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Documentários sempre foram vistos como produções menores no Brasil. Com raras exceções, eram concebidos de forma didática. Normalmente eram exibidos em festivais, sessões especiais ou na TV a cabo. Os poucos que conseguiam chegar ao circuito, muitas vezes eram recebidos com ressalvas pelo público, que deixava as salas vazias. De uns anos para cá a qualidade dos documentários vem surpreendendo o cenário cinematográfico, despertando a curiosidade do espectador. Hoje em dia, muitas vezes vale mais ir ao cinema para assistir a um documentário do que às mesmices produzidas pelos estúdios. Língua - vidas em português é um desses casos.
O longa-metragem foi filmado em cinco países: Portugal, Moçambique, Índia, Brasil, e Japão. Dirigido por Victor Lopes, um moçambicano de nacionalidade portuguesa radicado no Brasil há 25 anos, o documentário tem como objetivo mergulhar nas muitas histórias da língua portuguesa e na sua permanência entre variadas culturas do planeta. Em Língua, a lusofonia é sobretudo fala surpreendida no cotidiano de personagens ilustres e anônimos de quatro continentes. Ao entrar e sair da vida dos personagens, o filme desvia-se das suas rotas cotidianas para encontrar cerimônias, casas, locais de trabalho, esquinas e paisagens, traçando retratos reveladores da cultura de cada um dos países visitados.
Do primeiro ao último minuto é impossível desviar o olhar da tela. Feito de forma simples, mas genial, o filme vai construindo paralelos entre os depoimentos dos entrevistados. É interessante notar que o diretor escolheu deixar apenas os testemunhos de cada participante e abandonar a forma clássica do narrador. Com isso o ritmo ganha velocidade e dinamismo. Os entrevistados contam suas experiências e a maneira que eles vêem a língua. Ao mesmo tempo em que temos as reflexões de Mia Couto e José Saramago, somos apresentados também a várias tiradas engraçadas de alguns personagens como Martinho da Vila e o rapper Edinho - um adolescente moçambicano, que mesmo vivendo inúmeras dificuldades extrai poesia de seu cotidiano.
Percebemos também a influência americana nas palavras de alguns personagens. João Ubaldo Ribeiro chega a comentar que essa influência passou das palavras e já está presente na sintaxe. Saramago mostra também que estamos num processo de involução lingüística. Os primeiros humanos comunicavam-se através de sons e grunhidos e através dos tempos a fala foi se desenvolvendo. Saramago prova que hoje em dia estamos voltando à época das cavernas, já que cada vez mais usamos menos palavras para nos comunicar.
A grande sacada de Victor Lopes não foi tentar teorizar ou criar qualquer tipo de conjectura antropológica ou sociológica. Da mesma forma que cada personagem conta suas experiências de maneira espontânea, o espectador fica livre para tirar suas próprias conclusões. Seria muito pretensioso e partidário entregar um produto pronto sobre um assunto tão vasto.
Língua - vidas em português triunfa em apresentar como uma única língua tomou caminhos variados nos países colonizados pelos portugueses. Culturas e costumes diferentes deram vários significados para uma mesma palavra. E parafraseando Saramago: "São pessoas que apesar de falarem português, não falam a mesma língua".
Autor: Victor Lopes
Ano: 2002
País: Brasil
Classificação: LIVRE
Duração: 105 min
Elenco: Mia Couto, João Ubaldo Ribeiro, José Saramago