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Filhas do Vento | Crítica

<i>Filhas do vento</i>

15.09.2005, às 00H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 05H05

Filhas do vento
Brasil, 2004
Drama - 85 min

Direção: Joel Zito Araújo
Roteiro: Di Moretti

Elenco: Mílton Gonçalves, Rocco Pitanga, Kadú Carneiro, Zózimo Bulbul, Jonas Bloch, Ruth de Souza, Léa Garcia, Taís Araújo, Maria Ceiça, Danielle Ornelas, Thalma de Freitas, Mônica Freitas

Quando Rubens Ewald Filho, então presidente do júri do Festival de Gramado 2004, disse ao Jornal do Brasil que a premiação de Filhas do Vento (2004) foi sociopolítica - Ou alguém acha que foi à toa que demos prêmios para seis atores negros em um estado como o Rio Grande do Sul?, falou na época - o elenco e a equipe do filme reclamaram. Disseram que não queriam esmolas e ameaçaram devolver os oito kikitos ganhos. E não só porque gostariam de um reconhecimento baseado no mérito artístico, mas principalmente porque o filme combate justamente isso: a segregação.

O diretor Joel Zito Araújo, de longa carreira acadêmica e documental, decidiu partir para a ficção depois de escrever a sua tese de doutorado, que viraria documentário, A negação do Brasil. O livro/filme fala do papel estigmatizado do negro na televisão brasileira. Foi daí que nasceram as filhas do vento. Segundo Zé das Bicicletas (Mílton Gonçalves), epicentro da trama, elas são mulheres que não criam raízes, que teimam com idéias irreais. No caso das suas duas filhas, Cida (Taís Araújo) e Ju (Thalma de Freitas), foi a primeira, mais velha, quem puxou a ventania da mãe. Ao contrário da irmã, Cida não gosta de morar no interior de Minas Gerais, prefere o romantismo urbano das radionovelas - e sonha em ser atriz.

Acompanha-se a trama em dois momentos temporais. Anos depois, durante o enterro de Zé das Bicicletas, descobrimos o tamanho do conflito. Ju, ou melhor, Dona Maria DAjuda (Lea Garcia), agora avó de inúmeras crianças, se surprende ao ver chegar na igrejinha daquela mesma cidade a irmã que há 45 anos só conhece pela televisão. A tia Cida (Ruth de Souza) virou a atriz que sonhava no Rio de Janeiro - mas negra fazendo televisão precisa ser competente ao quadrado, e ainda assim para arrumar pontas como empregada ou moradora de subúrbio. As duas nunca mais se falaram depois de um incidente na juventude. E esse drama se perpetua. A filha de Ju preferiu morar na cidade com a tia, é outra herdeira dos ventos. Já a filha de Cida nunca conheceu o pai e se dói por ser negligenciada em nome da carreira da mãe.

A maneira como Araújo apresenta a transição das personagens jovens e idosas é revelador. Cida cresce de repente, logo se vê no seu apartamento clean com vista panorâmica, olha para as suas fotos na parede - é como se tivesse sido consumida pela dedicação ao trabalho e não tivesse lembranças mais calorosas que aquilo, retratos em preto-e-branco na parede. Já a maneira como Ju envelhece é bem diferente. O diretor mistura a silhueta do seu corpo na cama em três momentos - até chegar à avó apertada no sofá, esperando a novela, com as netas rechonchudas. Os dois mundos são incompletos. Um pela falta de perspectiva, resumido ao estereótipo da negra caliente e gestora. O outro pelo excesso de exigências profissionais, nem sempre reconhecidas, que vitimam uma vida íntima.

O domínio da linguagem pelo diretor é impressionante nesses momentos particulares. Mas o que impressiona mais, infelizmente, é o primarismo que consome boa parte do filme. Pode ser pragmatismo de documentarista, mas Araújo tem dificuldades em deixar seu elenco à vontade. Diálogos literais, presos à correção da língua escrita, demonstram medo de sair demais do roteiro, de improvisar. O lado acadêmico fica latente, em seguida, em falas que parecem manifestos. Soa pouco natural a repetição do discurso da negritude, da tese do preconceito televisivo martelado tanto - ainda mais num filme que conseguiria impor sua posição política sem verbalizá-la.

Dependendo da boa vontade do espectador, a balança das qualidades e defeitos pode pesar para qualquer um dos lados. Mas o que Araújo e sua equipe não querem, como ficou claro em Gramado, é boa vontade. Querem ser julgados sem condescendência, e é natural que a crítica olhe o filme e aponte suas imperfeições - coisa que o júri do festival evitou fazer em nome do politicamente correto. No fim, os desenlaces familiares da trama deixam claro que o importante é falar, mas também saber ouvir. E antes de mais nada, as pessoas têm umas às outras, negras ou não, precisam se entender, e disso não podem abrir mão.

Nota do Crítico
Regular
Filhas do Vento
Filhas do Vento
Filhas do Vento
Filhas do Vento

Ano: 2005

País: Brasil

Classificação: 14 anos

Duração: 85 min

Elenco: Milton Gonçalves, Taís Araújo, Thalma de Freitas, Jonas Bloch, Rocco Pitanga

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