça dura e punitiva que se abateria sobre o restante dos envolvidos - com muito maior carga de responsabilidade do que o engaiolado empresário -, do que por convicção de sua culpabilidade exclusiva. Ela demonstra, também, abuso do poder que tem em mãos para conduzir as investigações e o início do inquérito, e isso acaba por fazer o duplo sentido que faz contrapeso interessante ao poder emanado pelos envolvidos no crime.

Só que Chabrol não estava com a mão tão calibrada quando aceitou tal empreitada, e acabou conduzindo-a por vias muito menos densas e interessantes do que as obtidas em seu trabalho anterior, A Dama de Honra, por exemplo, em que demonstrou porque é considerado mestre por alguns e do qual retirou uma obra exemplar. O filme não tem aquele algo a mais e caminha por vias bastante comuns, esbarrando diversas vezes em situações com alto teor de clichês. Além do mais - e já me imagino crucificado por algumas dezenas de conhecidos por tal afirmação - utilizar Hupert em filmes é mais ou menos como disputar um campeonato inteiro de futebol dentro do mesmo estádio - moderno, elegante e respeitado, sim, mas com a mesma cara, a mesma grama, os mesmos buracos se repetindo durante todo o torneio. A atriz, muito senhora de si, é incapaz de criar tipos muito diferentes do que, imagino, ela seja na realidade. Com cara de poucos amigos, olhar enojado e de superioridade, Hupert vem conduzindo sua carreira com um repetir eterno de modelos de interpretação. Neste filme até que ela tenta travestir-se com nuances mais sarcásticas e de humor ferino, mas a sua marca registrada se sobrepõe a tudo e, ao final, resta a certeza de que vimos um filme com Isabelle H., e não com a juíza Charmant Kilmann.

Um Chabrol menor, viciado pelos piores entorpecentes da parte ruim do cinema francês.

Cid Nader é editor do site cinequanon.art.br

Nota do Crítico
Regular
A Comédia do Poder
L´ivresse Du Pouvoir
A Comédia do Poder
L´ivresse Du Pouvoir

Ano: 2006

País: França

Classificação: 10 anos

Duração: 110 min

Direção: Claude Chabrol

Elenco: Isabelle Huppert, François Berléand, Patrick Bruel, Robin Renucci

Onde assistir:
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