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Os especialistas, habitualmente, dividem em duas partes a carreira do espanhol Carlos Saura. Nascido em 1932, filmou de forma crítica e intimista, entre 1956 até os meados dos anos 80, as consequências da ditadura de Francisco Franco (1892-1975) na sociedade espanhola. Nesta época, muitas vezes censurado, cristalizou a sua postura como um opositor a qualquer tipo de repressão e de tortura - em obras-primas como Olhos vendados (Los ojos vendados, 1978).
Com o esgotamento da temática, Saura, um especialista em fotografia, passou a investir na música e na força visual da dança. Trocou o discurso político seco e direto pela poesia de óperas trágicas. Dessa fase provém outro clássico, Bodas de sangue (Bodas de sangre, 1981), além dos filmes mais famosos do diretor, como Carmen (1983), Flamenco (1995), Tango (1998) e Goya (1999). Salomé (2002), o seu filme mais recente, segue essa mesma tendência.
O mito da dançarina tem diversas versões, interpretações várias e incontáveis adaptações para a literatura, o teatro, a TV e o cinema. Mas as bases da história secular são mais que conhecidas: há 2 mil anos, Herodes, governador da Galiléia, pediu a Salomé que realizasse a sensual "Dança dos Sete Véus"; ela exigiu, como condição, a decapitação de um homem. Segundo escritos bíblicos, esse homem seria um pregador batista que insultou a mãe da dançarina. De acordo com as releituras propostas em 1893 por Oscar Wilde (1854-1900), cujas bases também servem à ópera de Richard Strauss (1864-1949), o condenado foi escolhido por ter negado o seu amor à jovem Salomé.
Por sua vez, Saura inova no formato. Começa, em tom documental, mostrando o esforço da companhia de flamenco Dos Y Danza para montar a ópera. No momento da estréia, detalhes cênicos acertados, filma a peça em execução - uma apresentação suntuosa, com música de Roque Baños e coreografia de Aída Gómez, também a atriz principal. Quanto à trama, pouco importa se o espetáculo registrado por Saura segue as orientações sacras ou as linhas de Wilde. Importa apenas a simbologia. A sua Salomé representa a encarnação do desejo, metáfora da carnalidade - e aí as reações emotivas provocadas pela música, pela luz e pela dança falam mais alto do que qualquer diálogo.
Ano: 1983
País: Espanha
Classificação: LIVRE
Duração: 102 min
Direção: Ernst Lubitsch, Vicente Aranda
Roteiro: Joaquim Jordà, Vicente Aranda
Elenco: Pola Negri, Paz Vega, Leonardo Sbaraglia, Antonio Dechent, Joan Crosas, Jay Benedict, Joe Mackay, Josep Linuesa