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Quando anunciou que faria um filme sobre a batalha da ilha de Iwo Jiwa entre estadunidenses e japoneses, uma das mais sangrentas da Segunda Guerra Mundial, Clint Eastwood escutou protestos. Os japoneses não queriam ser retratados como os vilões. Eastwood decidiu então fazer dois longas, um sob o ponto de vista dos EUA e outro da perspectiva do Japão. A questão é: não seria possível encaixar os dois lados em um único filme? Claro que seria - mas não sem antes quebrar uma longa tradição de maniqueísmo no gênero. Ainda mais quando se fala no Holocausto, o cinema não comporta visões humanistas do Eixo (não importa se milhares de japoneses morreram em nome da lealdade ao imperador; estavam todos do lado do Nazismo, é a lógica consolidada). No mundo da ficção é difícil entender que há guerras sem mocinhos e bandidos, são todos perdedores. Acontece, por exemplo, como na Primeira Guerra, de estar tudo mundo do lado errado. Quando a guerra acabar É o que conta Feliz Natal (Joyeux Noël, 2005), do francês Christian Carion. Retomando outra tradição, desta vez benéfica, que remonta a A Grande Ilusão, clássico de 1937 de Jean Renoir, Carion coloca acima de bandeiras e slogans as pessoas de carne-e-osso que foram arrastadas ao conflito, muitas vezes sem saber por que ou por quem estavam lutando. Tem raízes no imperialismo territorial e na corrida armamentista do final do século 19 e início do 20 a disputa que colocou de um lado a Tríplice Entente (britânicos, franceses e russos) e do outro a Tríplice Aliança (Império Alemão, Austro-Húngaro e Turco-Otomano). A síntese do conflito - e de toda essa era do eurocentrismo - era disputa de território. Quem está certo numa situação como essa? Renoir trabalhou o tema brilhantemente, na esfera do indivíduo, mostrando que havia mais em comum entre dois aristocratas de lados opostos, um francês e um alemão, do que entre dois compatriotas de camadas sociais distintas. Outra pergunta: que noção de rivalidade, ou mesmo de nação, há quando se guerreia com pessoas tão próximas, em distância e em afinidades? Carion adapta o mote ao espírito natalino. O filme se baseia em história verídica. Em dezembro de 1914 a guerra acabava de ser declarada, quando agrupamentos de franceses, escoceses e alemães se enfrentam no front do norte da França. Encontram-se alguns tipos que, evidentemente, não pediram para estar ali - um padre escocês (Gary Lewis, o pai de Billy Elliot), um ator alemão (Benno Fürmann), um francês (Guillaume Canet) com saudades da esposa. Na véspera do Natal, o impensável. Cada país na sua trincheira, negociam um cessar-fogo. Logo o momento vira confraternização - soldados inimigos se apresentam, trocam garrafas, mostram fotos das suas famílias, jogam futebol. Do lado dos alemães, o oficial responsável (papel de Daniel Brühl, de Adeus, Lênin), inicialmente desconfortável, acaba descobrindo que conhece a rua em Paris onde mora o seu correlato francês. Combinam de se encontrar quando a guerra acabar. O diálogo entre os dois é emblemático - quando a guerra acabar - e sintetiza a idéia do conflito como um evento alheio à vida dos envolvidos. A quem interessa então, se não aos combatentes, o pegar-em-armas? Feliz Natal é um filme bastante açucarado (a cantora de ópera vivida por Diane Kruger, que embala o coro da meia-noite, é personagem dispensável), mas esboça uma resposta a essa difícil pergunta - quando os oficiais são confrontados por seus superiores a explicar o cessar-fogo do Natal. De novo, seja em 1914, em 1945 ou em 2006, a quem interessa a guerra?
Ano: 2008
País: Brasil
Classificação: 14 anos
Duração: 100 min
Direção: Selton Mello
Elenco: Leonardo Medeiros, Darlene Glória, Paulo Guarnieri, Lúcio Mauro, Graziella Moretto